“O que se diz para a Amazônia serve para a Igreja inteira, à luz daquilo que vem do modelo e da dinâmica da Amazônia. A exortação pós-sinodal Querida Amazônia é para dizer para nossa Igreja que temos que reconstruir a nossa profecia”. Assim comentou o arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo, sobre a Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazônia, publicada nesta quarta-feira, 12 de fevereiro, durante entrevista coletiva à imprensa realizada na sede da CNBB, em Brasília.
Nesta manhã, dom Walmor esteve ao lado do arcebispo emérito de São Paulo (SP) e presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB, cardeal Cláudio Hummes, que também preside a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), para apresentar os principais pontos do texto divulgado hoje pela Santa Sé. O presidente da CNBB iniciou ressaltando que o processo do Sínodo para a Amazônia, de onde surge a exortação apostólica, é um caminho que não se encerra e que “somos chamados a percorrer com novo ardor missionário”.
Dom Walmor frisou que a exortação apostólica Querida Amazônia não é um decreto, mas um “convite a sonhar”. Este chamado do Papa Francisco “coloca a nossa Igreja numa perspectiva muito e profundamente desafiadora” de “reconstruir a nossa profecia”. Esta profecia, continuou, não é simplesmente de palavras, mas é aquela que “possa costurar um novo entendimento e práticas e mudanças transformadoras”.
“Se nós conseguirmos como Igreja entrar nesse caminho bonito do sínodo, do seu documento final e neste horizonte inspirador e interpelante da exortação sinodal, eu tenho certeza que a nossa Igreja vai dar muitos passos de transformação para dentro e de corajosa presença pública na sociedade por sua transformação”, afirmou dom Walmor.
O documento
O cardeal Cláudio Hummes apresentou uma síntese da exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia, durante a coletiva de imprensa. O presidente da Repam foi relator geral da Assembleia do Sínodo dos Bispos e recordou o processo de preparação e o contexto no qual foi promovida a reflexão sobre os “novos caminhos para a Igreja e a para uma ecologia integral”.
Dom Cláudio contextualizou o momento em que a Igreja está diante “da grande problemática ecológica e socioambiental” que se coloca à humanidade, e quer ajudar a vencer essas crises globais. “O grito dos pobres é o mesmo grito da terra” afirmou. E a reflexão é “como caminhar junto e conseguir escutar esse grito e ajudar, com aqueles que estão gritando, a construir o futuro”.
O que é central no texto, é “o amor de Pastor à gente e ao território da Amazônia”, segundo dom Cláudio, o que está expresso no título. O grande sentido da exortação, está no parágrafo 2 do texto. Na sequência, o texto tem o pedido de empenho na aplicação das indicações do documento final do Sínodo.
Os sonhos
A partir das quatro conversões propostas no documento final do sínodo, o Papa apresenta seus sonhos para a Amazônia: social, cultural, ecológico e eclesial. Estes são os quatro capítulos da exortação apostólica.
Social
Dom Cláudio chamou atenção que este sonho vem em primeiro lugar, pois primeiro são as pessoas, os pobres, machucados, esquecidos, abandonados, marginalizados.
Cultural
“As culturas ali tem sempre dois aspectos: as culturas dos povos dali, mas também a biodiversidade e todo o ambiente. E como as muitas culturas, há muitas formas de vida que tem que ser protegidas, tem que ser cuidadas. Assim a gente pode dizer que a água cuida da floresta, a floresta cuida da água e os povos originários cuidam desse sistema todo e fazem com que ele possa realmente proceder cuidando-se uns aos outros. De novo essa questão de que está tudo interligado”.
Ecológico
“Aqui fala sobre ambiente, sobre território, a questão ecológica que ele abordou tão fortemente na Laudato Si’, ele aborda aqui. Ele fala que esse sonho foi feito de água. A questão da água é fundamental na questão ecológica. Fala-se da escassez da água, uma realidade muito conflitiva que a Igreja tem que participar dessa atividade de superar”.
Eclesial
“Se trata da Igreja na Amazônia, não é uma ONG ou instituição governamental que está falando. O sínodo é a Igreja que fala sobre a sua missão, o seu trabalho, a sua necessidade de ser capaz de novos caminhos para sua própria missão. Ali entra a questão da Eucaristia. Ele fala explicitamente da questão da falta da Eucaristia, quando a Eucaristia, de fato, edifica a Igreja e que a Igreja não pode deixar de estar preocupada e não pode deixar de procurar uma solução para que os povos e comunidades tenham a eucaristia. Não apenas a comunhão eucarística, mas a reunião, a assembleia eucarística. O que edifica a Igreja é a assembleia eucarística reunida celebrando a memória de Jesus Cristo”.
Perspectivas dos sonhos
Dom Walmor Oliveira comentou a metodologia do Papa de recorrer aos sonhos para apresentar suas aspirações para a Amazônia e apresentou algumas perspectivas dessa figura. Na psicanálise, sonhos significam “remeter-se às raízes, que mexidas produzem um novo jeito da gente ser”. Sonhar, portanto, é o convite do Papa, que nos remete a olhar raízes que produzam frutos diferentes se tiver espaço, luminosidade, inspiração adequada. Do ponto de vista poético, sonhar é não aceitar que a realidade continue do jeito que está. A poesia nos ajuda de maneira muito decisiva e realista a conceber caminhos novos para algo que consideramos que não consegue dar as respostas adequadas. Do ponto de vista existencial, se nós não formos movidos por sonhos, não damos conta de viver. Do ponto de vista social o convite de um sonho é nutrir essa indignação e essa inconformação. Portanto não é um decreto, mas é um sonho para dizer ‘É preciso fazer um novo caminho”.
Cântico
“Todo o texto é um cântico do Papa, é um louvor diante da beleza que Deus oferece”, afirmou dom Cláudio ao recordar os vários textos literários ou poéticos que são reproduzidos na exortação. Um exemplo é a “Carta de navegar (pelo Tocantins amazônico)” de dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia.
Dom Cláudio Hummes também ressaltou a necessidade de se indignar, “mas sempre disposto ao diálogo”. Sublinhou que o documento apresenta novos modelos econômicos e de desenvolvimento frente a economia que destrói. Sobre a conversão da Igreja, falou da proposta de inculturar-se: “reconhecer a riqueza e o direito que os povos têm de ser cristãos na sua cultura”, mas chamou atenção para ter cuidado com o colonialismo.
A reforma da Igreja iniciada pelo Papa Francisco, ganha a contribuição da exortação que também incentiva que a Igreja seja mais missionária, inculturada, sinodal – que escuta o povo e acolhe o sensus fidei (sentido da fé pelo povo de Deus). Ainda sobre a realidade eclesial, o Papa Francisco pede perdão pelas ofensas, pelos crimes cometidos contra os povos nativos e pelos crimes que se seguiram ao longo da história.
Documento final
Mesmo não citado na exortação apostólica, o documento final do Sínodo, aprovado por dois terços dos padres sinodais, faz parte do processo, “é uma memória e tesouro das escutas e do que se discutiu no sínodo”, destacou dom Walmor Oliveira de Azevedo.