As mulheres não são iguais aos homens. Que bom!

Que este Dia da Mulher nos sirva para tornar mais clara a necessidade de proclamar que lutar pelos mesmos direitos e pela mesma dignidade não implica, de modo nenhum, suprimir a diferença, nem a peculiaridade envolvida no fato de sermos homens e mulheres

Ainda há pouco, quando cheguei no trabalho, deparei-me com uma pequena mensagem de homenagem às mulheres, ao inicializar o meu computador, que dizia:

“Sinta-se livre para ser quem você é. O seu poder está na sua individualidade! Feliz dia da mulher!”

Esta mensagem me inquietou. Ela ressalta um certo “poder” feminino que estaria localizado na “individualidade”, e que implicaria na “liberdade” de ser quem se é. E isto me soa, de fato, muito estranho e incoerente: se alguma coisa caracteriza o sermos homens e mulheres, isto não se caracteriza pelo desenvolvimento do “poder” da nossa “individualidade”, mas exatamente na importância da nossa relação recíproca. Vale dizer, somente há mulheres porque há homens, e vice-versa. Não se trata, pois, de exaltar o “poder” de um “individualismo” feminino como fonte de “liberdade”, mas exatamente o de reconhecer que somente na diferença é que podemos nos realizar, porque a diferença é exatamente o que possibilita a nossa relação.

Lembro-me de um pequeno episódio que ocorreu nos meus tempos de advogado recém-formado. Eu descia o elevador do prédio em que morava então, trajado de paletó e gravata, com uma pequena pasta nas mãos. Ao entrar no elevador, encontrei um casal que discutia agressivamente. A discussão parou subitamente quando eu entrei no elevador. Mas restou aquele ar pesado, constrangedor, impossível de evitar no ambiente tão apertado de uma cabine de elevador. De repente, após alguns momentos, aquela senhora se dirigiu a mim: “Com licença, o senhor é advogado?” Eu respondi que sim. Então ela me interpelou: “Então diga aqui para o meu marido se as mulheres não são iguais aos homens”.

Juntando todo o meu bom humor juvenil, não resisti em lhe responder: “desculpe-me, senhora, as mulheres não são iguais aos homens. E é exatamente a diferença que permite que ele seja o seu marido…”

Para surpresa minha, a senhora abriu um grande sorriso, com o marido, e se reconciliaram ali mesmo. Mas o episódio vem à minha memória cada vez que alguém prega a “igualdade entre homens e mulheres”. É preciso especificar um pouco esta declaração, que não é incondicionalmente verdadeira.

Se falamos de dignidade e de direitos, a resposta é inegavelmente um “sim”. Somos iguais em dignidade, somos iguais em direito, e, portanto, a luta feminina para que estes dois aspectos sejam reconhecidos é muito justa. Mas, no plano estritamente fático, somos diferentes. E esta diferença tem tudo a ver com a relação, e com ela a própria condição humana e sua perpetuação. Mas nós perdemos a capacidade de reconhecer na relação aquilo que ela é de fato, a abertura recíproca que conduz à complementariedade, que por sua vez é pressuposto da completude. Não vemos nas relações senão a opressão; ou seja, definimos a essência da relação pelo seu defeito.

De fato, relação é abertura para a completude que aperfeiçoa. Mas não há como negar que, num mundo profundamente ferido pelo mal como é o nosso, as relações se desvirtuam e, muitas vezes, tornam-se opressoras. Mas é neste momento que certos pensadores, como Marx, Sartre, Simone de Beauvoir, Foucault e outros da mesma estirpe deixam de enxergar na relação aquilo que ela é (abertura) e passam a caracterizá-la, essencialmente, como opressão. É por isto que somos massacrados com discursos que, a pretexto de eliminar a opressão, desvalorizam a própria relação humana. E, a partir daí, o individualismo se implanta como resposta necessária (e falsa): eu só serei feliz, dizem estes “profetas da opressão”, à medida que me afirmar como indivíduo, e construir, sozinho, a mim mesmo. A relação é denunciada, muitas vezes, como infernal: “o inferno são os outros”, dizia Sartre.

Eis, pois, a ambiguidade de tudo que se vê e celebra neste “Dia Internacional da Mulher”. Em vez de celebrar a diferença que nos abre ao outro, e que nos permite buscar, na complementariedade, a completude, as mensagens muitas vezes nos apresentam, sutilmente, a ideia de que homens e mulheres são adversários, e de que exatamente a visibilidade da diferença, a sua afirmação fática, é parte do plano de opressão. Não é.

Eliminar a opressão, pois, deve passar pelo restabelecimento de que somente na construção da sadia relação, na complementariedade, chegaremos à perfeição desejada. As relações devem ser, de fato, bastante cuidadas, porque, dada a condição decaída do mundo, é muito fácil que elas decaiam em opressão. Mas a opressão não transforma a própria relação em algo a ser descaracterizado, destruído, negado, superado, em nome de uma “libertação individualista”. Não se nega a distorção do poder criando um poder distorcido inverso. Isto é apenas hegelianismo mal lido.

É por isto que me preocupa, também, que o termo “gênero” tenha sido adotado para definir as mulheres. Palavras têm gênero. Homens e mulheres têm sexo. Não estamos celebrando o dia da “orientação de gênero”, mas o dia da mulher. Ser homem e mulher é alguma coisa que nos especifica. Ter esta ou aquela orientação libidinosa, não. E não estou usando, aqui, a palavra “libidinoso” com uma carga moralista, senão com uma carga especificamente antropológica. Esta é mais uma daquelas expressões que nos leva a uma distorção de pensamento muito comum na contemporaneidade.

Lembro-me de um debate que tive, há pouco tempo, com um grupo de psicólogos. De como tive muita dificuldade em afirmar que as noções de “homem” e “mulher” ainda descrevem uma realidade concreta, necessária, ou seja , não podem ser substituídas por expressões de “gênero”. Isto não é escamotear as graves questões de identidade sexual, mas é apenas garantir a necessidade de que a linguagem humana continue inteligível.

Diante da reclamação de uma militante feminista radical, que estava presente, de que eu estava revelando um machismo latente ao me expressar assim, eu redarguí que eu defendia apenas que a condição de mulher era privativa das mulheres, respeitadas toda a variação de apetites no entremeio como apenas acidentais. Enquanto ela entendia que qualquer homem, desde que sentisse atração por pessoas do mesmo sexo, teria o direito de declarar-se tão mulher quanto as mulheres. E que, portanto, ela desconsiderava o fator biológico, científico, mensurável, da condição feminina, para garantir aos homens que quisessem o direito de serem mulheres também. Isto me parece, aí sim, um tremendo machismo. Não podemos desconsiderar a realidade complexa da multiplicidade com que os desejos e os comportamentos se apresentam na vida de cada ser humano. Mas ao negar às mulheres o direito de serem as únicas mulheres não me parece ser um bom feminismo. E, se é isto que o Dia da Mulher celebra, ou seja, a diferença entre homens e mulheres, que é abertura à complementariedade, e que representa a expressão visível de que nenhum ser humano é autossuficiente, então viva o Dia da Mulher!

Simone de Beauvoir, certa vez, afirmou que “ninguém nasce mulher, as mulheres fazem-se”. Esta afirmação não faz nenhum sentido: se fosse assim, cada vez que um promotor de Justiça precisasse denunciar alguém pelo crime de feminicídio, ele precisaria submeter a vítima a uma “perícia antropológica” para saber se, a despeito do sexo feminino que ela traz em seu corpo, ela chegou a “fazer-se mulher” pela vida afora, de modo a caracterizar a agravante de matar uma mulher. Isto é de um absurdo tão patente que não precisa maior indagação. Simone de Beauvoir, com todos os que repetem este mote por aí, desconhecem a distinção aristotélica de “ato” e “potência”, e, na sua ignorância, produziram um slogan de campanha travestido de mote filosófico. Todos nascemos como seres humanos em ato, e com nossa biologia masculina e feminina em ato, mas em potência para o desenvolvimento de todas as perfeições que nos caracterizarão na idade adulta. Os raros casos de más formações biológicas somente confirmam esta regra.

As mulheres são mulheres. E fazem-se mulheres, ao desenvolverem suas potencialidades humanas ao longo de sua vida. O resto é somente má poesia.

Fonte: Zenit

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