Da ciência econômica e da justiça na reforma da previdência

Maria Cristina Sanches Amorim é economista, professora titular de Economia e coordenadora do grupo de pesquisa Gestão, Economia e Política da PUC-SP.

A proposta do Poder Executivo para a reforma da previdência é de grande relevância: alterar o regime de seguridade social construído a duras penas ao longo da história do Brasil, reduzindo o direito ao mínimo bem-estar que o Estado até então garantiu. A polêmica sobre o tema está compreensivelmente acirrada. A ciência econômica pode ajudar a compreender o debate.
A ciência econômica não é um amontoado de números que produz leis inexoráveis. Ao contrário, é um conhecimento cuja serventia é ensinar como aumentar o bem-estar e respeito à liberdade das pessoas. Ciência alguma é sinônimo de verdade inquestionável, os cientistas, em quaisquer áreas do conhecimento, têm poucas certezas e muitas, muitas dúvidas. Não é diferente no campo da ciência econômica. Expressões como racionalidade, equilíbrio, eficácia e leis econômicas só têm sentido na perspectiva da justiça social.
A proposta do Poder Executivo para a reforma da previdência pode ser resumida em dificultar o acesso e reduzir o valor do benefício do contribuinte. O governo do Presidente Temer alega que o “remédio amargo” é inevitável, única forma de reduzir o déficit atual e garantir às futuras gerações o recebimento da aposentadoria. Muitas outras vozes já contestaram e continuam contestando a afirmação governamental. Vozes favoráveis e contrárias usam argumentos quantitativos. Compreensível, os números têm curiosa aderência no imaginário popular, quaisquer que sejam, saiam de onde sair as pessoas tendem a acreditar na tolice que “os números não mentem jamais”.
Para além dos números (déficit ou não déficit, menos trabalhadores para mais inativos, etc.) há que se pensar nas consequências da proposta do Executivo para uma parcela vulnerável da população, a maioria dos aposentados, e entre esses, ainda mais vulneráveis, os trabalhadores rurais, as mulheres com dupla ou tripla jornada de trabalho, os brasileiros das regiões mais pobres nas quais a expectativa média de vida é menor.
Que tipo de solução a proposta do Governo Temer encaminha? Qual seu critério de justiça? Se a proposta for aprovada pelo Legislativo, a dificuldade no acesso e a redução do benefício deve provocar maior procura pelos planos de previdência privadas – apenas pelos trabalhadores de maior renda, é claro. Os bancos e suas seguradoras seriam beneficiados pelo aumento de demanda. E os trabalhadores, particularmente os mais pobres e as mulheres, que terão pago o custo do ajuste, o que receberiam em troca do sacrifício? Se não é aos mais vulneráveis, a quem serve, afinal, a “nova” previdência?
Que não se atribua à ciência econômica (a supostos critérios “técnicos” inquestionáveis) a justificativa para a proposta do Executivo de reforma previdenciária – o conhecimento em economia, ao contrário, recomenda a promoção do bem-estar e da justiça sociais. Recursos para reduzir déficit (de magnitude controversa) podem vir de muitas fontes e da redução de outras despesas, como os gastos com os juros que remuneram a dívida pública. Que o Executivo e o Legislativo não se eximam da responsabilidade de escolhas que desconsiderem o princípio de justiça.

 

Fonte: Núcleo Fé e Cultura

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