ANGÚSTIA

    Quando o escritor brasileiro Graciliano Ramos escreveu Angústia, seu terceiro romance, cumpria pena em uma prisão de Maceió. Era o ano de 1936. Seu crime não vem ao caso, mas as motivações dessa escrita sim. Nordestino sofrido, mas renitente, viveu a saga do vai e vem migratório e perdeu três de seus irmãos e familiares para a peste bubônica. Tornou-se militante político e grande defensor das causas populares, deixando consignado em Vidas Secas o drama social do seu povo. Em Angústia – originalmente titulado com Colchão de Painas, referência ao colchão de sua prisão – retratou todo o dilema de alguém manietado e impedido de realizar seus sonhos.

                Por que utilizo esses fatos num espaço tradicionalmente religioso? Num momento crítico da história que vivemos? Na prisão involuntária à qual muitos se submetem? Na angústia asfixiante das incertezas de uma peste? Nas muitas perdas que sofremos, dentre elas nossa liberdade de ir e vir, de se solidarizar com os amigos, de sorrir sem máscaras, de abraçar, comungar?…

                O colchão macio também cansa. De nada adianta uma retaguarda protetiva, uma segurança restritiva sem possibilidades concretas de vitórias futuras. Em Angústia, o conflito existencialista de um matuto apaixonado por uma musa inspiradora esbarra na concorrência de outro, que lhe rouba a razão de sua vida, sua paixão. Quantos assim se veem impossibilitados de realizar seus sonhos! O conflito é também social, coletivo, pois esbarra na luta de classes do senhor da Fazenda e do caboclo sertanejo, do sistema dominante e da classe operante, da política ditatorial e da realidade sem norte, sem rumo certo. Retrata uma realidade social da qual fazemos parte, na qual o mundo se afunda em uma polarização sempre conflitante. Essa angústia nos asfixia. Mata sonhos, corrói a alma, esconde a esperança.

                Há, no entanto, uma angústia positiva, uma força maior capaz de superar conflitos, amadurecer nossos dilemas, ascender sobre problemas. A ressurreição não termina na transposição de um túmulo, uma derrota superada, mas vai além… É preciso também ascender, superar, subir a um novo patamar de vida, alcançar os céus. É preciso libertar-se das prisões, das amarras que toldam nossas existências, tolhem nossas almas sedentas de liberdade, de plenitude na vida. Gritar não às pandemias existencialistas, as cadeias do individualismo. Essa angústia é própria das pessoas de fé, capazes de transformar dramas circunstanciais em trampolins de superação. Pessoas que, como Cristo, ascendem aos céus na superação das amarras, das prisões circunstanciais dessa vida passageira. Essa é a angústia dos escolhidos, anjos e santos de Deus, que compreendem momentos de privações como instrumentos de purificação, não mais que isso.

                No romance da vida a angústia é tão finita quanto ela própria. Um dia acaba. O protagonista do escritor brasileiro, um Luis da Silva qualquer, não enxergou essa possibilidade e acabou assassinando seu oponente, sem com isso resgatar sua amada, seu sonho de vida. Faltou-lhe maior introspecção da realidade, para encarar a falta de horizonte momentânea. Esse é o perigo dos romances sem perspectivas, dos dramas impossíveis de final feliz, que muitos de nós escrevemos sem o horizonte da fé e da esperança. A prisão e a morte sentenciam seus protagonistas. Aos que enxergam além da própria realidade está reservada uma vitória maior, uma perspectiva de vida além das angústias próprias de nossas limitações pessoais. Olhem para os céus: Não fiquem aí parados, na mesmice de uma angústia circunstancial. “Este Jesus que acaba de vos ser arrebatado… voltará do mesmo modo…” (At 1,11).

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