A panela explodiu

    Foi na última quarta-feira, 30 de março. A pressão superou a aparente robustez da panela. Também há anos se achava insubstituível e reinava absoluta entre alhos e bugalhos de uma dispensa hora farta, hora carente do básico, do trivial arroz e feijão cujo preço oscilava conforme o humor do mercado. A velha panela entendia bem desse humor e quase ditava o cardápio à fiel cozinheira, que se submetia aos mandos e desmandos da patroa. Esta, por sua vez, não fazia milagres, mas contornava a situação com os parcos recursos das fontes suadas e conquistadas a duras penas com o trabalho conjunto de seus familiares. Trabalho digno, mas excessivamente roubado por uma carga tributária sem precedentes na história do país. País do Nunca, pois “nunca antes na história…”. Bem, isso é outra história.
    A questão é que a panela explodiu; jogou para os ares o almoço daquela quarta. A cozinha recebeu uma decoração nova, original, com nuances de carne de panela e molho de tomate que permearam o antes alvo e puro teto de nossas refeições diárias. De nossas alegrias e esperanças. Parecia algo diabólico, de tremendo mau gosto, pois além dos tons avermelhados, impregnou o ambiente com um odor nauseante de carne ainda crua, fedendo a sangue.  Repentinamente, deixou de acolher, abrigar e alimentar aqueles que ali refaziam suas energias para a labuta diária. O almoço daquele dia seria improvisado. Teríamos que nos contentar com o arroz e feijão trivial.
    A explosão foi ouvida à distância. Pôs em polvorosa amigos e vizinhos, assustados com os gritos de quem pilotava o fogão. Por pouco, muito pouco, a cozinheira de plantão não se feriu com os estilhaços e a água fervente que escapou da panela por todas as direções. Não foi dessa vez! Uma bomba desse quilate não escolhe suas vítimas, mas deixa suas marcas no ambiente. Restaurá-lo e devolver-lhe a higiene e pureza de outrora vai exigir muito trabalho e investimentos extras, fora do orçamento. Pior que a crise não permite novas negociatas bancárias, já que o crédito está curto e as instituições financeiras andam cautelosas com a crescente inadimplência do nosso povo.  Alguém aí, aceita uma bicicleta em troca de um fogão? Pedalar e cozinhar dá na mesma, ou melhor, desestressa… Troco ela por ele.
    Ah, o fogão! Senhor fogão, sempre discreto no seu canto, mas solícito a desempenhar seu papel a um simples click do automático ou estalar de um fósforo incandescente. Meu velho fogão, não sei porque, sempre me lembrou a ebulição do povo. Às vezes era de fogo baixo, pondo em banho maria muitos dos nossos cozidos, mas quando lhe exigíamos fervura maior, cozimento mais rápido ou assaduras substanciais, não negava fogo. Coitado! Lá está ele, vencido na luta, contorcido, amassado, cabisbaixo como um soldado ferido. Virou ferro-velho, o pobre! Não suportou o impacto da velha panela ao explodir.
    Vive seus dias de armagedon. Está escrito: “O Dia do Senhor chegará como um ladrão, e então os céus se dissolverão com estrondo, os elementos se derreterão, devorados pelas chamas, e a terra desaparecerá com tudo o que nela se faz” (II Ped 3,10). Pois é, companheiro, seu dia chegou.
    PS: Se você leu esta coluna como uma crítica política, errou. Isso tudo é um fato, algo acontecido em minha casa no dia supracitado. Minha velha panela de pressão explodiu, sim. Deixou sem graça e intragável o almoço do último dia 30. Dizem que panela velha faz comida boa, mas no meu caso, panela nova é mais segura. Mesmo que um novo fogão também seja necessário. Agora, paciência se qualquer semelhança seja mera coincidência. Acontecem. Ou não? Por via das dúvidas, bom seria que você revisasse suas panelas, panelinhas e panelões também.

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