Barbárie Moderna

    Os cristãos são sobreviventes da barbárie; Roma que o diga! O próprio Cristo se submeteu ao mais tétrico aparelho de morte do sadismo humano, a cruz. Não sobreviveu, mas sobrepujou a aparente derrota com sua gloriosa ressurreição. Os milhões de judeus mortos na carnificina da II Guerra sobrevivem hoje na lembrança histórica daquelas páginas que ensanguentaram os sonhos de dominação de poucos.  A mesma lembrança faz ressurgir em nossas mentes as cinzas das cidades de Hiroshima e Nagasaki, destruídas pelo mais vil e injustificável artefato humano, a bomba Atômica. Na mesma situação, os dias modernos assinalam em vermelho a data de 11 de setembro, que evoca não um simples atentado, mas a quanto chega o fanatismo de ideologias e discrepâncias religiosas. Mas a imagem de um ser humano preso em uma gaiola, sem algemas, ereto diante de seus algozes, com suas vestes róseas embebidas em combustível, tendo à sua frente o rastilho de fogo que o consumiria por completo… Oh, Senhor, a que ponto chegamos! Nem a um animal se prática tamanha barbárie!
    A cena do piloto jordaniano sendo queimado vivo – e dos demais que foram cruelmente decapitados no deserto – remontam às cruéis ações da perseguição romana contra os cristãos. A diferença é mínima, até em suas motivações. Os sonhos de dominação são os mesmos. Idem para o falso zelo religioso. O mesmo para as ambições imperialistas que sempre alimentaram guerras e ações terroristas no mundo. A diferença é que a Roma dos nossos dias sobrevive na cabeça daqueles que se acham deuses e, mesmo inconscientemente, querem que o mundo se submeta aos seus conceitos religiosos e se ajoelhe diante deles. Quando o fanatismo domina a razão a fé torna-se instinto de cão; morde sempre que ameaçada. Diferentemente da fé pura e genuína, capaz de oferecer a outra face, mas incapaz de se submeter a qualquer tipo de extorsão ou perversão. Esse é grande diferencial cristão no mundo. Mesmo perseguidos e injustiçados, espoliados e dilacerados, queimados ou mortos, a fé no crucificado atravessa os séculos e milênios à sombra de sua cruz. Mesmo Roma não resistiu a ela. “Com esse sinal vencerás!” – foi a grande revelação dos céus ao imperador Constantino, aquele que oficializou o cristianismo dentro do Império Romano.
    Pior que a perseguição de um império de jugos e poderes terrenos é a perseguição do imperialismo satânico. Estamos “sub júdice” dessa poderosa constituição. O Mal parece vencer, subjugando muitas das incautas criaturas às quais a Verdade ainda não se revelou. Por isso nos assustamos diante do que vemos acontecer no mundo, bombardeados que estamos com as más notícias que quase estouram os tímpanos de qualquer bom ouvinte. “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” – diria Jesus. Exortava à busca da Verdade, sem, no entanto, fugir da realidade que nos cerca. O mundo nem sempre é aquele que sonhamos, mas pode ser ao menos um pouco daquilo que nos esforçamos para construir. Aqui não teremos morada definitiva. A angustiante oração de Jesus no Horto das Oliveiras – lugar das tribulações – já nos revelava esse mistério. “Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Santifica-os pela verdade. A tua palavra é a verdade” (Jo 17, 16-17). Essa é a luz da revelação cristã, a cristalina verdade sobre a qual “nem as portas do Inferno prevalecerão”.
    Urge, no entanto, um sobreaviso. Não podemos entregar os pontos. Se o mundo dos homens se esfacela qual pão triturado, está duplamente vencido. O grão de trigo já morreu e tornou-se pão. Não há porque triturá-lo mais uma vez. Cristo, o pão-vivo que desceu dos céus, já nos alimentou e nos mostrou o caminho. “Como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”, disse ao jogar sobre nossos ombros a responsabilidade missionária que foi sua. Cruzar os braços, entregar as armas que temos, nunca! Se sobrevivemos até aqui, ainda há muito chão pela frente.