CACHAÇA E ORAÇÃO

                Uma irônica, mas afetuosa resposta do Papa Francisco a um padre brasileiro explodiu nas redes sociais como uma bomba de alto poder sobre a combalida opinião pública do nosso povo.

                – Santo Padre, reze pelo povo brasileiro! – pediu o padre João Paulo, de Campina Grande – PB, ao interromper a caminhada do sumo pontífice durante sua audiência do último dia 26, quarta-feira.

                – Vocês não têm salvação. É muita cachaça e pouca oração – respondeu sorrindo o santo padre, acariciando simultaneamente seu interlocutor que posteriormente disse ficar “travado” diante da resposta, “porque a gente sempre espera algo formal e curto, mas aí o Papa Francisco nos surpreende com sua espontaneidade, com seu jeito de ser afetuoso… E aí o encontro tornou-se muito agradável, muito especial”, finalizou o brasileiro.

                Acontece que, por trás de muitas ironias impera a mais contundente verdade. A ingênua brincadeira do Santo Padre é uma dessas lacônicas verdades que muitos preferem ignorar. E não é uma realidade exclusiva do povo brasileiro, pois, da mesma forma que a brincadeira mirou uma triste realidade do nosso povo, poderia ser contextualizada dentro da realidade de qualquer povo. Por exemplo: se fosse um russo, o papa poderia citar o abuso com a vodca; se um americano, o uísque; um nipônico, o saquê; um mexicano, a tequila, outros o vinho, o rum, a cerveja ou qualquer outro produto etílico sempre presente na cultura de um povo. Acontece que a cachaça é nossa! Acontece que o hábito não faz o monge e nesse aspecto estamos bem distantes da disciplina monástica, onde ao menos orar era uma de suas virtudes, em contraponto à produção dos bons vinhos e destilados associados à vida religiosa. Nem só de vinho vive o monge… Aqui a diferença!

                Ora, ora… Ora que melhora! A questão, portanto, não se resume ao consumo etílico, mas à defasagem de sintonia com o coração amoroso de Deus. Nesse aspecto, estamos realmente vivendo uma embriaguez contundente, longe dos planos de Deus para uma vida mais digna e sensata. Estamos distantes da sintonia com sua vontade e seus desígnios. Neste aspecto, a embriaguez humana não é fruto exclusivo do consumo alcoólico, mas também todas as demais formas de consumo desenfreado, descontrolado, sistematicamente exacerbado pela cachaça do consumismo e comodismo que nos envolvem. Deixamos de lado a sintonia necessária com a vontade de Deus, que só a oração pode revelar. Sem essa sintonia, a embriaguez consumista – a realidade materialista – nos destrói espiritualmente. Essa é a grande verdade que o Papa nos diz em seu timbre de voz paternal, mas extremamente cordial e amorosa. Acorde, povo de Deus. Precisamos muito mais da realidade nua e crua que a sintonia com Deus nos permite enxergar, do que as falsas ilusões que a embriaguez e as ilusões da vida nos possam oferecer. Precisamos de mais sobriedade diante das muitas provações de um mundo assaz desolador, de uma vida fugaz e passageira. A fé nos oferece outra visão de tudo o que hoje nos deixa trôpegos e inseguros! Orar nos permite enxergar com mais nitidez o melhor caminho…

                Mais oração, menos cachaça! Mais sintonia com os planos de Deus, menos ilusões diante da fatídica realidade que entorpece muitos sonhos interrompidos, impossíveis de se alcançar quando as desilusões escancaram a realidade. Chega de embriagues. É preciso dobrar nosso orgulho ferido, nosso orgulho patriótico, nossa vã sabedoria diante dos mistérios que deixamos de entender com nossa falta de fé. Dobrar nossos joelhos… “Eu digo-vos: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abri-se-vos-á” (Lc 11,9). Então é isso.

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