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A perfeita humanidade de Jesus Cristo, “o mais belo entre os filhos do homem”: sobre isso se focalizou o “primeiríssimo plano” da segunda pregação da Quaresma do frade capuchinho, pregador da Casa Pontifícia, cardeal Raniero Cantalasmessa, feita na manhã desta sexta-feira (05/03) na Sala Paulo VI, no Vaticano, aos membros da Cúria Romana.
O purpurado destacou que hoje a Igreja é ameaçada por um perigo mortal, o de viver “etsi Christus non daretur”, ou seja, viver como se Cristo não existisse, uma máxima típica do pensamento moderno, iluminista. E é este, explicou, o “pressuposto com o qual o mundo e seus meios de comunicação falam todo o tempo da Igreja”.
A realidade é que da Igreja interessam história, organização, o ponto de vista sobre os problemas do momento, os fatos e as fofocas, mas “raramente se encontra mencionada a pessoa de Jesus”, que não entra nem no diálogo entre fé e filosofia, nem entre fé e ciência, nem no diálogo inter-religioso. Eis que, portanto, se preanuncia um risco importante:
Na preocupação – além do mais, justíssima – de responder às exigências e provocações da história e da cultura, nós corremos o perigo mortal de nos comportarmos, também nós, fiéis, “etsi Christus non daretur”. Como se fosse possível falar da Igreja prescindindo de Cristo e do seu Evangelho.
Cantalamessa retomou as palavras pronunciadas pelo Papa na audiência geral de 25 de novembro passado, na qual Francisco citou as quatro coordenadas da vida eclesial: escuta do ensinamento dos apóstolos, salvaguarda da comunhão recíproca, fração do pão, e a oração. Elas lembram-nos que a existência da Igreja tem sentido, se permanecer firmemente unida a Cristo. Daí, a escolha do pregador de “dedicar as meditações quaresmais à pessoa de Jesus Cristo”:
Qual é, então, a utilidade de escolher este tema? É que aqui se falará somente dele, como se existisse só ele, e valesse a pena se ocupar só dele (o que é, definitivamente, a verdade!).
“O nosso intuito não é apologético, mas espiritual. Em outras palavras, não falamos para convencer os outros, os não fiéis, mas para que ele se torne sempre mais realmente o Senhor da nossa vida, o nosso tudo”, este será “o modo mais eficaz de fazer evangelização.
O cardeal esclareceu que Aquele de quem ser fala é o Cristo dos Evangelhos e da Igreja:
Podemos falar de um triângulo dogmático sobre Cristo: os dois lados são a humanidade e a divindade de Cristo, e o vértice, a unidade da sua pessoa.
Tudo o que se diz de Cristo deve, assim, respeitar esse dado certo e indiscutível, isto é: que ele é Deus e homem ao mesmo tempo; melhor, na mesma pessoa.
Cristo homem perfeito
Vejamos o que significa tudo isso, aplicado ao dogma da perfeita humanidade de Cristo, que é o “primeiríssimo plano” que queremos lançar sobre Jesus nesta meditação, ressaltou.
Durante a vida terrena de Jesus, ninguém jamais pensou em pôr em dúvida a realidade da humanidade de Cristo, isto é, o fato de que ele fosse realmente um homem como os outros. Quando fala da humanidade de Jesus, o Novo Testamento se mostra interessado mais pela santidade dela, que da verdade ou realidade dela, mais do que pela sua perfeição moral do que pela sua completude ontológica, continuou o pregador.
Uma vez posto a salvo o dado dogmático e ontológico da perfeita humanidade de Cristo, hoje nós podemos voltar a valorizar este dado bíblico primário. Devemos fazê-lo também por um outro motivo. Ninguém hoje nega que Jesus tenha sido um homem, como faziam os docetistas e os outros negadores da plena humanidade de Cristo. Assiste-se, antes, a um fenômeno estranho e inquietante: a “verdadeira” humanidade de Cristo é afirmada em tácita alternativa à sua divindade, como uma espécie de contrapeso.
A santidade de Cristo
A observação dos evangelhos nos faz ver que a santidade de Jesus não é somente um princípio abstrato, ou uma dedução metafísica, mas é uma santidade real, vivida momento por momento e nas situações mais concretas da vida. As Bem-aventuranças, para dar um exemplo, não são apenas um belo programa de vida que Jesus traça para os outros; é a sua própria vida e a sua experiência que ele desvela aos discípulos, chamando-os a entrar na sua mesma esfera de santidade. As Bem-aventuranças são o autorretrato de Jesus.
Uma tal segurança, uma tal exclusão de pecado, como aquela que se nota em Jesus, indicaria sim uma humanidade excepcional, mas excepcional no orgulho, não na santidade. Uma consciência assim feita ou é em si mesma o maior pecado jamais cometido, maior do que o de Lúcifer, ou então é a pura verdade. A ressurreição de Cristo é a prova concreta de que era a pura verdade.
Santificados em Cristo Jesus
Passemos, agora, a ver o que a santidade de Cristo significa para nós. E aqui nos vem encontro imediatamente uma boa notícia. Há, de fato, uma boa notícia, um alegre anúncio, também a propósito da santidade de Cristo. Não é tanto que Jesus é o Santo de Deus, ou o fato de que também nós devemos ser santos e imaculados. Não, a alegre surpresa é que Jesus comunica, doa, presenteia-nos a sua santidade. Que a sua santidade é também a nossa. E mais: que ele mesmo é a nossa santidade.
O pregador da Casa Pontifícia concluiu ressaltando que a santidade de Jesus consistia em fazer sempre o que agradava ao Pai.
“Eu sempre faço – dizia – o que é do seu agrado” (Jo 8,29). Tentemos nos perguntar o mais frequente que pudermos, diante de toda decisão a se tomar e toda resposta a dar: “Qual é, no caso presente, a coisa que Jesus gostaria que eu fizesse?” e fazê-la sem adiar. Saber qual é a vontade de Jesus é mais fácil que saber, em abstrato, qual é “a vontade de Deus” (ainda que as duas coincidam de fato). Para conhecer a vontade de Jesus, não devemos fazer outra coisa senão recordar o que diz no Evangelho. O Espírito Santo está ali, pronto para nos recordá-lo.