Cartas do Padre Jesus Priante – A Plenitude do Mistério da Encarnação

BATISMO DO SENHOR

Neste domingo encerramos o Tempo do Natal, no qual celebramos o Mistério dos Mistérios: a Encarnação de Deus no ser humano e, por extensão, em toda a criação. Até Cristo, Deus e Mundo eram duas realidades separadas. Foi assim que a filosofia grega as contemplou. Deste dualismo ôntico foi herdeira a
cultura ocidental. Miquel Ângelo a estampou no seu famoso quadro da Criação, representando a saída e separação de Adão da mão de Deus. Cristo, nossa Paz, veio unir essas mãos e reconciliar o mundo com seu criador. Em Cristo, nós e o universo, incluindo o mundo dos anjos, entramos em comunhão com Deus. Nisso consiste a grandeza do Mistério da Encarnação. Mistério dos Mistérios,que celebramos no Tempo do
Natal.

Contrariando a São Paulo, que fundamenta a fé na ressurreição de Cristo, pensamos, com os cristãos da Igreja Oriental, que o fundamento de nossa fé e esperança de salvação radica no fato de Deus ter-se feito homem. De nada nos serviria vencer o pecado e a morte pela ressurreição de Cristo se não formos divinizados. No Reino dos Céus seríamos apenas honrados e felizardos hóspedes, mas não plenamente felizes, pois continuaríamos na nossa condição de criaturas sem acabar de preencher o vazio de nosso ser e nossa vida. Por isso, em hebraico, o termo “allem” ou “allam” para expressar a outra vida, tem o sentido de infinito e, ao mesmo tempo, eterno. Dimensão ôntica que só teremos se formos realmente filhos consanguíneos de Deus, divinizados pela Encarnação dele na pessoa de Jesus Cristo.
A Encarnação de Deus, revelada é celebrada no Tempo do Natal, acontece no ser humano e em toda a criação sob diferentes aspectos ou dimensões. Na pessoa concreta de Jesus, fruto do ventre materno de uma mulher da nossa espécie e, assim, ser verdadeiro homem igual a nós, mas, por ser Deus, é também fruto do esperma, eterno e infinito do Espírito Santo a fecundar o óvulo finito e cíclico de Maria, realizando-se a comunhão de Deus com o ser humano e, também, com sua Criação.

A Encarnação divina abrange uma dimensão humana maior. Ela acontece não só no seio de Maria, mas dentro do ser humano pleno: homem e mulher, no núcleo familiar do casal José e Maria. De fato, como se nos revela em Gn. 1, Deus criou o homem,”e o criou homem e mulher”. Um não pode ser humano sem o outro. Somos antropologicamente andróginos. Nada mais absurdo e anti
-humano do que a tão propalada “ideologia de gênero”, instrumentalizada por alguns partidos políticos.

A celebração da Sagrada Família após o dia de Natal, visa nos revelar a Encarnação de Deus na espécie humana. Deus se faz homem e mulher, homem pleno. Oito dias depois do seu nascimento, segundo a narrativa evangélica, foi circuncidado, rito cultural pelo qual todo judeu era inserido no seu povo.

A cultura é nossa segunda natureza. Todos nascemos duas vezes: biologicamente e culturalmente, Deus se encarnou na cultura judaica, por isso dirá à Samaritana: “a salvação vem dos judeus” (Jo.4). Todas as culturas, entretanto, estão interconectadas. Por isso, Jesus, além de ser culturalmente judeu, é tambem chinês, russo, brasileiro e cidadãos em todos os povos.

Sao Justino (séc. II) fala, nesse sentido, das “sementes do Verbo” presentes em todas as culturas. O Concílio Vaticano II reafirma essa tese dizendo: “Tudo o que é humano tem relação e comunhão com Cristo”. (Gs.1) Deus se fez homem, homem e mulher, judeu e habitante de todos os povos. A Ele corresponde com toda propriedade o título de cosmopolita, habitante do universo, nascendo em neste nosso planeta azul, sede da vida e epicentro da criação.

Geocentrismo

Ptolomeu estava certo. A Terra é o centro do universo, pois nela Deus se encarnou para divinizar toda a criação. O gigante telescópio James Webb, lançado esses dias pela NASA, servirá, mais do que para ver as galáxias, para elas nos fazer ver que este nosso único mundo que habitamos repousa sobre Cristo, a estrela de Belém da qual todas as estrelas recebem seu fulgor. Ele é o verdadeiro “Big-Bang” da nova criação, não mais sujeita à caducidade e ao mal.
Encarna os espaços e também os tempos. Por isso nasce dentro da história, no devir dos tempos, que o expressamos quando dizemos “Se fez carne e habitou entre nós”.

Um dos momentos mais eloquentes da liturgia da Noite de Natal é quando, no seu início, proclamam-se as Calendas, um breve histórico do tempo no qual Jesus nasceu, “Quando Quirino era governador da Síria”. Porque se encarnou na História ou “se fez carne”, Ele não é mito ou lenda. Cristo é a personagem do planeta que goza de maior número de fontes a provar sua historicidade, assim como aquele que mais páginas ocupa na literatura universal. É mais difícil negar com rigor científico sua realidade histórica do que afirma-la. Está inserido no passado, presente e futuro como homem e, ao mesmo tempo, como Deus, nos introduz na eternidade. Com Ele o tempo não caduca, se faz eterno. Era o que expressavamos no Intróito da Missa antes do Concílio Vaticano II: “Entrarei no altar do Senhor, do Deus da minha eterna juventude”.

Deus encarnou-se em nossas lutas e trabalhos, por isso, até seus 30 anos, viveu em Nazaré, ganhando o pão de cada dia com seu trabalho. A tradição nos legou que foi carpinteiro, mas as narrativas evangélicas sugerem um contato familiar com o campo, o que significaria que poderia ter sido com José, seu pai, camponês, meeiro. Outros acreditam ter Ele trabalhado na construção do anfiteatro romano de Séfora (sic), poucos quilômetros de Nazaré, por isso usa frequentemente o termo grego “hipócrita” contra os fariseus, relacionado com os artistas, que representam o que de fato não são. De qualquer maneira, incorporou o trabalho na sua vida, não como escravidão ou castigo, senão como atividade humana e divina.

Não menos sublime é sua encarnação nas crianças, nos mais pobres e necessitados. Nasce criança e pobre em Belém, num presépio e são os pastores, iletrados e sem preconceitos, suas primeiras testemunhas. O papa Francisco na sua homilia de Natal disse: “Jesus entrou neste nosso mundo pela porta da pequenez.” E nesse mundo dos mais pobres e humildes, a começar pelas crianças, é que o podemos ver encarnado, como se nos revela em Mt.24.

Hoje, penso serem as casas das irmãs de Teresa de Calcutá o berço mais vivo do Natal de Jesus. Verdadeiras “casas do pão “, ou autentico Belém. Em São Paulo temos uma dessas casas onde ver Jesus.

Finalmente, Deus se encarnou na nossa dor, morte e pecado (Is.53). Uma das teses da teologia é: “O que Cristo não assumiu, não O salvou”. Somos salvos por um processo divino de osmose. Não fomos externamente redimidos senão interiormente assumidos e divinizados.

O Batismo do Senhor que celebramos neste domingo só tem sentido dentro do Mistério da Encarnação. Cristo não foi batizado para nos dar exemplo nem sequer para iniciar sua missão profética na trilha de João Batista, nem menos ainda para ser purificado dos seus pecados. Da mesma maneira que não é evangélico afirmar com Santo Anselmo (séc. XI) que Cristo se fez homem para “pagar” ou satisfazer a justiça de Deus com sua paixão e morte a dívida de nossos pecados,mas para tornar-nos seus filhos. Pena que o maravilhoso São Irineu (séc. II), arauto do mistério da Encarnação, recentemente declarado pelo Papa Francisco Doutor da Igreja, enquanto Santo Anselmo ainda não o foi, não tenha inspirado nossa Fé cristã. Nos teria poupado medos e angústias na nossa relação com Deus, assim como Cristo seria mais glorioso e necessário e amado por cada um de nós.

Encerramos o Tempo do Natal (Encarnação de Deus) com o Batismo do Senhor como o melhor colofão deste Mistério. Cristo foi batizado, “mergulhado” nas águas das nossas dores, pecados e mortes para sermos glorificados. Expressamos essa realidade com maior ênfase quando confessamos: “Creio que desceu aos infernos” para elevar-nos ao Céu.

Em Cristo, todos fomos batizados, sepultados com Ele, para com Ele ressuscitar.” (Rm.6) Isso explicaria a razão pela qual não constar nos evangelhos de haver Cristo batizado seus discípulos ou alguma outra pessoa, como fez João Batista. Se Ele ordenou :”Ide ao mundo pregar a boa nova da salvação, batizando a todos os povos”, seu sentido sacramental consiste em tornar presente em nós o Batismo de Jesus, da mesma maneira que em toda Eucaristia fazemos presente, de maneira real, a morte e a ressurreição de Cristo, como se fosse pela primeira vez, enquanto esperamos sua volta. Não somos nós os batizados, mas Cristo que se batiza, termo grego que significa mergulhar (baptizein).

Dimensões e Significados do Batismo

Para São Paulo o batismo tem sentido pascal, passo da morte para a vida em Cristo. Em São João, significa novo nascimento, como filhos de Deus (Jo.3). Nas primeiras gerações cristãs, o Batismo era chamado “selo”, marca indelével pela qual éramos consignados propriedade de Cristo, nosso único Senhor, à maneira como em muitas fazendas marcam com ferro incandescente seu gado. Na teologia dizemos que o Batismo “imprime caráter” indelével. Depois de Deus ter-se feito homem, não podemos mais não ser de Cristo e, em Cristo, de Deus. “Ele nos criou e a Ele pertencemos” (Sl.95). Pelo rito do Batismo externamos e celebramos essa maravilha que o Batismo de Cristo realizou em favor de todos. Sem a celebração deste Sacramento privariamos o mundo e a nós mesmos deste sublime Mistério da Salvação. O Batismo também tinha nas primeiras gerações cristãs o sentido de “coroa” da glória de Deus em nós, e também de Luz, por isso recebemos uma vela acesa no Círio Pascal , símbolo de Cristo. Os batizados eram chamados “iluminados”, os que enxergam o sentido da vida e do mundo no qual vivemos. A poeira do tempo tem sepultado seu sentido salvífico e divino para lhe dar outros menos evangélicos. Santo Agostinho atribuiu ao Batismo o efeito de lavar o pecado original, na mesma linha das abluções da tradição judaica e de outros povos. O Batismo no rio Jordão, João Batista realizava, entretanto, tinha um sentido diferente. Ele tinha uma dimensão escatológica. Acreditava que o Juízo Final de Deus era iminente e, não havendo tempo para a devida conversão, era preciso purificar-se dos pecados. Mas também esse Batismo “pela água” purificadora deixava nossa pele igualmente exposta à contaminação do pecado, como acontece em nós se entendermos o Batismo como mera purificação do pecado. João Batista percebeu essa deficiência, por isso, inspirado por Deus, apresenta a Jesus no Jordão como aquele que batiza, não pela água mas no Espírito Santo, Aquele que nos mergulha na vida de Deus. O Batismo foi também desvirtuado ao ser interpretado como
uma filiação ou entrada na Igreja e não propriamente como incorporação em Cristo, ao ponto de se dizer: “fora da Igreja não há salvaçao”. Por tanto, aquele que não se filia à Igreja pelo Batismo não será salvo, nem sequer as coitadinhas das crianças que não tiveram tempo para serem batizadas, a elas lhes era reservado o Limbo, privadas de ver a Deus.

Jesus Cristo, Maior que o Mundo

Até o Concílio Vaticano II nos acompanhou essa anti-evangélica mentalidade batismal. Sua grande e necessária revelação foi: “A Igreja não substitui a Cristo”. Ele é maior que a Igreja e o mundo. Cabe à Igreja apenas a função de ser “sinal e instrumento da salvação de Cristo”. Nossa fé cristã, entretanto, é eclesial porque Cristo prometeu estar conosco toda vez que nos reunimos em seu nome (Mt.18) e também porque nos salvamos unidos a Cristo com toda a humanidade. O Batismo também foi escurecido quando foi parcelado pelo chamado sacramento da Confirmação ou Crisma e, ambos, separados da Eucaristia no século IV, perdendo seu verdadeiro sentido de união a Cristo e, com isso, pondo em dúvida a eficácia salvadora do Batismo no Espírito Santo. A Igreja Católica Ortodoxa não aderiu a esta prática. Hoje, nesta Igreja, até uma criança recém-nascida, é batizada, confirmada e faz sua comunhão eucaristica no mesmo dia. A Igreja Católica Romana restabeleceu esta unidade sacramental no ano 1972 para o batismo dos adultos. Na História, quando se tomam rumos errados, perde-se o sentido das coisas e dos fatos. Custa mais desandar o passado do que prosseguir no caminho.

“EIS MEU SERVO AMADO… NELE COLOQUEI MEU ESPÍRITO E NÃO DESCANSARÁ ATÉ TER IMPLANTADO NA TERRA MINHA JUSTIÇA.” (Is.42,1-7)

Dentro do Mistério da Encarnação que celebramos no Tempo de Natal, seria mais apropriado e significativo para este domingo do Batismo do Senhor, o texto de Is.53, no qual se nos revela que o Messias ou Cristo salvador tomou sobre si nossas dores, pecados e mortes. Encarnou nossas misérias para sermos nele glorificados. Ele “desceu aos infernos”, realidade suprema do mal, para sermos salvos, revestidos da sua divindade. Com o Espírito e poder de Deus, Cristo não descansará ate implantar a justiça e salvação na terra, epicentro da criação, a ser estendida a todo o universo. Essa proeza salvífica de Cristo, nos diz o texto acima da profecia de Isaías, será feita sem “levantar sua voz, nem quebrar a cana rachada ou apagar a mecha que ainda fumega”. Com a paradoxal força de um cordeiro a renunciar à Sua própria vida, vencerá o pecado e a morte do mundo. Por isso, Ele disse aos seus discípulos, posteriormente ao seu Batismo no Jordão: “Tenho de receber um outro Batismo, e sinto angústia até que seja cumprido” (Lc.12,50). Referia-se à Sua morte de cruz na qual Deus encarnou nossas dores, mortes e pecados. Mergulhando nessas águas amargas, todos fomos batizados, sepultados na sua morte para nele ressuscitarmos.

O Papa Leão Magno (séc.V) chamava o Batismo de “parto doloroso”. Em Belém Deus nasceu criança e na cruz homem pleno. Esse Batismo será consumado quando a humanidade toda e a criação forem em Cristo divinizadas.

“DEUS ENVIOU SUA PALAVRA AOS FILHOS DE ISRAEL, ANUNCIANDO-LHES A BOA NOVA DA SALVAÇÃO EM CRISTO, QUE É O SENHOR DEUS DE TODOS.” (At.10,34-38)

Estas palavras foram proferidas pelo apóstolo Pedro na casa do centurião romano Cornélio, não pertencente ao povo de Israel que, até Cristo, tinha-se apropriado da benção salvífica de Deus, como herdeiros da fé de Abraão. “Verifico, disse Pedro, que Deus não faz acepção de pessoas”. De fato, a salvação é destinada a todos: bons e maus, mesmo aos que o mal diabo) retinha no inferno. A razão que Pedro dá é: “porque Deus estava com Cristo, que é Senhor e Deus de todos”. Na lógica do mistério da Encarnação, Cristo nos salva porque é Deus em nós e nós Nele. Nos primórdios do cristianismo, o Batismo era conferido a quem, após ter sido evangelizado, confessava que Cristo era de fato Deus. Mergulhando numa pequena piscina, o batizando, sentia-se unido a Cristo na sua morte e ressurreição. Saindo das águas, de joelhos, recebia o Espírito Santo através do gesto da imposição das mãos do apóstolo e da comunidade cristã ali presente. Gesto sacramental tão significativo que deveríamos incorporar no nosso rito batismal. Posteriormente acrescentou-se a unção com óleo para significar que, pelo Batismo no Espírito , o batizado tornava-se outro “ungido” ou Cristo. Daí o nome de cristão, que significa outro e o mesmo Cristo, esperança messiânica da salvação do mundo. São Gregório de Nisa (séc. IV) interpreta o Batismo como um retorno ao Paraíso: “Fomos expulsos pelo pecado de Adão e agora, em Cristo, Deus volta a nos chamar, despojados da míseras vestes de folhas de figueira, e somos revestidos da túnica gloriosa da sua divindade”. Esta interpretação batismal persiste no rito do Batismo, no qual o neófito recebe a “veste branca”, fazendo alusão a Transfiguração de Cristo e a Sua Ressurreição.Será assim que todos despertaremos na eternidade, revestidos da mesma glória de Cristo. Deixaremos a mortalha do pecado e a morte no cemitério e entraremos radiantes de luz no Reino dos Céus.

“E TENDO SIDO BATIZADO JESUS POR JOÃO BATISTA, O CÉU SE ABRIU E O ESPÍRITO SANTO DESCEU SOBRE ELE EM FORMA DE POMBA. E DO CÉU VEIO UMA VOZ:”TU ÉS MEU FILHO AMADO. EU, HOJE, TE GEREI” (Lc. 3,15-22)

O Mistério da Encarnação atingiu seu ponto culminante. Deus, em Cristo, assumiu nossas dores, pecados e mortes nas águas do Jordão para nascermos com Ele divinizados, conforme nos revelam as palavras vindas do céu: “Tu és meu filho amado. Eu, hoje te gerei”. O Unigênito (não nascido ) Filho Eterno do Pai,nascia em nós e
nós Nele por obra e graça do Espírito Santo. Uma das mais sublimes definições que eu tenho conhecido a recebí do papa Francisco: “Deus é Aquele que se dá”. Não Aquele que dá coisas ou graças mas dá a Si mesmo. Deus é Espírito Santo , “Senhor (Deus) que dá a vida”, como confessamos no Credo.

A Pomba, o Espírito Santo

Certo dia em que os discípulos pediram a Jesus que lhe ensinasse a rezar, lhes disse que deveriam pedir a Deus. com perseverança, todas as coisas, esperando Dele sempre a vida. E lhes garantiu que a recebem, pois, “se vós, sendo maus, damos coisas boas aos nossos filhos, com maior razão vosso Pai do céu vos dará o Espírito Santo. “(Lc.11,13) que é a mesma vida de Deus. A pomba que aparece no Jordão a tornar visível a vinda do Espírito Santo sobre Jesus e, Nele, a nos e a toda a criação, faz referência aos primórdios, em Gn.1.: “O Espírito de Deus pairava sobre as águas dando forma a todas as coisas”. Pelo Espírito, Deus comunicava Seu ser e vida ao mundo por Ele criado.

Essa simbólica pomba, criadora e vivificante, aparece também na Arca de Noé, quando as águas do dilúvio do pecado sepultavam a vida (Gn.8). Se diz que saiu da Arca três vezes. Na terceira não mais retornou, pairando de novo sobre a criação a recriar todas as coisas. No entanto, a força do pecado e a morte continuariam presentes na história, ameaçando a ruína da criação. Por isso, o rei Davi, após ter pecado, pede a Deus: “Não retires de mim o teu Espírito… pois sem Ele tudo retorna ao pó. ” (Sl 50) O Espírito de Deus criador e vivificante, não mais “paira” sobre o mundo criado, mas o invade e diviniza pela Encarnação do Filho de Deus. No seu Batismo, nos gera , em Cristo, também a nós filhos na unidade do mesmo Deus.

O Mistério da Encarnação, Mistério dos Mistérios, celebrado no Tempo de Natal, torna certa e segura nossa salvação pois, não só Deus se faz homem, mas o homem se faz Deus. Por isso, sobre esse acontecimento é que devemos fundamentar a esperança salvífica de nossa fé. A ressurreição de Cristo cumpre a finalidade de certificar que, de fato, Jesus de Nazaré é Deus, que não veio fazer turismo no mundo, mas realizar sua salvação. Realidade meta-histórica, além do espaço e do tempo, mas dentro da própria História (sucessão de fatos) embora a vivamos na ponte da esperança, inquebrantável, certa e segura, que é o próprio Cristo Jesus.

“Já, mas ainda não” de Culmann, é a melhor leitura da História da salvação,e que podemos ler à luz do Mistério da Encarnação. Temos de tomar consciência de nossa pequenez e precariedade, mas também de nossa grandeza em Cristo. Boris Pasternak, autor do Dr. Jivago, dizia: “Se não soubermos como catalogar um homem, escapando a toda definição, é porque esse homem está vivo. Só os que temem pela sua precariedade e insignificância humana precisam de etiquetas e títulos. “De fato, os títulos e troféus deste mundo apenas escondem nossa miséria e nosso nada.

Somos Filhos de Deus

Nosso único e grandioso título que nos faz gloriosos e imortais o recebemos com Cristo no Batismo: “Filhos de Deus”. O Batismo teria de ser celebrado a cada ano como aniversário da verdadeira vida que, em Cristo, já temos e ao mesmo tempo esperamos.

Padre Jesus Priante
Espanha
(Edição e intertítulos por Malcolm Forest. São Paulo.)
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