A lucidez e clarividência do Papa de apontar o essencial

A segunda reflexão do padre José Maria Pacheco Gonçalves sobre os últimos tempos do pontificado do Papa Francisco.

Rui Saraiva – Porto

O padre José Maria Pacheco Gonçalves, jornalista durante muitos anos da redação de língua portuguesa da Rádio Vaticano e um atento comentador da atualidade da Igreja, iniciou na semana passada uma trilogia de comentários sobre o estado atual do pontificado de Francisco e da reforma que o Papa quer imprimir à Igreja. Esta é a segunda parte da entrevista que o padre José Maria nos concedeu.

P: Quais poderão ser as ondas de choque destas revelações, de toda esta situação de pressão mediática. Em tudo isto em que é que fica o Povo de Deus? O Santo Padre já lhe escreveu uma carta… Mas na sua opinião e depois de tantos anos a viver ali junto da Santa Sé num órgão de informação, que significado é que pode ter tudo isto para os fiéis?

R: Eu penso que temos que ter em conta o horizonte da vida da Igreja e da humanidade. Nós agora estamos debaixo desta pressão e estamos debaixo de uma certa emotividade, porque é um tempo de turbulência. Mas, o que me impressiona mais no Papa neste momento, é que ele continua na normalidade. Continua a celebrar em Santa Marta e a fazer as suas homilias com o vigor e a interpelação de sempre, continua muitas vezes a improvisar nomeadamente nos encontros mais importantes, que noutros tempos seria um discurso formal, mas ele tem tido sempre coisas vivas, importantes, atuais e interpeladoras a dizer e di-lo. E temos que desdramatizar também um bocado a situação.

Ao nível da Igreja, o essencial até este momento está salvo tanto quanto humanamente se pode falar nestes termos. Continua a ser verdade que há pecado, que há maus exemplos, que há traições. Mas continua a ser verdade que a Igreja continua a ser santa, católica, apostólica, romana.

Neste momento, se calhar, é também um tempo purificador e isso em si é positivo, sem querer deitar água benta ou ser otimista de maneira despropositada, mas eu creio que nós precisamos de sangue frio e de manter o horizonte largo para além das circunstâncias imediatas. Daqui a uns anos o Papa Francisco, que já está com oitenta e tal, vai ter que renunciar ou chegará o momento de nos deixar e a Igreja vai continuar. O que é mais chocante e mais triste é pensar que o Papa Francisco foi escolhido, precisamente, para renovar a Igreja, para se sair de um certo marasmo e de uma série de escândalos que tinham surgido na Cúria Romana. Essa foi uma das razões que levaram o Papa Bento XVI, muito justamente, a resignar.

E aqui vem-me sempre à ideia aquele encontro que o Papa Francisco teve em Castel Gandolfo com o Papa Bento XVI. E as imagens que toda a gente viu com os Papas que estavam sentados um frente ao outro e havia dois grandes caixotes de papelão com o relatório que três cardeais nomeados por Bento XVI tinham apurado sobre os desmandos que ocorriam na Curia Romana. Eu pensei na altura: o que é que o Papa Francisco vai fazer com aquilo? Provavelmente, ele não perdeu tempo com isso, porque não era por aí. Ele não podia entrar numa de pensar que a renovação da Igreja e da Cúria Romana passava pelo apuramento das responsabilidades pessoais de cada um, com condenações, com processos, que era um marasmo e nunca se saia daí. O que ele fez foi anunciar o Evangelho, viver numa atitude mais pastoral e chamar a atenção para os riscos da tentação do poder quando falou aos núncios, quando falou aos bispos, quando falou aos seminaristas.

P: O que é que podem fazer, o que é que devem fazer, na sua opinião, os católicos mais empenhados para ajudar o Papa e para serem, no meio deste turbilhão, testemunhas do Evangelho?

R: A grande orientação está naquela excelente Exortação Apostólica que é “A alegria do Evangelho”. Está lá tudo! E mais uma vez o Papa tem uma lucidez e uma clarividência de apontar o essencial e com expressões muito eficazes: a questão da saída, a questão do não à auto referencialidade significa que as pessoas continuem com uma grande criatividade. Por um lado, em contacto com as pessoas, não fechados numa concha, por outro lado, com uma grandíssima atenção aos sofrimentos e aos problemas fundamentais do mundo. E isso passa pela questão da justiça e paz, mas também pela ecologia e aí temos a “Laudato Sí”. E depois tantas outras questões como a família. Os sínodos que têm havido têm tocado em questões fundamentais. O que se pede é que as pessoas tenham esta capacidade de continuar serenamente a viver a vida quotidiana com esta certeza de que quem semeia um dia colherá.

Era o padre José Maria Pacheco Gonçalves que voltará com uma última reflexão sobre o momento atual do pontificado do Papa Francisco, na próxima edição desta nossa rubrica “Sal da Terra, Luz do Mundo”.

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