Faz algum tempo, uma revista da cidade de Nova York/EUA, publicou um estudo realizado sobre as famílias norte-americanas. De um lado estava o lar de Maximiliano Jukes, homem violento, incrédulo e sem princípios, casado com uma jovem tão sem princípios e irreligiosa quanto ele. Até o momento em que se completou o referido estudo, observou-se que seus descendentes foram 1.206, dos quais 300 morreram cedo; 100 foram encarregados por vários delitos; 109 se entregaram ao vício e à imoralidade; 102 puseram-se a beber; toda esta família custou ao Estado de Nova York 1.100.000 dólares (aproximadamente sete milhões de reais).
Por outro lado, examinou-se a família de Jonathas Edwards, homem bem educado, com princípios solidário e cristão, que se uniu em matrimônio com Sarah Pierrepont, uma mulher elegante, do mesmo nível e também cristã. Seus descendentes foram 729, dos quais 300 foram pregadores cristãos; 13 foram reitores de universidades; 6 autores de bons livros; 3 deputados e 1 presidente da nação. Essa família não custou um dólar sequer ao Estado.
A grande diferença entre ambas as famílias não se deu por mero acaso. Enquanto a primeira colheu os resultados da depreciação da fé e renegou o respeito pela dignidade da pessoa humana, a segunda desfrutou prosperidade e beneficiou a sociedade como fruto de uma educação equilibrada, princípios humanos e uma fé devidamente inculcada e praticada. O marcante contraste entre as referidas famílias ilustra o inegável poder da fé em Deus de amor, sem fanatismo, como uma força espiritual que eleva e enobrece os lares onde ela é cultivada com honestidade e sabedoria.
Uma das causas do descalabro mundial que tanto nos aflige, e que começa por lares mal estabelecidos, é precisamente a ausência de uma educação fundamentada no amor, no carinho, no afeto, no diálogo e na justiça. Sem fé, sem caridade, sem respeito e sem reconhecimento de patologias na família, não pode haver lares felizes e harmoniosos e a sociedade será vítima de seus membros. E como consequência de tais patologias, materialismo, individualismo, hedonismo, descrença, insensibilidade espiritual, o mal prolifera em toda parte e se desenvolve sem controle. Quer dizer, a decadência típica de nossa civilização obedece a um abandono geral dos valores morais, ignorância de terapias mentais e comportamentais, o erro gravíssimo de não buscar a cura interior e a terrível boçalidade do à libido. Não dúvida! A corrupção interior é a raiz, a fonte para todos os males.
Se verdadeiramente os princípios educacionais, famílias tratadas e a espiritualidade fossem cultivados em todos os lares, não existiria tamanha rebeldia por parte dos filhos, abuso sexual, violência, nem delinquência juvenil, nem escravidão das drogas, nem prostituição, nem tampouco os males característicos de nossos dias. Felizes são os pais que vivem uma vida coerente, transparente, que agem e falam com sinceridade, primando no relacionamento saudável com os filhos pela confiança mútua, pelo equilíbrio emocional e pelo amor.
Psicanálise Clínica
A psicoterapia psicanalítica exerce a função da independência das amarras psicológicas e a libertação das tradições, sociais e culturais de poderes corruptos familiares. Cortar o vínculo opressor e trabalhar o inconsciente, configurar a consciência numa modalidade abissal de autoconhecimento em prol do sentido da vida e a sua qualidade de saúde física, emocional e espiritual.
A sapiencialidade cientifica da psicanálise clínica tem a visão antropológica do contexto: genético, o tradicionalismo onomástico, econômico e cultural. A onomástica não só é importante para criar conhecimentos sobre uma língua, mas que também fornece informação sobre outras áreas, sobretudo aquelas relacionadas com o estudo do passado.
Dentro da onomástica se encontra o estudo da antroponímia. A antroponímia é o estudo dos nomes próprios das pessoas, sejam prenomes ou apelidos de família (português europeu) ou sobrenome (português brasileiro), e que tem grande relevância para a história política, cultural, das instituições e das mentalidades.
A epistemologia psicanalítica usa de seus mecanismos e ferramentas para o equilíbrio psíquico, salutar relacionamento: individual, familiar e social das futuras gerações. A família psicanalisada é a família que vive a realidade progressiva da paz, da fé, da felicidade e da qualidade de vida.
A herança emocional dos nossos antepassados
A herança emocional é tão decisiva quanto intransigente e impositora. Estamos enganados quando pensamos que a nossa história começou quando emitimos o nosso primeiro choro. Pensar dessa forma é um erro, porque assim como somos o fruto da união do óvulo e do esperma, também somos um produto dos desejos, fantasias, medos e toda uma constelação de emoções e percepções que se misturaram para dar origem a uma nova vida.
Atualmente falamos muito sobre o conceito de “história familiar”. Quando uma pessoa nasce, ela começa a escrever uma história com suas ações. Se observarmos as histórias de cada membro de uma família, encontraremos semelhanças essenciais e objetivos comuns. Parece que cada indivíduo é um capítulo de uma história maior, que está sendo escrita ao longo de diferentes gerações.
Esta situação foi muito bem retratada no livro “Cem Anos de Solidão”, do escritor colombiano Gabriel García Márquez, que mostra como o mesmo medo é repetido através de diferentes gerações até que se torna realidade e termina com toda uma linhagem. O que herdamos das gerações anteriores são os pesadelos, os traumas e as experiências mal resolvidas.
A herança de nossos antepassados que atravessa gerações
Esse processo de transmissão entre as gerações é algo inconsciente. Normalmente são situações ocultas ou confusas que causam vergonha ou medo. Os descendentes de alguém que sofreu um trauma não tratado suportam o peso dessa falta de resolução. Eles sentem ou pressentem que existe “algo estranho” que gravita ao seu redor como um peso, mas que não conseguem definir o que é.
Por exemplo, uma avó que foi abusada sexualmente transmite os efeitos do seu trauma, mas não o seu conteúdo. Talvez até mesmo seus filhos, netos e bisnetos sintam uma certa intolerância em relação à sexualidade, ou uma desconfiança visceral das pessoas do sexo oposto, ou uma sensação de desesperança que não conseguem explicara.
Essa herança emocional também pode se manifestar como uma doença. A psicanalista francesa Dra. Françoise Dolto, disse, “o que é calado na primeira geração, a segunda carrega no corpo”.
Assim como existe um “inconsciente coletivo”, também existe um “inconsciente familiar”. Nesse inconsciente estão guardadas todas as experiências silenciadas, que estão escondidas porque são um tabu: suicídios, abortos, doenças mentais, homicídios, perdas, abusos, etc. O trauma tende a se repetir na próxima geração, até encontrar uma maneira de tornar-se consciente e ser resolvido.
Esses desconfortos físicos ou emocionais que parecem não ter explicação podem ser “uma chamada” para que tomemos consciência desses segredos silenciados ou daquelas verdades escondidas, que provavelmente não estão na nossa própria vida, mas na vida de algum dos nossos antepassados.
O caminho para a compreensão da herança emocional
É natural que diante de experiências traumáticas as pessoas reajam tentando esquecer. Talvez a lembrança seja muito dolorosa e elas acreditam que não serão capazes de suportá-la e transcendê-la. Ou talvez a situação comprometa a sua dignidade, como no caso de abuso sexual, em que apesar de ser uma vítima, a pessoa se sente constrangida e envergonhada. Ou simplesmente querem evitar o julgamento dos outros. Por isso, o fato é enterrado e a melhor solução é não falar sobre assunto.
Este tipo de esquecimento é muito superficial. Na verdade o tema não está esquecido, a lembrança é reprimida. Tudo que reprimimos se manifesta de outra forma. Isto significa que uma família que tenha vivenciado o suicídio de um dos seus membros provavelmente vai experimentá-lo novamente com outra pessoa de uma nova geração. Se a situação não foi abordada e resolvida, ficará flutuando como um fantasma que voltará a se manifestar mais cedo ou mais tarde. O mesmo se aplica a todos os tipos de trauma.
Cada um de nós tem muito a aprender com os seus antepassados. A herança que recebemos é muito mais ampla do que supomos. Às vezes os nossos antepassados nos fazem sofrer e não sabemos o porquê.
Talvez tenhamos nascido em uma família que passou por muitas vicissitudes, e não saibamos qual é o nosso papel nessa história, na qual somos apenas um capítulo. É provável que esse papel nos tenha sido atribuído sem o nosso conhecimento: devemos perpetuar, repetir, salvar, negar ou encobrir as feridas destes eventos transformados em segredos.
Todas as informações que pudermos coletar sobre os nossos antepassados serão o melhor legado que podemos ter. Saber de onde viemos, quem são essas pessoas que não conhecemos, mas que estão na raiz de quem somos, é um caminho fascinante que só nos trará benefícios. Isto nos ajudará a dar um passo importante para chegar a uma compreensão mais profunda de qual é o nosso verdadeiro papel no mundo.
Conclusão
É de suma importância buscar conhecer de forma profunda a nossa árvore genealógica. De posse do conhecimento do passado familiar podemos acessar o menu e configurar as futuras gerações no bem-estar em todos os sentidos da vida.
Dependendo da família, da tradição e do contexto cultural, maldições, pragas, crendices e feitiços podem fazer parte danoso no quadro clínico psicológico, no fator conjugal, no relacionamento parentesco, na área econômica, acadêmica, política partidária, ideológica e patologias graves. Faz parte dessa historicidade os arquétipos. Os arquétipos são componentes de ordem impessoal e coletiva que se apresentam sob a forma de categorias herdadas. São sedimentos de experiências constantemente vividas pela humanidade em um processo repetitivo.
Por meio do autoconhecimento, do amor, da verdade e de terapia o passado traumático e tenebroso é destruído, resolvido e a felicidade familiar é o fundamento no presente e no futuro. Conhecer bem a nossa história nos garantes manter as rédeas da nossa vida! As verdades familiares precisam de continuidade e as infidelidades desconstruídas. Perpetuar a dignidade para o bem-estar físico e emocional das futuras gerações.
Dr. Inácio José do Vale, Psicanalista Clínico, PhD
Pós-graduado em Psicologia nas Organizações com Habilitação em Docência no Ensino Superior pela Faculdade Educamais de São Paulo-SP.
Psicologia, Educação e Desenvolvimento pela Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo-SP.
Especialista no Ensino de Filosofia e Sociologia pelo Centro Universitário Dr. Edmundo Ulson-Araras/SP.
Doutorado em Psicanálise Clínica pela Escola de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise Contemporânea. Rio de Janeiro-RJ. Esta é reconhecida e cadastrada na Organização das Nações Unidas – (ONU).
Fontes:
https://amenteemaravilhosa.com.br/heranca-emocional-antepassados/
DOLTO, F. Quando os Pais se Separam, 1988. Tradução: Vera Ribeiro, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1989.
DOLTO, F. Solidão, 1998. Tradução: Ivone Castilho Benedetti, Edit. Martins Fontes, São Paulo, 1998.
JUNG, C. G. Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 8. ed. Vozes, Petrópolis, 2011.