A alegria da cruz

    Em meio a um período de dor e sofrimento, que a Igreja apresenta como tempo quaresmal, eis que os sacerdotes católicos deixam de lado a cor roxa de suas celebrações e se vestem de rosa, para celebrar um dia de alegria. Outro momento assim celebrado é o Domingo da Alegria, o terceiro do Advento, ou “Gaudete”, que convida seu povo a alegrar-se pela proximidade da vinda do Senhor. Tem lógica. Já o quarto domingo da quaresma, denominado “Laetere” celebra – vejam só – a “alegria da cruz”. Como entender tão grande contradição litúrgica, quando bem sabemos o sentido mais evidente duma crucificação? Ou da cruz cotidiana?

    Aqui reside um dos maiores mistérios da fé cristã. Assim como a realização das promessas messiânicas trouxe júbilo ao povo de Deus, assim também o estandarte da cruz se tornou símbolo de sua redenção e salvação. Na travessia do deserto Moisés modelou um estandarte de bronze, representando uma serpente, e o instalou em local visível para que todo aquele ferido ou envenenado por uma serpente traiçoeira obtivesse a cura com a simples contemplação daquele objeto. Agora, a serpente no deserto é a cruz que “levantou” o Filho do Homem, “para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (palavras do próprio Cristo). Eis, pois, o simbolismo mais que enigmático, mas revelador, que a cruz cristã representa: um sinal de cura e libertação, de redenção plena, de imunidade ao veneno da Serpente maligna, aquela mesma dominada e esmagada pela mulher do Apocalipse… Eis a alegria da cruz!

    Vem-me à memória os muitos vídeos de vilipêndio à cruz cristã, abundantes hoje no mundo virtual. Verdade que uma cruz sempre representou a morte, o castigo, a mais abominável das condenações que uma sociedade minimamente humana pudesse aplicar a um semelhante. Verdade que o perjúrio de sua aplicação se destinava mais especificamente aos piores bandidos de uma comunidade humana. Mas igualmente verdade que, após a injusta condenação ao Cristo a cruz tornou-se símbolo da justiça maior, aquela que nos julga sem os critérios de nossas falácias e nossos julgamentos sempre tendenciosos. “Com esse sinal vencerás”, foi a grande revelação que Constantino descobriu ao contemplar uma cruz no seu caminho. Com esse sinal vencerás é o que nos revela a cruz bem aceita e conduzida pelos seguidores da fé cristã. Eis a nossa alegria!

    Não nos basta respeitá-la e adorá-la. O sinal libertador da cruz, para um cristão autêntico, é a certeza de ser esta um passaporte para a eternidade. “Tome sua cruz e siga-me”, afirmou o Mestre. Deixou-nos subtendido que seu caminho, necessariamente, passa pela cruz, pelo sacrifício de uma vida mais afeita a seus exemplos e ensinamentos, que só alcançará sua plenitude se forjada no calvário das renúncias, das injustiças que nos sufocam, das humilhações, da crucificação que padecemos cotidianamente, conquanto o mundo ainda não compreendeu o significado purificador do sinal da cruz.  Mas, antes, desafiou Nicodemos a nascer de novo. A ter uma nova visão e compreensão sobre o significado das cruzes cotidianas. Quando isto se der, quando a cruz de Cristo se levantar em todos os quadrantes desse mundo como bandeira de vitória, sinal de alegria livre do veneno da traição e do pecado, estará chegada a hora de presenciarmos um mundo novo. Haverá um novo “nascimento” para a humanidade. A cruz triunfará! Trará alegria àqueles que a contemplarem com fé e devoção. Será o instrumento de libertação que hoje precisamos para devolver dignidade à raça humana. Mais que tristeza e humilhação, a cruz assim contemplada, será sempre sinal de alegria…

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Please enter your comment!
    Please enter your name here