Para aqueles que entendem a Quaresma como um tempo centrado apenas na penitência, na conversão ou mesmo na consideração de como Deus castigará por nossas más ações, é muito importante refletir, de maneira cuidadosa, sobre as leituras do segundo domingo da Quaresma.
Nenhuma das três leituras apresenta uma palavra negativa. Todas falam de maneira positiva. A primeira é uma bênção de Deus sobre Abraão(cf. Gn 12,1-4a). Com certeza, Deus coloca à prova a fé de Abraão. Deus o convida a deixar sua terra, a deixar tudo. Nessa viagem em direção ao desconhecido, só conta com a promessa de Deus. E, o que é ainda melhor, com sua bênção. Três vezes aparece nessa leitura o verbo abençoar. É uma bênção que recai sobre Abraão, sua família e seus descendentes. Parece que o encontro com Deus deu a Abraão nova direção, novo sentido para sua vida. Deus o convida a deixar sua terra, não para sofrer, mas para chegar a uma terra na qual receberá a bênção do Senhor.
A segunda leitura(cf. 2Tm 1,8b-10) nos abre ainda mais a perspectiva. A salvação oferecida por Deus não é apenas para Abraão, mas para todos. Desde antes da criação, nos diz São Paulo, Deus dispôs-se a dar-nos sua graça e salvou-nos. A salvação não depende de nossos esforços nem méritos, mas da pura graça de Deus que nos oferece gratuitamente. E é neste tempo em que estamos: tempo de graça, de salvação, de presença entre nós do amor gratuito de Deus.
O Evangelho(cf. Mt 17,1-9) nos oferece o relato da transfiguração. Trata-se de um relato surpreendente. Parece que, em um determinado momento, os apóstolos ficaram deslumbrados com a personalidade de Jesus. Perceberam com clareza como se manifestava nele a graça, o poder, o amor e a salvação de Deus. Sentiram-se confirmados em sua fé. Deram-se conta de que, apesar da possibilidade de poder tornar-se mais ou menos difícil seguir Jesus, iriam encontrar, caso o fizessem até o fim, a luz, a salvação e a graça. A mensagem do Pai nos convida precisamente a seguir Jesus: “Este é o meu Filho, escutem-no.”
Três leituras, portanto, que nos convidam a tomar o caminho adequado, a sairmos de nossa terra, da vida à qual estamos acostumados, para irmos à terra em que encontraremos a bênção de Deus; para descobrirmos que a salvação de Deus nos foi oferecida desde sempre, para nos deixarmos deslumbrar pela luz de Deus.
A Quaresma não é, portanto, um tempo de escuridão. Na escuridão vivíamos antes da Quaresma. Agora, somos convidados a abrir os olhos para a luz. O que acontece, por vezes é que a luz, quando é intensa, deslumbra e leva um pouco de tempo para nos acostumarmos. Para isso é a Quaresma: para nos acostumarmos com a luz.