A Igreja celebra

    Neste mês de dezembro estamos comemorando a promulgação dos dois primeiros documentos do Concílio Vaticano II, do qual celebramos seu jubileu de ouro. Um deles é o da Liturgia.
    O sagrado Concílio nos apresenta a “Igreja como mistério de Cristo”, lugar primordial para o anúncio do Evangelho: “A liturgia, com efeito, mediante a qual, especialmente no divino sacrifício da eucaristia, “se atua a obra da nossa redenção” contribui sumamente para que os fiéis exprimam em suas vidas e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a genuína natureza da verdadeira Igreja (…), assim sendo, a liturgia, enquanto edifica aqueles que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em habitação de Deus no Espírito, até atingir a medida da plenitude de Cristo, ao mesmo tempo e de modo admirável robustece as suas forças para que preguem o Cristo; e assim aos que estão fora, ela mostra a Igreja como estandarte erguido diante das nações, sob o qual os filhos dispersos de Deus possam reunir-se na unidade, para que haja um só rebanho e um só pastor” (SC 2). Desta forma, a liturgia constitui a maior epifania ou manifestação da Igreja.  A Igreja evangeliza, sobretudo, através da celebração da fé, através das ações litúrgicas.
    Comemoramos, pois, os cinquenta anos da Sacrosanctum Concilium, a Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia: é importante recordar que este documento teve sua inspiração no Movimento Litúrgico. Movimento este que apresentou um processo cultural e espiritual complexo, de vastíssimo alcance. Temos personagens importantes que participaram deste processo, como por exemplo, o abade Próspero Guéranger, Lambert Beauduin, Pio XII com a publicação da Mediator Dei e outros colaboradores que ofereceram aos padres conciliares um tesouro riquíssimo e, como definiu o Papa Pio XII: “como passagem do Espirito Santo pela Igreja”. A preocupação da “volta às fontes” procurando trazer a experiência da Igreja em toda a sua tradição motivou estudiosos e pesquisadores a colaborarem para uma pastoral litúrgica fiel à tradição mais antiga da Igreja.
    Que assuntos relevantes este movimento pré-conciliar trouxe para a renovação da vida litúrgica? Em primeiro lugar, as atenções se concentravam principalmente na correta celebração do sacrifício da missa, dos sacramentos, da liturgia das horas e do ano litúrgico. Outro aspecto relevante é que a ação litúrgica celebrada nos configure a Cristo e à sua ação salvífica por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, tanto no recolhimento adorante da oração diante do Senhor, como também mediante a participação ativa na ação sagrada.
    A Sacrosanctum Concilium aprofunda alguns assuntos que se tornarão depois uma caminhada importante para a Igreja: Os princípios Gerais da Reforma, o Incremento da Liturgia; o Sacrossanto Mistério da Eucaristia; os demais Sacramentos e sacramentais; o Ofício Divino; o Ano Litúrgico; a Música Sacra; e a Arte Sacra e as Sagradas Alfaias.
    Ao celebrarmos o cinquentenário da publicação deste sacro documento, quero louvar, bendizer e agradecer a Deus pelos muitos esforços, lutas e fadigas, do pioneirismo de padres, leigos e bispos, e o empenho para aplicar o Concílio no contexto de nossa realidade, não obstante as dificuldades encontradas no caminho. Muita coisa bonita vem acontecendo em nossas comunidades eclesiais em toda a parte. A Igreja no Brasil pode se alegrar com os frutos colhidos ao longo desses 50 anos de intensa renovação litúrgica. Com realismo pastoral, a renovação litúrgica trouxe “alegria e esperança” para todos. As iniciativas são muitas e os cursos, formações, semanas e seminários de liturgia, comissões de liturgia nas (arqui)dioceses, regionais, aprofundamentos nas universidades, hinário, cursos de canto pastoral, arte sacra, organização dos folhetos litúrgicos; a equipe de revisão dos Documentos sobre a Liturgia, na missão de traduzir os livros litúrgicos como o Missal, Rituais para os Sacramentos, Livro de Bênçãos e Lecionários na língua português-brasileira, são frutos do trabalho de organização da Comissão Episcopal para a Liturgia da CNBB inspirados na Sacrosanctum Concilium. Porém, os desafios ainda são muitos neste processo de implantação da atualização litúrgica do Concílio Vaticano II.
    Fomos conduzidos à centralidade cristólogica que contribuiu para uma maior participação dos fiéis. Completando cinquenta anos de promulgação da Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, é tempo de reconhecer que o Espírito Santo, de fato, está conduzindo a caminhada da Igreja, e que, “a sagrada liturgia não esgota toda a ação da Igreja; com efeito, antes que os homens possam achegar-se à liturgia, é necessário que sejam chamados à fé e à conversão: “Como poderiam invocar Aquele em quem não creram? E como poderiam crer Naquele que não ouviram? E como poderiam ouvir sem pregador? E como podem pregar se não forem enviados?” (Rm 10,14-15)” (SC 9), pois Ele é o cume e a fonte para o qual se dirige toda ação da Igreja (SC 10).
    Dessa forma, celebrando bem o mistério do Senhor que entregou Sua vida por nós e está presente Ressuscitado no meio de nós, a Igreja procura corresponder ao chamado de Cristo. A Constituição Conciliar Lumem Gentium afirma que “a luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15)” (LG 1).
    Refletindo sobre o caminho percorrido nestes 50 anos, pedimos ao Senhor que nos faça sempre mais fiéis como discípulos missionários que celebram o Mistério Pascal para transmitirmos essa “luz” de Cristo ao mundo de hoje.