Eis que Papa Francisco descobriu o mais estranho subtítulo para se definir uma nova característica política: o amor. É possível esse sentimento no mundo político, em meio a tantos disparates e oportunismo, a tamanhas distorções e jogos de interesse, às mais torpes manipulações e guerras grupais, pessoais, sociais? Será possível falar de amor no meio político? O Papa diz que sim. A partir da metade do quinto capítulo da encíclica Fratelli Tutti, Francisco vira o jogo das muitas definições e conceitos da vida política partidária, para nos falar de amor… Amor político, vejam só!
Muitos já torcem o nariz, fazem micos, ironizam… Então o pescador teima em sua sagacidade, que bem conhece “águas mais profundas”. “Reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade (180)”. Essa definição social parece longe do mundo político dos nossos dias. O governo do povo passa, por primeiro, pelo governo do indivíduo, da pessoa que faz parte dum meio. “Cada um é plenamente pessoa quando pertence a um povo e, vice-versa, não há um verdadeiro povo sem referência ao rosto de cada pessoa. Povo e pessoa são termos correlativos (182)”. Aqui entra o relacionamento humano, seus sonhos, suas lutas, conquistas e fracassos, sentimentos e ambições, tudo enfim que constrói uma vida alicerçada no mais puro dos embriões que vivifica a alma humana: o amor.
Trata-se de uma força interior de permanente construção dos melhores sonhos humanos. Aqui entra a atividade do amor político, para modificar as estruturas de desigualdade e injustiça sociais. “Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política (186)”.
“As maiores preocupações dum político não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens, mas por não encontrar uma solução eficaz para ‘o número da exclusão social e econômica, com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada’ (188)”. Não se trata de simples discussão teológica-social, que desperta em muitos críticas e acusações de estar a Igreja se ocupando com assuntos que não lhe dizem respeito. Seria a degradação humana um tema fora dos contextos evangélicos? Um bom político sabe que não e por isso busca também nos princípios do amor e da caridade cristãs uma fonte de inspiração para suas ações. “Ao mesmo tempo que realiza esta atividade incansável, cada político permanece um ser humano, chamado a viver o amor nas suas relações interpessoais diárias (193)”.
Nada aqui foge dos princípios de um bom administrador. Aquele que exerce seu mandato com a coerência de ações voltadas para o bem comum – e nunca para si próprio – demonstra amor pelo povo que representa. “Na política há lugar também para amar com ternura (194)”. Bem como em todos os setores da comunidade humana, porque amar é a vocação primeira do ser político que somos. “Por outro lado, é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que semeia (196)”. O que se pergunta um político? O Papa responde: Ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta será: ‘Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim’ As perguntas, talvez dolorosas, serão: ‘Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?’ (199)”.