A missão do Bispo

    A nossa Arquidiocese recebe mais um Bispo Auxiliar que está sendo ordenado neste final de semana em Cachoeiro de Itapemirim, no Espirito Santo. É uma boa ocasião para refletir, ainda que de modo breve, sobre a importância do Bispo na Igreja, como sinal de unidade e exemplo de serviço ao Povo de Deus a ele confiado. Faz parte da missão que temos em aprofundar e esclarecer catequeticamente aqueles com quem nos relacionamos na missão pastoral. Atenho-me para isso ao Catecismo da Igreja Católica e a textos seletos dos Padres (no sentido de pais da fé) da Igreja. Creio que uma leitura direta da fonte muito ajudará e melhor entender, no campo da fé, a função de um Bispo na Igreja, seja ele auxiliar ou diocesano, ainda que cada um tenha, na prática, funções canônicas diferenciadas.
    Lemos no parágrafo 861 do Catecismo da Igreja Católica a propósito dos Apóstolos: “Para que a missão que lhes fora confiada pudesse ser continuada depois da sua morte, os Apóstolos, como que por testamento, mandaram os seus cooperadores imediatos para levarem a cabo a sua tarefa e consolidarem a obra por eles começada, encomendando-lhes a guarda do rebanho em que o Espírito Santo os tinha instituído para apascentar a Igreja de Deus. Assim, instituíram homens nestas condições e tudo dispuseram para que, após a sua morte, outros homens provados tomassem conta do seu ministério” (Lumen Gentium 20, citando São Clemente de Roma in Cor 42,44).
    E continua o mesmo Catecismo a dizer, no n. 862, que “Do mesmo modo que o encargo confiado pelo Senhor singularmente a Pedro, o primeiro dos Apóstolos, e destinado a ser transmitido aos seus sucessores, é um múnus permanente, assim também é permanente o múnus confiado aos Apóstolos de serem pastores da Igreja, múnus cuja perenidade a ordem sagrada dos bispos deve garantir”. Por isso, a Igreja ensina que, “em virtude da sua instituição divina, os bispos sucedem aos Apóstolos como pastores da Igreja, de modo que quem os ouve, ouve a Cristo e quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo” (Lumen Gentium 20).
    Aí está expresso, em suma, tudo aquilo que a Igreja expressa a respeito do Bispo enquanto legítimo sucessor dos Apóstolos e sinal da unidade em uma Igreja Particular. Embora com a colaboração de todos os homens e mulheres no santo Batismo, é em torno do Bispo que a Igreja particular vive porque ele é chamado a bem servir a cada um, inclusive aos não católicos, na caridade.
    Daí, escrever Santo Inácio de Antioquia, falecido no ano 107, o que segue: “Segui ao bispo, vós todos, como Jesus Cristo ao Pai. Segui ao presbítero como aos apóstolos. Respeitai os diáconos como ao preceito de Deus. Ninguém ouse fazer sem o bispo coisa alguma concernente à Igreja. Como válida só se tenha a eucaristia celebrada sob a presidência do bispo ou de um delegado seu. A comunidade se reúne onde estiver o bispo e onde está Jesus Cristo está a Igreja católica. Sem a união do bispo não é lícito batizar nem celebrar a eucaristia; só o que tiver a sua aprovação será do agrado de Deus e assim será firme e seguro o que fizerdes” (Cirilo Folch Gomes, OSB. Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 43-44).
    Também no combate à heresia gnóstica, Santo Ireneu († 202) dizia: “Ora, todos esses hereges são de muito posteriores aos bispos, aos quais os Apóstolos entregaram as Igrejas [particulares]… Necessariamente, pois, tais hereges, cegos para a verdade, mudam sempre de direção e disseminam as doutrinas de modo discordante e incoerente. Ao contrário, o caminho dos que pertencem à Igreja cerca o universo inteiro e, possuindo a firme tradição dos apóstolos, faz-nos ver que todos possuímos a mesma fé” (Contra as Heresias apud Felipe Aquino. Igreja Apostólica no site http://www.divinoespiritosanto.org/igreja_catolica_apostolica.htm).
    O mesmo Santo Padre da Igreja demostra a importância da sucessão apostólica por meio das seguintes palavras: “Foi inicialmente na Judéia que [os apóstolos] estabeleceram a fé em Jesus Cristo e fundaram igrejas, partindo em seguida para o mundo inteiro a fim de anunciarem a mesma doutrina e a mesma fé. Em todas as cidades iam fundando Igrejas das quais, desde esse momento, as outras receberam o enxerto da fé, a semente da doutrina, e ainda recebem cada dia para serem igrejas. É por isso mesmo que sejam consideradas como apostólicas, na medida em que forem rebentos das igreja apostólicas. É necessário que tudo se caracterize segundo a sua origem. Assim, essas igrejas, por numerosas e grandes que pareçam, não são outra coisa que não a primitiva Igreja apostólica da qual procedem. São todas primitivas, são todas apostólicas e TODAS UMA SÓ. Para atestarem a sua unidade, comunicam-se reciprocamente na paz, trocam entre si o nome de irmãs, prestam-se mutuamente os deveres da hospitalidade… Desde o momento em que Jesus Cristo, nosso Senhor, enviou os apóstolos para pregarem, não se podem acolher outros pregadores senão os que Cristo instituiu. Pois ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho tiver revelado.” (idem).
    Santo Hipólito de Roma (160-235), mártir e autor de belos textos litúrgicos nos deixou a seguinte preciosidade: “Seja ordenado bispo quem for irrepreensível e tiver sido eleito por todo o povo. Uma vez designado e aceito por todos, reúna-se o povo juntamente com o presbitério e os bispos presentes, no domingo. Com o consentimento de todos, imponham os bispos sobre ele as mãos, permanecendo imóvel o presbítero. Mantenham-se todos em silêncio, orando em seu coração pela descida do Espírito. A seguir, um dos bispos presentes, instado por todos, impondo a mão sobre o que é ordenado bispo, reze dizendo: Deus Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação, que habitas as alturas e baixas o olhar para o que é humilde, tu, que conheces todas as coisas antes de nascerem, tu que destes as leis da tua Igreja pela palavra da tua graça, elegendo desde o princípio a raça dos justos de Abraão, constituindo os chefes e os sacerdotes; tu, que não deixaste sem administração o teu santuário; tu, que desde o início dos séculos te aprouveste em ser glorificado neste que escolheste, derrama agora a força que vem de ti, o Espírito de governo que deste a teu Filho querido, Jesus Cristo, e que Ele concedeu aos santos apóstolos, os quais constituíram por toda parte a tua Igreja, teu Templo, para glória e louvor perpétuo do teu nome. Pai, que conheces os corações, concede a este servo que escolheste para o episcopado, apascentar o teu santo rebanho e desempenhar irrepreensivelmente diante de ti o primado do sacerdócio, servindo-te noite e dia. Concede-lhe tornar incessantemente propícia a tua face, oferecer as oblações da tua santa Igreja e, com o espírito do sacerdócio superior, ter a faculdade de perdoar os pecados segundo a tua ordem, distribuir os cargos segundo o teu preceito; dissolver quaisquer laços, segundo o poder que deste aos apóstolos, ser do teu agrado pela ternura e pureza de coração, oferecendo-te um perfume agradável, por teu Filho Jesus Cristo, pelo qual a ti a glória, o poder e a honra, ao Pai e ao Filho, com o Espírito Santo na santa Igreja, agora e pelos séculos dos séculos. Amém” (Cirilo Folch Gomes, OSB. Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 172-173).
    Os Bispos para serem considerados legítimos sucessores dos Apóstolos devem ser – de modo válido e lícito – ordenados (fora da cidade de Roma) pela imposição das mãos de um sagrante principal e de mais alguns Bispos, como sinal da colegialidade apostólica, e estar em plena comunhão com toda a Igreja, em união com o Papa e com os demais Bispos no que diz respeito à fé, à liturgia e à pastoral, no que esta tem de essencial. No acidental, há diferentes orientações em cada região ou país.
    No entanto há diferenças entre um Bispo e um Apóstolo do Colégio dos 12 que estiveram com o Senhor Jesus. Os teólogos apontam as seguintes distinções: 1) os Bispos não são testemunhas diretas da ressurreição de Cristo, mas a testemunham, de modo indireto, pela fé da Igreja; 2) Não podem, como os Apóstolos estabelecer tradição normativa de fé, mas devem seguir a grande Tradição bimilenar da Igreja; 3) os Bispos, salvo o de Roma pela função exercida, não têm o carisma da infalibilidade nem a jurisdição, de fato e de direito, sobre a Igreja inteira. Cada qual se limita à sua diocese. O poder infalível dos Bispos só se dá, portanto, enquanto colégio apostólico, em matéria de fé e moral, reunidos em Concílio com anuência do Papa e 4) À exceção do Papa, um Bispo não sucede a um Apóstolo em específico. A sucessão se dá do Colégio dos Apóstolos para O Colégio dos Bispos, de grupo para grupo (cf. Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de Eclesiologia. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1996, p. 139-140).
    Portanto, Bispo é Bispo, seja ele auxiliar ou diocesano. O que muda é a função no como o ministério episcopal é exercido. Enquanto o diocesano tem responsabilidade diretiva no serviço ao Povo de Deus a ele confiado, o auxiliar o ajuda nesse serviço em plena, fiel e irrestrita comunhão com ele. Deve-lhe colaboração no trabalho exercido: a distinção canônica apenas divide funções, mas não regula a sucessão apostólica, que é de fé.
    Acolhamos como verdadeiro sucessor dos Apóstolos nosso Bispo Auxiliar, Dom Juarez Delorto Secco, que vêm para trabalhar nesta vinha do Senhor que é a nossa querida Arquidiocese do Rio de Janeiro que tem a missão nessa grande e especial cidade. Este Arcebispo e o Povo de Deus acolhe de coração e de braços abertos o novo auxiliar. Seja bem vindo! Ao agradecermos, no dia 7 de Outubro, as 8:30 da manhã, o nosso Ano Mariano, nós também o receberemos solenemente em nossa Catedral Metropolitana.
    Deus nos abençoe e nos leve à meta almejada!

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