Silvonei Protz e Thulio Fonseca – Vatican News
Na manhã desta quinta-feira, o Papa Francisco recebeu em audiência os participantes do workshop “Conhecimento dos povos indígenas e as ciências: Combinando conhecimento e ciência sobre vulnerabilidades e soluções para a resiliência”, promovido pelas Pontifícias Academias de Ciências e Ciências Sociais. O evento teve início logo após o encontro com o Pontífice, na Casina Pio IV. Entre os participantes, a ministra do governo brasileiro para os povos indígenas, Sônia Guajajara.
Em conversa com a mídia do Vaticano, a líder política, que se destaca por sua luta histórica pelos direitos dos povos originários e pelo meio ambiente, comentou a importância deste momento e do encontro com o Papa Francisco, o discurso no workshop, a situação dos povos atuais na região amazônica, os desafios de sua atuação como ministra, e como é possível enxergar o futuro diante dos desafios da atualidade.
Como foi o encontro com o Santo Padre?
É um encontro histórico, eu diria. É um momento em que os conhecimentos se encontram, o conhecimento tradicional se encontra com o conhecimento religioso e científico. Estamos aqui na Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano. Para nós, é uma troca muito especial e importante para a valorização dos povos indígenas. Estamos vivendo um momento muito especial no Brasil, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas e, aqui, este momento de troca entre sociedade civil, governo, cientistas e várias autoridades que debatem o futuro.
A senhora também tomou a palavra no workshop “Conhecimento dos povos indígenas e as ciências”. Qual foi o tema abordado?
Como o tema deste seminário é sobre o conhecimento dos povos indígenas, é muito importante que os acordos firmados, como o Acordo de Paris, por exemplo, que reconhece o conhecimento tradicional dos povos indígenas como conhecimento científico, possam ser implementados nas várias instâncias, seja nas próprias Conferências do Clima das Nações Unidas, seja nos governos nacionais. Então, aqui, falei um pouco sobre isso. Como é importante que o mundo reconheça o papel dos povos e dos territórios indígenas, o respeito aos modos de vida e aos saberes tradicionais para conter essa crise climática.
O Papa Francisco, em seu discurso desta manhã, falou que esse encontro tem o objetivo de convocar governos, mas também grandes organizações, para reconhecer e respeitar a diversidade dentro da grande família humana. No Brasil, como está o respeito por essa diversidade?
Estamos num momento em que há um reconhecimento do Poder Executivo. A criação do ministério favorece esse protagonismo dos povos indígenas, colocando a pauta indígena no centro do debate político. Por outro lado, é uma novidade essa presença indígena na mesa de tomada de decisões, o que acaba provocando muitos incômodos por parte daqueles que querem expropriar os territórios, explorar os territórios indígenas, e que não conseguem compreender o meio ambiente como uma pauta prioritária neste momento tão urgente das emergências climáticas.
Quanto é difícil ser ministra em uma pasta como essa?
É muito difícil. São muitos desafios, muitas demandas reprimidas. Foram cinco séculos para que pudéssemos ter o primeiro Ministério dos Povos Indígenas, a primeira ministra indígena, mulher indígena. E quando nos articulamos e o presidente determina que os povos indígenas têm que ser uma prioridade para este governo, as forças contrárias também se articulam, se organizam para impedir o avanço dessas ações em defesa dos povos indígenas. Mas estamos muito confiantes, estamos em um momento muito oportuno. Muitas ações já estão acontecendo. Acho que é uma oportunidade também para criar novas consciências sobre essa presença indígena no Brasil, sobre a valorização dos povos e dos territórios. Então, é difícil, mas é necessário. Estamos aí de pé e vamos nos manter firmes, crescendo cada vez mais com a ocupação de cargos estratégicos por povos indígenas.
O Papa, em seu discurso, disse uma coisa muito bonita: “Deus nos fez guardiões e não senhores do planeta. Somos todos chamados a uma conversão ecológica, comprometidos em salvar a nossa casa comum”. Essa conversão ecológica está ocorrendo no Brasil?
A criação do ministério é um primeiro passo. Temos pela primeira vez toda a presidência da Funai composta por povos indígenas. Acredito que esses são passos importantes para que possamos estruturar e consolidar essa presença indígena nos espaços de tomada de decisão. É claro que a nossa presença ainda gera esses incômodos e reações adversas, mas temos que continuar acreditando que é possível conscientizar a humanidade. Esse protagonismo indígena que estamos assumindo neste momento, com indígenas no Parlamento, no Poder Executivo, em vários espaços do Judiciário, já é um bom caminho a seguir. Acredito que essa mudança ainda vai demorar muito tempo, mas é uma abertura de portas para que essa continuidade de ocupação de espaços possa ser preenchida por vários outros indígenas, não só no Brasil, mas em toda a América Latina e no mundo. Afinal de contas, estamos falando de um momento, de um mundo em emergência. Temos a crise climática, a crise social, a crise civilizatória. E apresentamos a pauta indígena como uma pauta humanitária e civilizatória para o planeta.
Muitos no exterior nos perguntam: como está a Amazônia? O que vocês estão fazendo com a Amazônia e os nossos indígenas? O que vocês estão fazendo pelos indígenas?
Os indígenas, naturalmente, são parte da Amazônia. É preciso pensar na Amazônia sempre como uma diversidade de árvores, de animais, mas também de pessoas e muitas culturas. A Amazônia é esse lugar muito cobiçado tanto por quem quer proteger quanto por quem quer explorar. Infelizmente, com toda essa cobiça, os indígenas, as comunidades tradicionais e a comunidade local acabam pagando com a própria vida para proteger a Amazônia que serve a todo o mundo. É preciso não só o governo local, mas o mundo inteiro olhar para essa diversidade de cultura, de povos, e juntos proteger os direitos e proteger essas pessoas que são, de fato, as protetoras. É preciso olhar a Amazônia para além das copas das árvores e enxergar quem está ali fazendo toda essa proteção. E somos nós, povos indígenas e as comunidades locais.