A celebração da memória de São Jerônimo, no final do mês, provoca a reflexão sobre força da palavra, especialmente a Palavra de Deus. Jerônimo (+ 420) era presbítero, filósofo, retórico e gramático, capaz de escrever e pensar em latim, em grego, em hebraico. Os seus escritos e a sua presença revelavam uma personalidade forte. Dedicou grande parte da sua vida para tornar acessível a bíblia e mostrar a sua riqueza.
A carta aos Hebreus, capítulo 4, versículo12, diz: “Pois, a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração”.
É uma palavra viva e eficaz porque é próxima da vida real, fala a partir dos fatos da realidade e exprime o pensamento divino em palavras verdadeiramente humanas. A proximidade permite criar um ambiente de diálogo. O diálogo é possível onde existe escuta e resposta. Ouvir exaustivamente as argumentações do outro e manifestar-se. A conclusão de um diálogo é imprevisível, pois pode ter aceitação da argumentação, mudança de posicionamento ou não. A bíblia se desenvolve nesta perspectiva dialógica. Dialoga sobre as realidades cotidianas e as transcendentes.
O texto citado fala que a palavra de Deus ajuda a fazer o discernimento. Constantemente há a necessidade de fazer escolhas, tomar posição, decidir. Nem tudo na vida é tão evidente, principalmente quando se trata das decisões existenciais. A existência de inúmeras palavras, nas quais estamos imersos, influenciam nas decisões. Quais delas são as mais profundas? Quais delas vão além das aparências e do imediato. Quais delas falam daquilo que precisamos ouvir e não somente aquilo que queremos ouvir? Uma palavra acertada numa tomada de decisão é sabedoria.
A palavra de Deus “julga os pensamentos e as intenções do coração”. Em outras palavras, julgar pensamentos e ações é uma preocupação com as possíveis ações. É reduzir o risco de errar. O julgamento de erros sempre é doloroso para quem errou, além de ser impossível reparar totalmente os danos causados. A palavra de Deus querendo o bem começa julgando os pensamentos e as intenções antes de se concretizarem em ações. É o método do cuidado, da prevenção.
A palavra de Deus para manter-se palavra de Deus na atualidade exige discernimento no seu uso. É ter a capacidade de reinterpretar ou de reler o texto no contexto em que se encontra o indivíduo e a comunidade. Em meio a mudanças de época, vale a recomendação “para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, a saber o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito” (Romanos 12,2). Não acrescentando novos preceitos, nem apagar os que estão escritos, mas orientar as decisões morais, segundo o Evangelho.
A cultura atual tem a força das imagens. Creio, porém, que não podemos subestimar a força das palavras proferidas. Escutamos que fulano “falou e não cumpriu”, “disse que vinha e não veio”, “o que me disse me machucou” além de uma infinidade de expressões que revelam o poder da palavra. Palavras afagam, consolam, orientam, mas também induzem ao erro, agridem, recriminam e fazem sofrer. Usar palavras na hora certa, no lugar certo e para a pessoa certa é sabedoria. A palavra de Deus é referência para as nossas palavras.
Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo
09 de setembro de 2016