A vocação de José

    Pai não é quem gera, mas quem cria. Perdoem-me a frase feita, mas ela diz tudo o que desejo abordar. Há pais que o são apenas por contribuir biologicamente, mas há muitos que assumem a vocação paterna porque aproveitaram bem a graça de gerar filhos do coração. A diferença está aqui: gerar qualquer reprodutor ou banco de espermas é capaz, mas fazer nascer no coração, como rebento da alma paternal e responsável… ah, isso poucos são capazes. Pais biológicos e filhos “de nome”, sem a graça da vida familiar coesa, coerente, amorosa… Esse é o mal que nos assola! A crise de paternidade e familiar está aí, dizimando muitas famílias.

    O pobre carpinteiro de Nazaré não é um modelo por acaso. Qualquer pai minimamente coerente com sua natureza humana haveria de rejeitar aquele “filho” vindo do nada de um relacionamento fora dos padrões da concepção natural, que lhe foi colocado nos braços numa circunstância jamais imaginada, que quase lhe roubou a imagem de um homem honesto, temente a Deus e justo, que o obrigou a fugir para terras estranhas à sua fé, aos seus costumes, que o fez abandonar o conforto de uma vida razoável, uma profissão bem sucedida. Ah, José, o bom José!  Que magnetismo foi esse a lhe forçar a própria segurança e estabilidade social, financeira, para defender tão corajosamente aquele menino que seu coração adotou?

    Deus o chamou. Por isso paternidade exige vocação. Escolheu-o a dedo e lhe confiou a maior e mais bela das paternidades, aquela que iria constituir a família sagrada de Nazaré. Não lhe concedeu a paternidade biológica, mas dele fez o guardião do maior e mais precioso dos filhos dos homens, o primogênito de Deus! Mostrou-nos o quanto é preciosa a paternidade quando gerada do coração de Deus. A natureza humana tornou-se um detalhe secundário, posto que a natureza divina do seu “menino” está presente em toda e qualquer vida humana, que brota do Pai. É Ele a fonte da vida. É dele nossa procedência carnal, mas é no seio divino que encontramos as raízes de nosso ser espiritual. Dele viemos, a ele voltaremos. Por isso, a geração biológica é apenas um detalhe, posto que a fé nos desafie a voltarmos nossas vidas e nossa existência para a família trinitária onde fomos gerados e donde não podemos fugir. Mas essa escolha é nossa.

    Por isso o conceito familiar é sagrado. Não se destrói e nem se desvirtua aquilo que Deus estabeleceu como canal de plenitude, fonte de bênçãos, meio de salvação humana. É esta o sagrado instrumento posto à prova na construção da dignidade humana. Órfãos de pais humanos são muitos, mas a orfandade de pais vivos ou daqueles que a indiferença humana rejeita com seus preconceitos e individualismo é maior. Seus rejeitados terão certamente a adoção carinhosa do Criador. Muitos destes estarão à frente dos indivíduos que fizeram de seus redutos familiares uma trincheira patrimonial, um reduto da ganância e do poder, nunca um ninho de harmonia, solidariedade, amor fraternal, filial, conjugal…  Precisamos, urgentemente, rever tudo isso. Já não é o sangue venoso, pobre em oxigênio de vida fraterna, que nos há de contaminar o tecido social e familiar, posto que este, quando muito, provocará furúnculos fétidos aqui e acolá, mas é o sangue arterial que flui de um coração sadio o único a renovar a sociedade que desejamos mais justa e fraterna. O mesmo sangue do sacrifício cristão. O mesmo sangue dos muitos cordeiros, mansos e humildes, que não hesitam em arriscar suas vidas para defender os que amam. Como José, em muitos momentos. Como seu Filho no alto da cruz. Como muitos outros “pais adotivos”, que nunca se perguntaram a razão de tão estranho amor, apenas se espelham no modelo daquela família tão sagrada, tão estranha: José, Maria e “um Filho de Deus”, o Próprio…

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