Da cruz à ressurreição

    Nesta Semana Santa dentro do Ano Mariano, uma oportunidade boa para nós é deixarmo-nos guiar por Maria a partir do Mistério Pascal. Ela foi a primeira e mais santa seguidora de seu Filho e, por isso, nos ensina a segui-Lo também. Mais do que ensinar, ela nos acompanha ao longo do caminho.

    Façamos um itinerário a partir de trechos selecionados do conhecido Sermão de São Bernardo de Claraval para o Ofício das Leituras, na comemoração da memória de Nossa Senhora das Dores, cujo título é “Estava sua Mãe junto à cruz”. Trata-se de um texto profundamente místico, como, aliás, era próprio de São Bernardo, que soube unir a teologia à mística de forma exemplar.

    Ele se inspira na passagem do Evangelho de Lucas, na qual é descrita a apresentação de Jesus no templo, quando Simeão profetiza que o menino seria um sinal de contradição e afirma para Maria: “Uma espada traspassará tua alma”. (Cf. Lc 2,34-35)

    Deixo, então, que nos fale a respeito o Doutor Melífluo:

    “Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada traspassou tua alma. Aliás, somente traspassando-a, penetraria na carne do Filho. […] A lança cruel, abrindo-lhe o lado sem poupar um morto, não atingiu a alma dele, mas ela traspassou a tua alma. A alma dele já ali não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada dali. Por isto a violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos, com justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da paixão corporal. […] Não vos admireis, irmãos, que se diga ter Maria sido mártir na alma”. […]

    Talvez haja quem pergunte: ‘Mas não sabia ela de antemão que iria ele morrer’? Sem dúvida alguma. ‘E não esperava que logo ressuscitaria’? Com toda a confiança. ‘E mesmo assim sofreu com o Crucificado’? Com toda a veemência. […] É obra da caridade: ninguém a teve maior! […] Depois dela nunca houve igual. […]

    A morte de Jesus, e morte de cruz, como enfatiza São Paulo na carta aos Filipenses, referindo-se à execução mais humilhante daquela época, foi o maior sinal da misericórdia de Deus por nós. De fato, Jesus, que não se prevaleceu de sua condição divina, mas se humilhou até assemelhar-se aos homens na condição de escravo, é o rosto da misericórdia do Pai. (Cf. FL 2,6-8)

    E sua Mãe “com-padece” com Ele, em doação de puro amor, naquilo que São Bernardo chama de “martírio da alma”. Seria uma palavra muito dura afirmar que nós também devemos ser mártires? Lembremo-nos de que o significado do termo grego martyr é “testemunha”. Todos somos chamados a testemunhar para o mundo a cruz de Cristo. Ela é uma etapa irrenunciável do seguimento do Senhor.

    Nos tempos atuais, cunhou-se a expressão “martírio das consciências” justamente para designar a discriminação velada, a perseguição discreta, porém efetiva, que nós cristãos sofremos, muitas vezes sob a forma de ideologias contrárias aos valores do Evangelho que tentam impor às nossas consciências. Este não seria o momento propício para discorrer sobre os inúmeros exemplos deste tipo que surgem na nossa sociedade. No entanto, basta estar atento à mídia para conhecê-los.

    Depois das grandes celebrações da semana, espera-nos a planície da nossa grande cidade; espera-se, e até mesmo anseia, por alguém que possa plantar em seu solo a semente da esperança.

    Esperança – é o que este tempo presente tanto necessita! A mesma esperança na ressurreição do Filho, que Maria guardou pela confiança, mesmo no mais terrível sofrimento, como afirma São Bernardo.

    O Beato Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, citado pelo Papa Francisco na Evangelii Gaudium, nos diz: “Que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e desanimados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida ir­radie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo”. (EG 10)

    Nós, cristãos, somos os arautos da esperança, justamente porque Jesus não permaneceu no túmulo, mas ressuscitou. De seu lado aberto, segundo outra analogia mística bem conhecida, jorraram sangue e água, simbolizando os sacramentos da Eucaristia e do Batismo. “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,5). Assim, mergulhados sacramentalmente na morte de Jesus, com Ele emergimos para a vida nova de ressuscitados. Esta é a fonte e a razão da nossa esperança!

    O Beato Paulo VI, Papa, afirma que o mundo do nosso tempo procura ora na angústia ora com esperança. O que o mundo procura? Respostas para suas indagações, soluções para urgentes problemas atuais; em resumo, sentido para a vida de cada pessoa que hoje se encontra imersa no vazio contemporâneo. Já que a ciência e a tecnologia não conseguiram, por si mesmas, dar essas respostas, as pessoas buscam algo que transcenda a limitada realidade material.

    Eis aí o espaço para que a Palavra de Deus penetre os corações. Essa é a nossa missão, pois somos todos evangelizadores, seja por palavras ou por atos, seja nos areópagos da grande cidade ou no seio da família.

    Maria ficou de pé junto à cruz sustentada pela esperança. Ela tinha em seu coração a certeza de que o Filho ressuscitaria. A nossa esperança se fundamenta na promessa que já se cumpriu e que, em breve, iremos proclamar no louvor pascal. É uma esperança assegurada pelo próprio Cristo, pois, se Ele ressuscitou, nós também ressuscitaremos com Ele.

    Assim como o Ressuscitado irrompeu de seu túmulo, que nós também possamos deixar para trás tudo o que nos impede de segui-Lo com um coração livre e generoso. Ser cristão não significa apenas seguir a Cristo, mas reproduzir todas as Suas ações.

    Enquanto não se consuma a História, quando a glória do Senhor será manifestada, os sinais da ressurreição estão presentes entre nós. Jesus Cristo nos deixou, como penhor de nossa ressurreição, o dom do seu Espírito, que santifica a Igreja e cada um de nós. Por isso, somos chamados a levar a luz do Ressuscitado a todas as periferias geográficas e existenciais, onde jazem os excluídos, os solitários, os que sofrem toda forma de carência. Cada pessoa que se ergue de uma condição sub-humana, qualquer que ela seja, é sinal de ressurreição.

    Que Deus nos conceda a graça de sermos as mãos estendidas que soerguem os irmãos e depois os acolhem no abraço fraterno. Não é preciso ir muito longe do nosso contexto para encontrarmos essas oportunidades. Elas chegam até nós. Como na parábola do fariseu e do publicano, não precisamos perguntar quem é o nosso próximo. Ele está no caminho que trilhamos pela vida. Basta ter olhos para enxergá-lo.

    O Papa Francisco ensina: “A comunidade missioná­ria experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. 1 Jo 4, 10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os ex­cluídos. Vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a mi­sericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva”. (EG 24)

    Desejo que as celebrações pascais nos conduzam a um verdadeiro encontro privilegiado com Jesus, e que, tendo experimentado a misericórdia do Pai, possam levar consigo essa força difusiva de oferecer misericórdia a este mundo tão carente!  Olhem o horizonte: é Páscoa! É nova vida que brota, a luz que dissipa as trevas!

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