Caminhos para a cultura do encontro são sinalizados no Seminário Internacional de Migrações e Refúgio

“Sou neto de um homem que nasceu na China, sua mãe viúva, não tinha condições de criá-lo, deu a um tio comerciante que vivia nas Filipinas. O menino migrou e começou uma nova vida, casou-se e teve nove filhos, a terceira é a minha mãe. Eu também carrego o DNA de migrantes em meu sangue. Estou seguro que você também”, enfatizou emocionado o cardeal Luis Antonio Tagle, de Manila, Filipinas e presidente da Cáritas Internacional, ao participar do Seminário Internacional de Migrações e Refúgio, com o tema: “Caminhos para a cultura do encontro”, entre os dias 12 a 14 de junho de 2018, em Brasília (DF).

Participaram do Seminário migrantes e refugiados que vivem no Brasil, representando cerca 50 países, agentes Cáritas, Igrejas Cristãs, denominações religiosas, agentes de pastoral, agências de cooperação e governos, num total de 200 pessoas.

Seminário Internacional de Migrações e Refúgio realizado entre os dias 12 a 14 de junho de 2018, em Brasília (DF). Crédito: Francielle Oliveira

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Sergio da Rocha participou da mesa de abertura do seminário. O secretário-geral da entidade, dom Leonardo Ulrich Steiner, participou da coletiva de imprensa e ressaltou a importância das comunidades, famílias e cristãos colocarem-se numa atitude de abertura para acolher os migrantes e refugiados que chegam ao Brasil. “Quase todos nós somos descendentes de imigrantes, quase todos nós somos descendentes daqueles que chegaram e tiveram de começar do zero, tiveram de lutar, quantos pereceram… Somos dessa descendência. Somos todos irmãos em Cristo e queremos acolher todos”, reforçou dom Leonardo que também lembrou de sua ancestralidade alemã.

Mayra Alejandra Figura de Ortiz, venezuelana que vive no Brasil desde 2014, já conseguiu o visto permanente no país.  Emocionada contou que a fé em Deus e o espírito de solidariedade a fortalecem. Mayra trabalha como voluntária na Pastoral do Migrante em Boa Vista (RR) ajudando seus compatriotas que chegam aos milhares no estado de Roraima. “A fé em Deus nos faz confiar, a ter esperança! Por isso, eu também ajudo outras pessoas, porque sei que necessitam de uma palavra de ânimo e incentivo. Às vezes precisam somente de um cafezinho, um pão, um leite”, relatou Mayra. Ela recorda que diversas vezes deu a última comida que tinha na geladeira, com a confiança que alguém ofereceria alguma coisa no dia seguinte à sua família. Mayra vibra, o filho mais velho conseguiu trabalho numa mercearia, recebe R$ 600 reais por mês, única renda fixa mensal da família. Com esse valor conseguem pagar o aluguel e sobra R$ 200 reais para as demais despesas da família. O esposo chegou há seis meses ao Brasil, ainda está desempregado.

A diversidade cultural e religiosa dos vários países representados pelos migrantes e refugiados, no Seminário, também foram tema de debate e partilhas. O cardeal Tagle destacou que é preciso crescer na inteligência cultural e inter-religiosa, assunto pouco dialogado na Igreja, segundo o cardeal. “A cultura é como uma segunda natureza. Agimos de acordo com a nossa cultura que é uma forma de a gente se expressar. Se eu não entender a cultura da outra pessoa, o mistério dela, vou começar a agir de modo suspeito, vou ter medo dela”, reforçou dom Tagle, que ainda disse que reza e espera que nas comunidades de fé as pessoas desenvolvam o interesse por estudar a aprender das diversas culturas que os migrantes trazem para assim construir pontes e não muros que promovem separação.

O presidente da Associação Comunidade de Ganeses de Criciúma (SC), Salihu Larry, partilhou que uma das maiores dificuldades que encontrou ao chegar no Brasil, foi o preconceito religioso e com as expressões culturais de seu pais, Gana, África Ocidental. “Nós somos seres humanos, cada um de nós tem direito de pertencer a religião que escolher. Eu sou islâmico, a forma de expressar e viver a minha fé não pode ser uma barreira que separa a gente. Temos de nos unir como família humana. A verdade é essa: temos de tratar uns aos outros como seres humanos”, enfatizou.

Participantes Seminário Internacional de Migrações e Refúgio. Crédito: Francielle Oliveira

No decorrer do Seminário os temas abordados para fortalecer a cultura do encontro permearam desde os direitos humanos; dialogo com organismos internacionais e governos; a questão da legislação brasileira para o migrante e refugiado; o protagonismo e empoderamento dos migrantes e refugiados; as práticas bem sucedidas de acolhida e integração no Brasil; a vulnerabilidade de crianças, adolescentes e jovens migrantes; a intolerância que gera violência e xenofobia; a crise humanitária no mundo e as práticas de solidariedade da humanidade, todas essas discussões, permeadas com diversidade cultural,  manifestou-se nas músicas, comidas, o colorido das roupas, sobretudo, nos diálogos e pontes estabelecidas a partir das convivências.

“Precisamos tratar a migração pensando aos sujeitos, não às consequências e aos medos de alguns ou as irresponsabilidades administrativas de outros. A chegada dessas pessoas mexe. Mexe porque são diferentes. Mexe porque tem outro modo de conceber a vida, de tratar os problemas, de cuidar dos valores, de tratar a família, de cultivar a amizades, de se virar na hora da prova. Essas pessoas que chegam enriquecem, não só porque trazem uma riqueza, mas porque ativam processos, obrigam a gente a perceber que outros estão em necessidades. Obrigam a gente perceber que a comunidade não é nivelamento, todo mundo igual, nas mesmas condições. Ajuda a perceber que o Brasil também tem diferenças, sobretudo sociais e raciais que são feridas abertas. Mas também outras diferenças, e tendo que nos abrir e relacionar com o migrante a gente acaba ficando aberto e tratando com mais misericórdia, mas sabedoria, mais flexibilidade mental e de coração, de recursos e de portas mais abertas com as outras pessoas que representam exclusão e forma de alteridade na comunidade. Então nesse sentido os migrantes são oportunidades. Nos tiram de nosso pedestal de nação católica nos obrigando a perceber que Deus fala com outros também, de outras formas, prescindindo da gente”, lembrou Carmem Lussi, assessora do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM).

Rede de Comunicação da Cáritas Brasileira

 

 

Fonte: CNBB

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