CARTA SOBRE O CUIDADO DAS PESSOAS NAS FASES CRÍTICAS E TERMINAIS DA VIDA PARTE DA IMAGEM DO BOM SAMARITANO

A Congregação para a Doutrina da Fé divulgou, na terça-feira, 22 de setembro, a carta Samaritanus Bonus – sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida. O texto parte da imagem do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 30-37) e apresenta reflexões e aprofundamentos sobre os temas do acompanhamento e cuidado dos enfermos do ponto de vista teológico, antropológico e médico-hospitalar. Segundo o prefeito da Congregação, cardeal Luís Ladaria Ferrer, a carta aborda tais temáticas “focalizando também algumas questões éticas relevantes, implicadas na proporcionalidade das terapias e no que diz respeito à objeção de consciência e acompanhamento pastoral dos doentes terminais”.

Recordando o ensinamento da Igreja sobre a temática do fim da vida, contido em documentos do magistério, como a encíclica Evangelium vitae, de São João Paulo II; a Declaração Iura et bona da Congregação para a Doutrina da Fé e a Nova Carta dos Profissionais de Saúde, do então Pontifício Conselho para os Trabalhadores da Saúde, bem como em discursos e intervenções dos últimos Papas, o cardeal ponderou que “um novo pronunciamento orgânico da Santa Sé sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida parecia adequado e necessário em relação à situação atual, caracterizada por um contexto legislativo civil internacional cada vez mais permissivo em relação à eutanásia, suicídio assistido e disposições sobre o fim da vida”.

E é na perspectiva do cuidado da vida em todas as suas fases que o documento se insere, como destacou o cardeal sobre a primeira parte da carta:

“O cuidado da vida é pois a primeira responsabilidade que o médico experimenta no encontro com o doente. Ela não é redutível à capacidade de curar o doente, sendo o seu horizonte antropológico e moral mais amplo: também quando a cura é impossível ou improvável, o acompanhamento do médico/enfermeiro (cuidado das funções fisiológicas essenciais do corpo), como também psicológico e espiritual, é um dever imprescindível, já que o oposto constituiria um desumano abandono do doente. A medicina, com efeito, que se serve de muitas ciências, possui também uma importante dimensão de “arte terapêutica” que implica uma relação estreita entre paciente, profissionais da saúde, familiares e membros das várias comunidades de pertença do doente: arte terapêuticaatos clínicos e cuidado são incindivelmente unidos na prática médica, sobretudo nas fases críticas e terminais da vida”. (Samaritanus Bonus)

O documento fala que reconhecer a impossibilidade de curar, na perspectiva próxima da morte, não significa o fim do agir médico e dos enfermeiros. “Exercitar a responsabilidade para com a pessoa doente significa assegurar-lhe o cuidado até o fim: «curar se possível, cuidar sempre (to cure if possible, always to care)». Esta intenção de cuidar sempre do doente oferece o critério para avaliar as diversas ações a se empreender na situação de doença “’incurável’: incurável, com efeito, não é jamais sinônimo de ‘incuidável’”.

Segundo dom Giacomo Morandi, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, é próprio da comunidade cristã, da Igreja na sua própria natureza, “acompanhar com misericórdia os mais fracos no seu caminho de dor, manter neles a vida teológica e encaminhá-los para a salvação de Deus”. O secretário destacou que a Igreja não cessa de afirmar “o sentido positivo da vida humana como valor já perceptível pela justa razão, que a luz da fé confirma e valoriza na sua dignidade inalienável” e que “o Magistério da Igreja tem em mente e deseja reafirmar com clareza o bem integral da pessoa humana”.

Em documento oferecido como chave de leitura para o documento, o padre Rafael Solano, da arquidiocese de Londrina, que é mestre e doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, comenta que é próprio da identidade da Igreja acompanhar os mais fracos, os frágeis e aqueles que no meio do caminho se encontram feridos e doentes. “É a igreja do Bom Samaritano; que considera o serviço aos doentes como parte INTEGRANTE  da sua missão”. Para Solano, a atitude do Bom Samaritano “ajuda-nos a compreender que devemos ‘ver’; muitos observam, mas nem todos enxergam. Ter compaixão leva a cada um de nós a agir como Deus age, com dedicação e oportuna atitude de reconhecimento”. Confira o documento na íntegra.  

A estrutura da carta

A Carta Samaritanus Bonus está dividida em cinco capítulos. O primeiro, Cuidar do Próximo, aborda o reconhecimento do profundo valor da vida humana e seu cuidado, mesmo diante da fraqueza e da fragilidade. No segundo capítulo, A experiência viva do Cristo Sofredor – o anúncio da esperança, soma-se à figura do Bom Samaritano, a imagem de Cristo Sofredor: na sua agonia na Cruz e na sua ressurreição manifestam-se “a proximidade do Deus feito homem às múltiplas formas da angústia e da dor, que podem atingir os doentes e os seus familiares, durante os longos dias da doença e no final da vida”.

Na sequência, O “coração que vê” do Samaritano: a vida humana é um dom sagrado e inviolável, trecho que destaca que o homem, em qualquer condição física ou psíquica em que se encontre, mantém a sua dignidade originária de ser criado à imagem de Deus. O quarto capítulo trata dos Os obstáculos culturais que obscurecem o valor sagrado de cada vida humana, fatores da atualidade que limitam a capacidade de colher o valor profundo e intrínseco de cada vida humana, como um uso equivocado do conceito de “morte digna”, uma compreensão errônea do conceito de “compaixão”, o individualismo crescente e uma concepção utilitarista geral da existência.

No último capítulo, são apresentadas orientações à luz do Ensinamento do Magistério para várias situações:

1. A proibição da eutanásia e do suicídio assistido
2. A obrigação moral de excluir a obstinação terapêutica
3. Os cuidados básicos: o dever de alimentação e hidratação
4. Os cuidados paliativos
5. O papel da família e das casas de acolhida (hospice)
6. O acompanhamento e o cuidado em idade pré-natal e pediátrica
7. Terapias analgésicas e supressão da consciência
8. O estado vegetativo e o estado de consciência mínima
9. A objeção de consciência por parte dos profissionais da saúde e das instituições sanitárias católicas
10. O acompanhamento pastoral e o apoio dos sacramentos
11. O discernimento pastoral para quem pede eutanásia ou suicídio assistido
12. A reforma do sistema educativo e da formação dos profissionais da saúde

Confira a íntegra da carta.

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