Bem-aventurados os misericordiosos

    A intenção de Jesus ao proclamar bem-aventurados os misericordiosos é fazer com que seus seguidores cresçam sempre mais na clemência num esforço consciente. É evidente que apenas pela graça divina este empenho leva, de fato, a um crescimento interior profícuo. Há necessidade de um contínuo combate ao egoísmo deletério. Deve-se, contudo, partir da compreensão de si mesmo, dado que não pode o cristão se entregar a um estado de aflição íntima diante de suas falhas humanas. Reconhecidas estas fraquezas e delas se penitenciando, inicia-se a caminhada para fora de si mesmo rumo à preocupação com o próximo, merecedor de compaixão, Neste caso uma atitude sensível diante da conduta dos outros ajuda, e muito, inclusive o sistema neurofisiológico que fundamenta nossa existência biológica. Deste modo, um discípulo de Jesus bem estruturado pode usufruir dos benefícios espirituais da misericórdia. É uma desgraça se entregar à morte afetiva. O sentimento de compaixão conduz às regiões da sensibilidade e, partindo das emoções, abre espaço para a expansão dos atos da caridade. Eis porque, cada um precisa ser, no sentido mais profundo, cuidadoso o seu respeito. Aqui vale o conselho socrático: “Conhece-te a ti mesmo”. Então, se entenderá melhor a determinação de Cristo: “Sede misericordiosos como o Pai celeste é misericordioso”. Verifica-se um triângulo salutar, ou seja, o ser humano misericordioso consigo mesmo imita o Pai que está nos céus e multiplica ações misericordiosas para com o próximo. Não ocorre um processo linear, mas circular de efeitos admiráveis.  Longe de se fazer vítima de suas misérias, o cristão não se martiriza perante seus erros, mas entra numa rota de revisão de vida olhos fixos no oceano infinito de bondade que é o Senhor do universo. Passa naturalmente então a olhar os outros com comiseração. Surgem, desta maneira, as obras de misericórdia temporais e espirituais.  As obras de misericórdia corporais são: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, assistir os enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. As espirituais são: dar bom conselho, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos, sofrer com paciência as fraquezas do próximo, rogar a Deus pelos vivos e defuntos. Quaatorze extraordinários degraus na ascensão rumo à perfeição cristã. Quem as pratica se vê guindado a uma transformação maravilhosa de si mesmo e dos outros com quem convive. A solidariedade se torna, em consequência uma fraternidade responsável. Mais do que um mero perdão cria-se um vínculo profundo que salva e redime. Brilha a compaixão ativa, eficiente, prática. Dentro desta consideração cintila a veracidade dos dizeres de Jesus: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. O resultado é imediato. Tudo se dá a nível da cordialidade consigo mesmo, à luz da bondade infinita do Criador, envolvendo os semelhantes nas ondas da serenidade. Nem sempre se capta esta realidade, porque não se atina com a etimologia da palavra misericórdia que é composta pelos termos miseratio e cordis, derivado de cor que significa coração. Entende-se então porque  São Paulo pedagogicamente aconselhou aos Romanos a serem mutuamente carinhosos, “adiantando-vos  uns aos outros na estima recíproca” (Rm 12,1).  É  que a chave da misericórdia  é o trabalho que faz crescer em si a inteligência do amor mútuo, conduzindo o cristão a uma relação com o outro situado sempre mais ao nível de sua necessidade  real. Resulta, de fato, uma solidariedade fraternal da qual fluem ações que tornam o mundo melhor.  São Crisóstomo pôde então afirmar que “a misericórdia é um penhor de salvação, ornato da fé, a propiciação dos pecadores. É ela que experimenta os justos, robustece os santos e ostenta os amigos de Deus”. São Leão magno foi taxativo:  “Tão elevada é a virtude da misericórdia, que sem ela as demais não tem utilidade. Porquanto, ainda que alguém seja fiel, casto, sóbrio e adornado de outras maiores e mais insignes qualidades, se não é misericordioso, não merece misericórdia”. Cumpre sermoa, realmente, arautos conscientes do Reino do Deus misericordioso.

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