COM A LUZ DA PALAVRA

                ‘’Diante do tema escolhido para a Campanha da Fraternidade de 2023, a Igreja do Brasil também se coloca a serviço do Evangelho” (114). Não é um tema político e oportunista como já ouvi por aí, como se o catolicismo brasileiro estive usando o momento histórico de uma transição de poderes para colocar lenha na fogueira (disse-me um interlocutor). Ao contrário, “é uma expressão de coragem deixar que o Evangelho nos interpele uma vez mais com o mandato tão claro e desafiador de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). Não é fácil ouvir o chamado à responsabilidade” (113).

                Não vamos fazer vista grossa a um problema que nos diz respeito. A fome está aí e só não a sente quem tem o estômago saciado e a mesa farta. O que a Igreja faz, em sua missão profética, é apenas iluminar a realidade, mostrando a ferida aberta, a chaga que uma sociedade não solidária só faz crescer. “A retenção egoísta por parte de poucos leva ao perecimento, assim como no deserto: não o perecimento do alimento, mas daqueles que não o têm” (117). Alimento retido egoisticamente apodrece junto com aqueles que o retem. Nenhum proveito terá. Oferecer alimento é, portanto, gesto de acolhimento à pessoa de Cristo. “Não se pode deixar de perceber que o próprio Jesus utiliza da imagem do pão para referir-se ao significado da própria pessoa” (121).

                A dinâmica do acolhimento e da solidariedade é própria do cristianismo autêntico. Ser cristão é isso. “Ele se esvazia do próprio sofrimento para dar lugar, em seu próprio coração, ao sofrimento do outro” (128). O acolhimento é marca registrada do cristianismo amadurecido. “As multidões se sentam na relva e comem com fartura, porque se sentem protegidas e amparadas, encontram em Jesus o lugar onde podem depositar aquilo que trazem sobre os ombros: não bolsas e alforjes, mas as preocupações e o peso da luta diária, que mais tarde o próprio Jesus carregará sobre os próprios ombros no pesado madeiro da cruz” (129). Querem maiores razões para a razão de ser da Igreja no mundo? Para exercitar aquilo que os identifica na caminhada da fé; agir como Jesus agiu? “Mas quem age com passividade diante da fome constatada une sua voz à de Caim” (134).

                O que não se pode admitir num contexto de igreja é a divisão por questões teológicas e ou políticas. Vergonhosamente, há muitos padres e paróquias, como igualmente muitos fiéis, contrários à atual campanha. Nada se constrói com espíritos divergentes. Buscamos, por primeiro a unidade, para nela encontrarmos o bem comum, o espírito de fraternidade que desde sempre nos identificou como povo eleito. Construir caminhos opostos é voltar para a peregrinação do deserto, onde padecemos a incerteza de se alcançar a terra prometida, as graças da vida plena. “A questão é: estamos dispostos a progredir nesse deserto, alcançando um primeiro estágio de percepção das necessidades do outro, mas também nos dispondo ao segundo estágio, que é assumir nossa responsabilidade sobre as necessidades do outro?” (138). Não há aqui nenhuma questão política, mas genuinamente solidária, fraterna.

                Aos que divergem dessa linha de raciocínio, meus sentimentos. Fugir da realidade por questões meramente transitórias, que se contrapõem ao testemunho da vida cristã, que expõem diferenças e divergências dentro de uma comunidade outrora sinônimo de fraternidade, de unidade, ora, ora… isso apenas nos envergonha. “Com frequência, os profetas manifestaram sua indignação diante da injustiça. Jesus também o fez, especialmente quando essas estruturas se aliaram ao Templo, para oprimir as pessoas sob a máscara de uma observância religiosa vazia” (141). Então? Você faz parte dessa religiosidade sem ação?

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