Das verdades relativas à pós-verdade e às fake news

A palavra “verdade” foi praticamente banida do vocabulário politicamente correto. Parte-se de um princípio válido, de certa forma: ao ser humano é impossível conhecer plenamente a verdade, pois somos limitados e só conhecemos aspectos limitados da realidade.

Só Deus conhece toda a verdade. Apenas conseguimos apreender aspectos do real, com a nossa ciência, e reconhecer o sentido último da realidade na medida em que esta nos é revelada por Cristo. No entanto, para os cristãos, esse humilde reconhecimento da limitação humana não elimina a verdade. Sabemos que ela existe e iremos conhecê-la, mesmo que só parcialmente.

A verdade tampouco foi excluída do ideário da maioria dos cientistas ou dos repórteres investigativos. Uns e outros, ainda que de modos diversos, sempre se reconheceram como buscadores da verdade, mesmo que soubessem que nunca conseguiriam dominá-la totalmente

A verdade, numa definição simples, pode ser entendida como a adequação entre nossas ideias e a realidade. Existem ideias muito diferentes sobre a realidade, porém algumas sempre serão mais próximas que outras do real.

A falha do relativismo não é aceitar a multiplicidade de versões sobre um fato, mas imaginar que não temos a obrigação moral de procurar saber qual é a mais condizente com a realidade, de reconhecer que algumas correspondem ao que existe e outras não ou pelo menos se aproximam mais do real que outras.

Acreditar que “não existem fatos, apenas versões” ou que “cada um pode pensar e agir como quer, pois ninguém sabe o que é certo” parecia ser um critério emancipador, que nos libertaria de regras morais opressoras e nos permitiria ir ao encontro de quem pensa diferente com mais facilidade.

Grande parte da intelectualidade mundial atacou o então Cardeal Joseph Ratzinger, na Missa Pro Eligendo Pontifice (18 de abril de 2005), quando ele denunciou essa “ditadura do relativismo”, que não quer reconhecer a existência de uma verdade e a obrigação moral do ser humano de procurá-la e de se pautar por ela na medida que a encontra.

Em 2016, um departamento da Universidade de Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano em Língua Inglesa. Na mesma época, o mundo começou a se dar conta da penetração das fake news, particularmente nas redes sociais, e descobriu que aceitar múltiplas versões da realidade não serve à libertação e à união, mas sim ao engodo, à dominação e ao ódio.

Infelizmente, foi isso que constatamos na campanha eleitoral que se encerrou, quando fomos envolvidos numa trama de fake news na qual todos pareciam ser atacados e atacar.

Para não sermos varridos por esse novo tsunâmi relativista, diferente dos anteriores, contudo igualmente enganoso, é oportuno retomar as palavras do Papa Francisco:

“As fake news […] propagam-se com grande rapidez e de forma dificilmente controlável, não tanto pela lógica de partilha que caracteriza os meios de comunicação social como sobretudo pelo fascínio que detêm sobre a avidez insaciável que facilmente se acende no ser humano […] Libertação da falsidade e busca do relacionamento: eis aqui os dois ingredientes que não podem faltar, para que as nossas palavras e os nossos gestos sejam verdadeiros, autênticos e fiáveis. Para discernir a verdade, é preciso examinar aquilo que favorece a comunhão e promove o bem e aquilo que, ao invés, tende a isolar, dividir e contrapor” (Mensagem para o 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24/01/2018).

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, professor e pesquisador nas áreas de Bioética, relação Igreja e cultura, e Ecologia Social, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
 

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