As sete palavras

    É tradição nestes dias da Semana Santa, ou na própria sexta-feira santo refletir sobre as sete últimas palavras de Nosso Senhor no alto do Calvário.

    São palavras importantes, de um homem no auge de suas forças físicas e mentais, por isso, têm grande autoridade a todo verdadeiro cristão católico apostólico romano. É como que um Testamento de vida d’Aquele que passou por este mundo fazendo o bem.

    É interessante notar os contrastes ou as diferenças entre os desígnios de Deus, plenos de amor, e os nossos, não raras vezes cheios de mesquinharias e arrogâncias, como se nós fôssemos deuses e Deus não fosse o Salvador.

    Um empregado leal a quem só recorremos nas horas de apuros, quando a cruz nos pesa devido às nossas misérias morais e materiais. Em uma ocasião de perda de um ente querido, de algum bem material ou no momento em que alguma doença ou calamidade nos assola. Será que temos sido, neste mundo tão marcado por dores e mortes – não raras vezes fruto do descaso de parte daqueles que deveriam olhar por nós – mais sinal de dor ou de esperança aos nossos irmãos e irmãs, especialmente aqueles e aquelas que mais precisam de nós?

    Não façamos deste momento mais um de nossas vidas, nem outra ocasião de oração deste dia. Ao contrário, prestemos redobrada e digna atenção às Sete Palavras de Cristo, Nosso Senhor nesta hora tão significativa da graça de Deus. Peçamos ao Divino Espírito Santo, o Mestre interior, que fale no mais íntimo de nós.

    Primeira palavra: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46).

    As palavras de Nosso Senhor têm, aqui, o mesmo conteúdo do Salmo 22,2. É, ao contrário do que muitos possam pensar, uma oração. Um verdadeiro grito de angústia, mas não de desespero ou de queixa de um desesperado, revoltado, que não sabe o que fazer da vida…

    É a demonstração de que Deus feito homem por amor de nós viveu, até as últimas consequências, a vida humana como nós em tudo, menos no pecado. No auge do sofrimento físico e moral que lhe dilacerava o corpo e a alma, se angustia, se sente só, sofre uma dor impossível de ser expressa por palavras, mas não se rende. Não blasfema. Aguenta tudo, de modo altaneiro, até o fim.

    Irmãos e irmãs, quantas vezes ouvimos gritos semelhantes ao de Jesus em clínicas de toxicodependentes, hospitais, asilos, cadeias, velórios ou ante a família, célula-mãe da sociedade, dilacerada pela violência, pelas drogas lícitas e ilícitas, por dívidas, miséria, fome, dor, decepção etc.

    Sim, parece que estamos abandonados por todos e até Deus se esqueceu de nós. Parece que Nosso Senhor, a seu modo, antecipava a fala de um deprimido dos nossos dias, quando este nos diz: “Não quero mais viver. Nem Deus se lembra mais de mim”. E continuaria: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

    O Senhor Jesus se angustia, sim, ante o enorme sofrimento pelo qual passa, mas permanece consciente da sua missão, por isso grita, mas grita rezando. Sabe que seu reino não é deste mundo e que nada de material preenche o ser humano, feito para a eternidade feliz. Ele não põe fim à vida em um ato desesperado; mas, ao contrário, se entrega por amor a você e a mim. Afinal, quem tem maior prova de amor do que aquele que dá a vida pelo irmão?

    A morte de Cristo não é o fim, mas o início da verdadeira vida. Quem conhece os ensinamentos do Senhor valoriza a vida – nunca a morte – e mesmo no grito angustiado, em meio ao qual se sente abandonado, confia que Deus, embora pareça, não está distante. Ele caminha conosco e, na hora oportuna, se manifestará a nós em sua misericórdia, poder e glória. Confiemos! Confiemos! Confiemos!

    Segunda palavra: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

    Eis o auge, o cume, o ponto mais alto do amor. O martyrion ou o testemunho de amor por excelência. Doar a vida totalmente por amor e por este mesmo amor perdoar quem nos faz o mal…

    Antes de continuar esta reflexão, gostaria de lhe fazer, prezado(a) irmão(ã), uma pergunta para ser respondida no mais íntimo de cada um(a) de nós: peço a Deus a graça de testemunhá-LO com minha própria vida, se preciso for, ou sou daqueles(las) que expõem a integridade física em perigo por qualquer coisa banal, mas não têm a audácia de, minimamente, testemunhar o Evangelho, com atitudes e palavras, em casa ou no local de trabalho e lazer? – Pensemos!

    Pois bem, independentemente de sua resposta, que interessa só a você e Deus, vamos continuar a ver com o olhar da mente e do coração, o gesto grandioso e também misericordioso de Cristo: perdoa quem, de forma ignorante, lhe faz o mal, lhe tira a vida com extrema crueldade. Quem, aqui, participou, ao menos uma vez com atenção da Via Sacra, é capaz de, nesta hora, chorar… Chorar de alegria ao ver quanto amor Deus tem por nós. É um amor verdadeiro e infinito, impagável…

    Preso e condenado injustamente, açoitado, cuspido, debochado, vilipendiado, despido não só de suas vestes, mas também de sua dignidade, enfim sofrendo as maiores humilhações que um ser humano possa passar, não reclama. É o modelo da não violência. Consola quem, como você eu, por ele chora. Perdoa, com amor, quem lhe faz o mal, quem serve de instrumento para tirar-lhe a vida. Que bela lição a cada um de nós.

    E o exemplo de Nosso Senhor mexeu com a humanidade. Ao longo dos séculos quantos homens e mulheres de fé entregaram suas vidas pela causa do Evangelho, não só se deixando matar, mas também perdoando, verdadeiramente, os agressores ou assassinos. São os santos(as) e beatos(as) mártires, ou seja, pessoas que testemunharam a Cristo com o derramamento do próprio sangue e com o perdão aos algozes.

    Resta-me, por fim, lembrar aqui – e pedir que vocês se lembrem comigo – de um homem atingido por tiros, quase perdeu a vida, mas perdoou o seu agressor e o visitou na prisão, tão logo pode. Quem é este homem? – É, irmão e irmã o Papa santo, São João Paulo II, falecido de morte natural, em 2005. Portanto, um imitador de Cristo perto de nós no tempo. Que ele interceda junto a Deus por nós a fim de que vivamos o testemunho de nossa fé, pelo derramamento de sangue e pelo perdão, até as últimas consequências.

    Terceira palavra: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).

    Aqui, caríssimo(a) irmão(ã), estamos diante de três atos grandiosos: o primeiro, do ladrão que reconhece Cristo como Deus. Afinal, só Deus pode dar a salvação eterna a alguém; o segundo, ainda do ladrão, é consequência do primeiro. Sim, ao reconhecer Jesus como Deus, arrepende-se de seus crimes e pede o céu; terceiro: a misericórdia de Deus que se compadece daquele homem e o perdoa, conduzindo-o ao paraíso eterno.

    Não importa qual é o meu e o seu pecado, importa que o reconheçamos e, como o filho pródigo, um dia, peçamos, confiantes, o perdão divino, pois o Senhor, de modo invariável, nos perdoa. Aliás, há um provérbio popular que diz: O ser humano perdoa às vezes, a natureza não perdoa nunca, mas Deus perdoa sempre. Devemos agradecer a grande graça que é ter a nossa disposição o sacramento da Reconciliação – a Confissão sacramental – que apaga o nosso pecado e nos devolve, por conseguinte, a possibilidade da vida eterna, de estar com Deus para sempre.

    Aqui duas lembranças me ocorrem: a primeira é a de um padre de interior que costumava dizer: “O bom ladrão foi tão bom ladrão, mas tão bom ladrão, que, na última hora, roubou um pedacinho do céu para ele”. Era uma força de expressão, é evidente, mas demonstra que nunca devemos nos desesperar da salvação de quem quer que seja. Deus tem suas vias e nos chama a elas. Não esperemos a “última hora”, podemos não ter tempo. Convertamo-nos agora e voltemo-nos para Deus com todo o nosso ser. O bom ladrão não se converteu por suas próprias forças, mas pela graça de Deus que a ninguém falta. Peçamos ao Senhor a graça da conversão e também da boa morte (morrer na graça de Deus).

    A segunda lembrança é a de que você nunca deixe, irmão e irmã, de lado o sacramento da Reconciliação, no qual, por meio do ministro ordenado, Deus o (a) perdoa, desde que haja de sua parte sincero arrependimento. E aqui importa recordar que a Serva de Deus Madre Cecília do Coração de Maria sempre recomendava às suas freiras que rezassem, antes ou depois da Confissão, uma oração pelo sacerdote que a atendeu. Afinal, quer Deus servir-se de nós, seus ministros, para ser um canal da Sua infinita misericórdia a quem, verdadeiramente arrependido, nos procura.

    Que, por intercessão de São Dimas, o bom ladrão, busquemos, com sinceridade, a conversão e, no último suspiro, possamos pedir a Jesus: Acolha-me no seu Reino, Senhor. Amém.

    Quarta palavra: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

    O Senhor Jesus tem, como eu já dizia no início, a certeza de que o Pai não o abandonou nem abandona ninguém e nos recebe em Seu Reino em nosso momento final. Ele nos quer todos com Ele na vida eterna, mas respeita a nossa liberdade de Lhe respondermos “sim” ou “não”. É Santo Agostinho quem ensina: “Aquele que te criou sem ti, não te salva sem ti”.

    Meu irmão e minha irmã, aqui desejo recordar a cada um de vocês uma verdade um tanto esquecida sobre nosso início e o nosso fim neste mundo. Essas realidades são muito importantes, de modo que a Igreja nos tem recordado oportunamente para que não tenhamos dúvidas a respeito.

    Nós somos uma harmonia de corpo e alma: o corpo, material como é, vem dos gens do pai e da mãe, já a alma espiritual é criada por Deus e infundida no novo ser no momento mesmo da concepção. Há aí, já, um ser humano. Só lhe resta desenvolver-se. Daí o pecado gravíssimo do aborto, um homicídio a atentar contra o quinto mandamento da Lei de Deus. Tal prática jamais deve ser legalizada, mas, em contrário, tem de ser combatida, dentro da lei e da ordem, de modo firme.

    Pois bem, se o início de tudo para nós é assim, como seria o fim? – É o caminho inverso: na morte, devolvemos ao mundo material o que é dele (o corpo) e ao espiritual o que é dele (a alma). Ela se mantem, na eternidade, separada do corpo até o Juízo Final, quando, por pura graça divina, nosso pobre corpo se unirá, transfigurado, à alma na Ressurreição da carne. Aqui, aprendemos um caminho importante: cuidar do nosso corpo como templo do Espírito Santo e não como refém de nossas paixões desordenadas a nos atormentarem constantemente, como quase sempre é mostrado em alguns dos tantos programas de TV no qual a virtude é ridicularizada e o vício exaltado. Uma terrível inversão de valores que tem de ser mudada para o bem da humanidade.

    Entreguemo-nos, totalmente, a Deus em corpo e alma, porque servir a Deus é reinar. O maior no Reino dos céus é aquele que serve a todos. Pensemos, portanto, em como servir, em qual pastoral ou movimento posso ser útil, em qual meio social, eu ajudaria a construir um mundo melhor, mais humano justo e fraterno.

    Pai, hoje, em tuas mãos, me entrego por inteiro. Cuidai de mim e de todos os que me são queridos e fazei-me também cuidador carinhoso dos que precisam de mim no dia a dia.

    Quinta palavra: “Jesus, então, vendo a mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à mãe: ‘Mulher, eis teu filho!’. Depois disse ao discípulo: ‘Eis tua mãe’!” (Jo 19,26-27).

    Esta é uma das passagens mais belas da Sagrada Escritura, pois recapitula e corrige, de modo infinitamente positivo, o que houve no Gênesis e que todos já conhecemos, desde a catequese da infância na linguagem própria e catequética da Bíblia.

    No paraíso, Deus colocou, como filhos amados, repleto de dons preternaturais, homem e mulher a fim de serem felizes, desde que não o desobedecessem tocando no fruto da árvore do bem e do mal. Seduzidos, porém pelo tentador, simbolizado na serpente, desobedeceram a Deus e se viram nus, ou seja, sem os dons que Deus lhes deu. Quem peca, desobedece a Deus e perde tudo, inclusive o maior bem que é a vida eterna.

    No entanto, Deus não se deixa vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem. Logo em seguida ao trágico incidente do Éden, Ele promete inimizade entre a Mulher (Eva) e a Serpente (o mal personalizado), entre a descendência de uma e da outra. É o anúncio primeiro ou o prenúncio do Salvador que viria um dia. E veio: Jesus Cristo, nascido de uma Mulher, Maria Santíssima (cf. Gl 4,4).

    A humanidade foi recriada de modo muito melhor com alguns contrastes, como veremos. Preste muita atenção: no jardim do Éden, a árvore é verde, mas trouxe o mal; no Calvário, um lenho seco renovou a vida, é o poder da cruz de Cristo, que nos devolve a vida eterna, sobrenatural. Mais: toda ordem – não mais natural – mas sobrenatural, é recriada: um homem e uma mulher aparecem: o Filho, Jesus, novo Adão, e a Mãe, Maria, a nova Eva, mãe da humanidade sofredora.

    Que maravilha! Não somos órfãos, temos uma grande mãe. Mãe de Deus feito homem e nossa mãe porque somos filhos adotivos de Deus, em Jesus Cristo. Filhos no filho (Gl 4,5). Nossa Senhora é venerada, nunca adorada, como se fala – por ignorância ou má-fé por aí. Ela aponta o caminho para Jesus, como nas Bodas de Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Ela é o caminho certo para Jesus. É sua mãe. Depois de Deus, entende d’Ele melhor que ninguém.

    Contudo, tem outro ponto: João representa cada um de nós naquela entrega aos pés da cruz. Ela, como mãe amorosa, continua a interceder por nós, como nas Bodas de Caná, dizendo: eles não têm mais vinho… não têm mais saúde, segurança, educação, moradia, infraestrutura etc. Obrigado, Senhor Jesus, por nos dar tão grande Mãe. Quem fala bem dela, louva o Filho; quem fala mal, ofende a Cristo que nô-la deu de presente.

    Sexta palavra: “Tenho sede” (Jo 19,28).

    Irmão e irmã, não é difícil, por mais comodidade que se tenha, imaginar, alguém, depois de tantos sofrimentos padecidos, em um sol escaldante, ter sede… Pense um pouco, tente imaginar a situação… Cristo sofreu tudo isso por mim e por você, para a nossa salvação eterna.

    Agora, esta expressão ganhou também um sentido espiritual ao longo do tempo: ter sede – que é algo negativo, pois significa falta de água ou até uma desidratação – passa a ter um aspecto positivo e até louvável, não só na interpretação dos Padres da Igreja, mas já no próprio Evangelho…

    Sim, nas bem-aventuranças, Jesus louva “a fome e a sede de justiça” e proclama bem-aventurado(a) quem as tem. E por que isso? – Porque devemos, no progresso da vida interior, santamente almejar mais até chegar à perfeição apontada pelo Evangelho: “Sede santos como o Pai celeste é santo”. Meta ousada, sem dúvida, mas apta a nos levar a batalhar sempre sem parar até o dia do nosso encontro definitivo no face a face da Eternidade. Tenhamos sede sempre! Sede de Deus e de tudo o que é d’Ele.

    No aspecto material, lembremo-nos de que o Senhor Jesus continua, no irmão e na irmã com sede, a pedir-nos: “Dá-me de beber” e, no Juízo Final, nos agradecerá ou nos reprovará por termos, ou não, acolhido o seu apelo a sermos misericordiosos para com todos os que sofrem no corpo e na alma.

    Hoje, Cristo repete a mim e a você o mesmo apelo: “Tenho sede!”. Sede de água material a ser ofertada ao próximo, de perto ou de longe (a caridade não conhece distâncias) – quantas pessoas sofrem no mundo por falta de água potável ou até para tomar banho e lavar suas roupas e vasilhas de preparo da alimentação – ou sede de almas, que nós podemos saciar com a ajuda empenhada em nossas pastorais, no dia a dia.

    Sétima palavra: “Tudo está consumado” (Jo 19,30).

    Chegamos, irmãos e irmãs, à sétima palavra ou afirmação de Jesus: “Tudo está consumado”, “Tudo acabou”, “Cumpri a missão dada pelo Pai”…

    Nosso Senhor realizou sua única missão redentora de modo duplo, por assim dizer, conforme nos ensina a Teologia:

    Temos a chamada “redenção físico-mística”. O nome parece difícil, mas é fácil de entender. Trata-se do contato de Jesus com tudo o que é deste mundo para santificá-lo. Nada mais em si é profano depois que foi, de algum modo, tocado por Cristo. Tudo serve à nossa santificação.

    Temos também a “redenção propiciatória”, esta que estamos celebrando, o ato supremo da entrega da vida por você e por mim. Sem pedir nada em troca. São Paulo vai dizer que Cristo morreu por todos, quando ainda éramos pecadores. Foi ele quem nos salvou. Tudo vem d’Ele. Não temos nada a doar ao Pai, mas apenas a devolver um pouco do muito que Ele fez e faz por nós.

    A obra redentora continua por meio da Igreja quando ela, pelas águas do Batismo nos dá a vida divina, com a Eucaristia nos alimenta e no sacramento da Reconciliação nos perdoa, devolvendo-nos a vida eterna perdida no Batismo. É a obra de salvação que continua enquanto o mundo existir… Deus quer nos salvar e tudo começa agora. Abramos a Ele o nosso coração.

    Que, como nos diz a tradição, ao chegar a hora de devolver nossa vida ao Pai, possamos dizer que fizemos bom uso dos talentos que Ele nos confiou e, nos braços de Jesus e Maria, como São José, repetir esta oração: “Tudo está consumado”.

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