Amigo até aos extremos

    Todas as pessoas são chamadas à comunhão com Deus, a uma vocação divina e humana e convidadas a participar do plano salvífico, que é universal e que, em Cristo, tem a sua plenitude, seu ponto extremo e mais elevado, na sua obediência realizada na cruz, renovando e reconciliando interiormente as criaturas que Ele criou. Compreendemos essa afirmação a partir da parábola do grão de trigo que cai na terra e morre para produzir muito fruto (cf. Jo 12, 24).

    Deus deseja a redenção do gênero humano e “quando chegou a plenitude dos tempos enviou seu próprio Filho, que nasceu de uma mulher e foi submetido a uma lei, para resgatar os que estavam sob a lei” (GL 4, 4). A vontade de Deus, nossa felicidade e nossa realização, tem seu início quando entramos em comunhão com o projeto salvífico e nos esforçamos para colaborar com Ele na construção do seu Reino.

    Deus nos criou pessoas, criaturas humanas, para vivermos em harmonia com Ele, com o mundo e com os nossos semelhantes. Olhando a história e a caminhada do povo de Deus, constatamos sua forte presença através daqueles que Ele enviou. “Ide! Eis que eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10,3).

    A verdade é que nem sempre correspondemos a esse mandato. No Brasil, Deus nos deu Dom Hélder Câmara, um enviado do Pai, um amigo do povo, um profeta para os empobrecidos, os “os sem voz e sem vez”, para abrir nossos olhos, nossa mente e nosso coração. Amigo até o altar do “sacrifício”, até aos extremos, como diz o latim: “Amicus usque ad aras”.

    Deus enviou muitos profetas, com uma missão sagrada. A vida de Dom Helder foi semelhante à dos profetas, com sua pregação, sua vida de oração e sua mística, construindo caminhos seguros e sólidos, sobretudo, para os fracos e excluídos da sociedade. Com ele nasceu uma nova cultura e uma nova civilização: a cultura e a civilização do amor, da vida e da esperança, ao contrário dos homens fortes deste mundo, que são incapazes de gerar sinais de vida e de esperança, e uma nova civilização. A força deles se concentra no que é efêmero, passageiro, emocional e superficial.

    Ele foi um desses profetas que recebeu de Deus o dom e a graça de ir, de viajar, de denunciar e de interpretar a revelação divina. Irmão de coração grande e generoso encontrou o sentido da vida em Deus infinitamente bom e misericordioso. Ao mesmo tempo mergulhou e compreendeu a realidade do mundo, marcada por seus antagonismos e nela inserida a criatura humana, imagem e semelhança de Deus.

    Foi um profeta, não um futurólogo, que anunciava, antevia e previa. Foi um irmão muito querido, que se esforçava para cumprir bem a missão que lhe foi confiada, falar de Deus e em seu nome. Foi, em profundidade, um homem que sabia falar e se dirigir ao Pai, através da meditação e da solidariedade, que se concretizaram em tudo que, em vida, ele fez e realizou.

    Dom Helder teve uma clara consciência de que o ponto mais alto da criação está na criatura humana. Ele sempre carregou, na mente e no coração, o relato da criação ao afirmar: “Deus delibera consigo mesmo, quando decide criar o homem semelhante a si” (cf. Gn 1, 26).

    Com enorme alegria, temos a consciência de que Dom Helder é patrimônio da humanidade e homem de grande coração, que viveu semeando bondade, esperança e paz entre cristãos e não-cristãos. Denunciou as injustiças e, entre diversos caminhos, apontou o da vida, o de Deus. Por isso que, depois do seu centenário, celebrado no dia 07 de fevereiro deste ano de 2009, dizemos: “Amicus usque ad aras”. Dom Helder foi amigo até aos extremos.

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