CLAMAR E ACLAMAR

                Eis que a aclamação triunfal do passado é hoje um clamor retumbante para que se repita aquela passagem bíblica: Hosana nas alturas, vêm Senhor salvar o seu povo! Aos olhos da fé, muitos reconhecem o Cristo que passa estendendo-lhe seus mantos rotos e manchados pela dor de muitas perdas, pelas marcas de muitas lágrimas, provações e privações de uma vida sem outra meta do que sobreviver, vencer uma pandemia angustiante. Os ramos da aclamação são outros, no aceno de mãos untadas pelo gel da purificação que buscamos. Só não lhe estendemos um tapete vermelho porque sua cor nos lembra o sangue humano a tingir os umbrais das casas de muitos, onde o sacrifício e a morte se fazem presentes. Então, estendemos-lhe nossas vestes mortuárias: Vêm, Senhor Jesus!

                Santa e significativa semana! Ao povo cristão é-lhe dada uma oportunidade de vivenciar e aprofundar sua fé numa prática sincronizada com seu calendário litúrgico. Passo a passo, dia a dia, o mundo se volta com mais sensibilidade para as coisas do alto, os mistérios da fé, a realidade do espirito. Uma oportunidade assaz preciosa para provar ao mundo e a si mesmo a verdade que nos reveste e fortalece nossa esperança no amor e na misericórdia de Deus. Um momento de clamor e glória, onde nos é oferecido o protagonismo da evangelização com a vida, o testemunho pessoal, a serenidade do conforto e da esperança que deve nutrir nossas almas diante das provações. Sem esta fé nada somos. Sem a certeza do poder e do consolo vindos dos céus, caem por terra as máscaras das quais hoje fazemos uso. Não aquelas sanitárias que ilusoriamente pensamos nos proteger, mas as máscaras de nossa falsa religiosidade, nosso torpe farisaísmo de fé e devoção.

                Ou oito ou oitenta, ou tudo ou nada! Se a entrada triunfal de Cristo em nossas vidas tem real significado, se o reconhecimento que lhe fazemos publicamente, a ponto de aclamá-lo como Senhor e Rei, se a Jerusalém Celeste é para nós uma realidade bem maior do que aquela representada por suas pedras e ruinas dum passado glorioso, então estamos aptos a adentrar a realidade de cruz e sofrimento que temos pela frente. “Oh cruz, tu nos salvarás! Oh cruz, tu reinarás”, cantamos ao longo dessa semana, ao longo das nossas vidas. Não podemos perder o foco desse clamor, em especial quando está em jogo nossa integridade espiritual. A realidade física também nos pertence e dela não podemos prescindir sem um esforço de sobrevivência. Não é essa a abnegação que a fé nos pede. Não é esse o bom combate ensinado pelo apóstolo. Lutar até o fim é dever e direito de qualquer cristão.

                Ora, se Cristo se entregou livremente, foi por causa justa e única. Só Ele tem a chave da vida plena, livre das mazelas biológicas e da podridão moral ou espiritual que sempre corrompeu a vida humana. Ele é o Senhor da Vida! Por isso sua morte nunca lhe foi atribuída como fato isolado numa história trágica, mas vitoriosa. Morte e Ressurreição! Momentânea, passageira! Nunca lhe atribuímos a derrota da cruz, mas a vitória sobre ela. As dores e sofrimentos que a humanidade lhe infringiu foram dores e sofrimentos passageiros, momentâneos. Uma lição de vida. Uma certeza a mais para seus seguidores em momentos de dor e privação – como os de agora – onde a aflição e a fragilidade humana saltam aos nossos olhos e nos dão a certeza de que nada somos fisicamente falando, mas por demais grandiosos em nossa dimensão espiritual. Nem por isso vamos cruzar nossos braços e esperar a morte chegar. Porque se Cristo venceu a cruz, nós também venceremos.

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