A experiência sensível da presença de Deus é uma graça a ser alcançada. Mas por que alguns se beneficiam dessa graça e outros não?
Um calor que nos invade, lágrimas que caem, uma voz que fala ao coração. Enquanto rezam, comungam, se confessam ou mesmo, como Paul Claudel, assistem sem convicção a um ofício litúrgico, alguns sentem na própria carne, às vezes de forma muito palpável, a presença de Deus. “Em um instante de segundo meu coração foi tocado e eu acreditei. Eu acreditava tanto, tamanha a elevação de meu ser, que desde então nenhum racionalismo foi capaz de abalar minha fé”, escreveu Paul Claudel.
Fascinantes, essas experiências agitam o coração de quem nunca as experimentou. “Deus não se interessa por mim, então?”, “Eu não sei nem rezar, como posso ama-lo?”, “Estou no caminho errado?”. Não, tranquiliza o padre Matthieu Aine, autor de Oração sem Incômodo. Pequeno manual para conversar com Deus (em tradução livre). “A experiência emocional não é um caminho necessário para chegar a Deus. Podemos muito bem juntar-nos a ele através de uma experiência de fé mais intelectual ou mais difusa, como uma certeza que toca o fundo da nossa alma”.
O que são essas sensações? São um dom, um presente de misericórdia enviado por Deus para nos ajudar a nos aproximar Dele. São Francisco de Sales fala de uma “amostra das delícias celestiais” dada por Deus àqueles que “entram no seu serviço, para os encorajar na busca do amor divino”. Santo Agostinho também viveu essa experiência: “Naqueles primeiros dias encontrei infinita doçura ao considerar a profundidade de seus desígnios para a salvação dos homens, e não me cansava de gozar deles. Oh! Que emoção senti, quantas lágrimas derramei”, diz ele nas Confissões (IX, 6). Por que então alguns se beneficiam dessa graça e outros não?
Essas sensações nos trazem um perigo
“Meu Deus, digna-te dar-me este sentimento contínuo da tua presença, da tua presença em mim e à minha volta!”, implorava Charles de Foucauld. “Não há explicação racional”, disse o padre Matthieu Aine. É uma graça sem relação com nossa dignidade ou nossas ações. Não devemos invejar quem a recebe porque isso nos impede de ver as graças que recebemos. É sempre a partir dos seus dons que o Senhor quer que partamos”. Devemos acolher a graça se ela se apresenta a nós, porque sentir a presença de Deus facilita e estimula a nossa oração, mas não é bom buscá-la.
Especialmente porque esses sentimentos ou sensações geram um perigo. O risco que corremos é parar neles, não progredir na fé, ou desistir de tudo quando não sentirmos mais nada. “O sentimento passa a ser a unidade de medida da ação de Deus, da sua presença e da sua proximidade. Tudo isso é muito sincero, mas estamos olhando para o umbigo um do outro. […] No dia em que a emoção não está mais presente, […] logo deduzimos que Deus nos abandonou”, diz o padre Pierre-Hervé Grosjean no livro Doando a sua vida (em tradução livre). No entanto, “amor não é o aquilo que sentimos. A dimensão sensível, se certamente junta-se ao amor, não é, por outro lado, um sinal inconfundível de amor. O amor é um ato da vontade. Não é a o sentimento que é mede o nosso amor, mas sim a vontade. Devemos, portanto, proteger a gratuidade do amor”, disse o padre Michel-Marie Zanotti-Sorkine.
A aridez, um convite enviado por Deus
Dessa forma, percebemos que a experiência sensível da presença de Deus vem para ser superada. “O que importa é amá-lo não porque sentimos ou porque ele nos dá algo, mas porque esse amor é gratuito. Se sentimos algo, ótimo, se não sentimos nada, ótimo também, porque amamos a Deus não pelo que ganhamos, mas por quem ele é, e porque ele deu a vida por mim”, completa o Pe. Matthieu Aine.
Funciona como no amor conjugal, onde os casais devem aprender a passar da paixão ardente à vontade amorosa. Manter-se firme na tempestade, dizer “Eu te amo” independentemente do “fogo interior”. A Deus, devemos nos doar sem reservas, ordena o Padre Grosjean: “Às vezes sentiremos a sua presença, muitas vezes ela será mais árida. Mas de qualquer forma, isso não é o principal e, acima de tudo, não depende de nós. O que cabe a nós é estar lá. […] O valor da nossa oração não depende dos nossos sentimentos, mas da nossa fidelidade”.
Se mal vivida, esta aridez, a menos que seja consequência da nossa mornidão, é na realidade um convite enviado por Deus para fortalecer a nossa fé. “Quando passamos por experiências desafiantes, algo maior nos é dado”, assegura o Padre Matthieu Aine. São Boaventura nos explicou muito bem. Privados das graças sensíveis, devemos agir com uma vontade mais forte, “o amor então se torna mais forte”. E assim aprendemos a nos entregar nas mãos de Deus, a confiar nele completamente.
Descobrir a presença de Deus em si mesmo de uma forma mais interior do que o sentimento
Os sentimentos, assim como a ausência deles, não nos permite medir com precisão nossa proximidade de Deus. O sentimento é sempre inferior à ação real de Deus em nós. Nós apenas percebemos uma pequena parte dele. “É como uma onda no oceano”, ilustra o padre Matthieu Aine, “podemos mergulhar numa profundidade de 20 metros, mas comparado com o tamanho do oceano, isso não é nada”. E só porque não sentimos nada, não significa que Deus não está perto de nós. “É o demônio que nos dá esta insinuação tão falsa quanto sugestiva: Deus os deixa sozinhos”, avisa o padre Matthieu Aine, que nos convida “a descobrir a presença do Senhor em nós de uma forma mais interior do que a dos sentimentos. Entre os jesuítas, este é o objeto da releitura e da oração da aliança no final do dia: em que momento da minha vida hoje Deus esteve presente? É um exercício muitas vezes difícil, que um sacerdote pode nos ajudar a realizar.
Não podemos esquecer que Deus está presente, em nós, o tempo todo, a cada momento, quer o sintamos fisicamente ou não. “Eis que estavas dentro, e eu não sabia!”, escreveu Santo Agostinho.