A Imaculada Conceição de Maria

    Mensagem especial lança a Virgem Imaculada no recesso de todos os corações no dia oito de dezembro. Ela, apenas ela, surgiu pura e ilibada desde o primeiro momento de suas existência e se levantou sobre as ruínas da humanidade, restaurando a dignidade da espécie humana. Tal a sina de todo homem que vem a este mundo: nasce com a mancha do pecado original. Este é um dos dogmas fundamentais da fé. Nele se acha a explicação do contraste terrível que existe no mais profundo de cada ser racional, manancial inditoso da ininterrupta luta do homem consigo mesmo. Aí está a gênese de todas as lágrimas, a fonte de todos os atos heróicos que enchem as estatísticas do bem, mas também a nascente de todas as misérias que rutilam nas crônicas do mal. Decadência de nossa natureza, fora dos planos divinos, o pecado original faz da travessia terrena arena de combate e torna a virtude uma conquista, a nobreza uma vitória, a moralidade um êxito brilhante. Torna o bem mérito; o mérito, glória; a glória, felicidade perene para os que impõem em sua existência o primado dos valores espirituais, sobre as tendências inferiores que, desgovernadas, materializam. A grandeza moral que no pensamento de Deus devia ser antes fruto espontâneo da natureza passou a ser beatificante, mas  se tornou árdua conquista de uma vida de esforços e lutas. Clamava Petrarca: “Vejo o melhor e ao pior me apego”. Antes dele Ovídio lamentava: “Vejo o que é melhor, provo isto, mas sigo o pior”, o que, na linguagem famosa de São Paulo, significa: “Sinto em meus membros uma lei que contraria a lei do meu espírito, pela qual me sinto inclinado a fazer o mal que não quero e não faço o bem que desejo” (Rm 7,23). São precisamente os clarões luminosos da magno triunfo sobre a desordem interior instaurada pelo pecado original que fizeram os grandes heróis e as vidas gloriosas dos santos que sob o ideal celestial, que é Maria Imaculada, realizaram a seu exemplo toda bondade, toda grandeza que Deus espera de cada um. Os santos tiveram que enfrentar grandes batalhas espirituais. No recesso do claustro São Bernardo, o poeta de Maria, sentia a fascinação terrível do mal. Santa Teresa, a preclara carmelita, percebia o encanto profundo das vaidades no fundo de seu convento. Na solidão do deserto Santo Antão jogava-se contra os espinheiros para se mortificar. Requintes de heroísmo surgem na vida de um São Francisco de Assis a se lançar contra a neve em pleno inverno, de um São Luis Gonzaga entre as mais rudes penitências, de um São Bento a multiplicar cilícios, porque os mais terríveis impulsos os queriam arrastar ao mal. Simão estilita, anacoreta que vivia longe do convívio social, para cantar o hino do triunfo, tinha a sua cela no cimo de colunas em ruínas, orando dia e noite. Santa Clara, na austeridade de vida, no rigor de mortificações assombrosas, ascendia à montanha da perfeição. Santa Azela, virgem em Roma e dentro de Roma e quando Roma era o maior teatro das delícias e vaidades do mundo fez da populosa cidade ermo, para espiritualizar-se na virtude. Na vida de todos os santos chamem-se eles Ambrosio ou Cipriano, Luzia ou Inês, Rita de Cássia ou Antônio de Pádua, na arena de seus corações houve sempre o magno combate. Hoje ostentam palmas e coroas, porque, lutando, fizeram a grande opção pela virtude, pelo bem, pela felicidade autêntica, pela grandeza genuína, ideais que contemplaram em Maria Imaculada. Com São Paulo puderam repetir no fim de suas vidas: “Combati o bom combate, guardei a fé, agora só me resta esperar a coroa que o justo Juiz me reserva” (2 Tm 4,7).Tudo isto alerta da Mãe celeste, pois a ascensão moral é tarefa árdua que só com a morte cessa. No épico combate cantam tais e tantas vitórias, conhecem tamanhos e tão nobres triunfos os que inspirados por ela se sobrepõem às aliciações da matéria e voam às alcantiladas regiões do espírito, através da renúncia e do sacrifício, atraídos e fascinados pela magnificência de sua celestial pureza. Tudo isto convite da Virgem Imaculada a que se imitem como tais santos sua santidade gloriosa e isto tanto mais se impõe ao cristão de hoje, quanto mais a humanidade se deixa empolgar pelas atrações terrenas. Propagar o reinado de Maria Imaculada na sociedade e nos lares, nas ruas e lugares de diversão, empolgar a todos pelo ideal da virtude, afastar a muitos da frivolidade indigna de almas imortais, fazendo surgir eflorescências de atos inspirados por Ela, é empreender uma cruzada, por excelência, evangelizadora. É uma obra  que leva à serenidade, à paz, à tranqüilidade, ao bem estar comum. É o mais nobre, o mais importante ideal que pode estadear-se para os filhos da Mãe Imaculada, pois significa prosperar a família e a nação e espiritualizar os indivíduos e a sociedade toda.

     

    * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.