A relação estabelecida entre Jesus e seus seguidores exige, por primeiro, reciprocidade. Não é uma exigência burocrática, na base da obediência e obrigação meticulosa entre duas partes que constroem uma relação de convivência apenas. Não um simples código de conduta serviçal ou contratual, como muitos o fazem numa relação de trabalho ou alhures. Nem algo que se assemelhe a um pacto nupcial ou afetivo, com fins de se construir uma convivência harmoniosa pura e simples. Ao contrário, Jesus exige muito mais, a partir de um profundo conhecimento mútuo. “Eu os conheço. Da mesma forma como vocês me conhecem. Conheço a voz, o nome, os anseios, os desejos, os sonhos, a luta, os fracassos… tudo, tudo da vida de vocês. E vocês?”
Essa é a essência da metáfora que Jesus contou a seus discípulos, ao lhes narrar a história do Bom Pastor. Tão simples e maravilhosa que os ouvidos moucos de seus ouvintes não foram capazes de entende-la num primeiro momento. Como assim, porta, aprisco, ovelhas? O que Jesus queria dizer com aquele palavreado sem sentido? A dureza dos corações atrelados à realidade pura e simples, à cruenta realidade de uma sociedade injusta e insegura, não lhes permitia entender o quão maravilhosa era a história que Ele lhes contava. Primeiramente, afirmava ser Ele a porta do redil, aquele estranho local de aconchego e proteção, um oásis no deserto, um céu na terra… Isso mesmo, Ele lhes falava do Paraíso, o aprisco divino pelo qual só se entrava passando por Ele, a porta única da salvação que almejamos. “A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz” (Jo 10,3). Só Jesus tem licença do Pai para nos dar acesso às serenas e verdejantes “pastagens” paradisíacas do Reino Celeste, porque quem entra por outro caminho é o ladrão, o salteador das ovelhas.
Por outro lado, conhecemos sua voz, suas palavras, sua promessa… A ovelha do rebanho protegido está em perfeita harmonia com o comando do seu pastor e segue sua voz, suas orientações, desconhecendo assim o comando oportunista dos estranhos, aqueles que diuturnamente rondam o rebanho em busca das ovelhas incautas, distraídas, surdas às palavras do único e verdadeiro pastor. Nesta relação é que se estabelece o vínculo protetivo que a fé cristã promete aos que seguem as promessas de proteção e amor daquele que se diz o verdadeiro e único redentor da humanidade. Eis porque a Palavra de Deus deve ser o centro dos conhecimentos da vida cristã. Eis aqui a importância de se conhece-la e aprofundá-la como fonte primeira dos estudos que preenchem nossa sabedoria, nossa sede primeira de intelectualidade e ciências humanas. Não é a religiosidade que garante nossa integridade, mas é a constante relação com os mistérios que rondam nossa existência que nos revela a grata proteção e predileção de Deus por seu povo. Essa é uma experiência estritamente pessoal, uma certeza só concedida àqueles que vivem uma relação íntima, pessoal, tranquila e serena com o Mestre de nossas vidas, o Bom Pastor!
Tudo isso vem de uma relação clara e suscinta, uma prática de fé coerente, adulta, amadurecida na experiência íntima com o Cristo que vive em nós. Esse é o segredo, o nosso segredo de perseverança! Quem vive essa experiência entra pela porta certa, faz parte de uma relação de amor só possível de ser sentida e vivenciada na imersão dos mistérios que nos foram revelados. “Eu sou a porta: se alguém entrar por mim, será salvo: tanto entrará como sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9). Eis tudo! Essa certeza vale mais que qualquer outra ilusão humana, qualquer entorpecente ou droga, qualquer falsa promessa de segurança e libertação oferecida pelos ladrões e salteadores da nossa espiritualidade, da segurança advinda do rebanho cristão, das promessas de “vida em abundância” que só Cristo oferece ao mundo! Eis porque sou cristão. Eis porque torço para que todos os que amo e quero bem também o sejam, que você que foi capaz de me ler até aqui também o seja, também viva essa experiência de predileção e proteção divinas. Só quem conhece, ama! Só quem ama, vive! Quem não vive, vegeta!