O povo brasileiro regressa às ruas mais uma vez. O clamor popular tem algo de sagrado, divino. Desde os primórdios da civilização qualquer manifestação popular foi sempre um estopim de mudanças – a maioria positiva – que atestaram a eficácia do mais legítimo dos poderes: aquele que emana do povo. Salvo raras exceções, o poder legalmente constituído expressa o grau de amadurecimento das nações democráticas, onde a vontade e a satisfação daqueles que se submetem às suas leis e constituições podem se manifestar publicamente, aprovando ou reprovando seus governantes. No caso em pauta, a motivação é de descontentamento.
Deveras, há um grito sufocado na garganta do nosso povo. Um país onde político confiável, honesto, coerente com seus princípios tornou-se figura rara, exceção à regra, é terra de ninguém. Um país onde aqueles que deveriam primar pela justiça, retidão nas ações, imparcialidade nas decisões, se julgam deuses em suas cátedras ou fiéis depositários com direitos a usufruir de bens alheios, – mesmo que esses bens tenham procedência duvidosa – também é terra de ninguém. Mas um país cujo executivo está em mãos de alguém que deve presidir, isto é: conduzir democraticamente todas as aspirações e realizações nacionais com profundo conhecimento de causa e responsabilidades, não pode nunca ser governado por alguém que ignore os acontecimentos nefastos ao seu povo. Dizerem-se alheios a tudo isso – ou desobrigados de satisfações – é tripudiar com o voto que receberam, isso em qualquer dos três poderes constituídos.
Os paradoxos que estamos assistindo na vida política têm um cunho muito mais sério do que possamos mensurar numa análise superficial. Colhemos o que outrora semeamos – pior ainda: deixamos de semear. O liberalismo de conduta que afeta o comportamento da grande maioria de nossos políticos é reflexo da sociedade em que vivemos. Tanto no campo pessoal quanto na esfera política se repetem as artimanhas do oportunismo, do interesse pessoal ou corporativo, da democracia “direcionada” para os interesses de quem pode mais, quem representa maior poder de barganha, quem dita as cartas ou tem mais poder de fogo. Governar tornou-se ato ou efeito de “administrar” os interesses de poucos, em detrimento da maioria a malhar o frio ferro da indiferença e do cinismo contra seus direitos. Esse sistema político está falido, apesar da beleza encantadora que a “noiva” Democracia exibiu no altar das urnas. Não declaro uma sentença capital sobre um sistema para aplaudir qualquer outro. A questão maior é de cunho moral, não político. E moral se adquire no berço.
Se pudéssemos ao menos sondar o pensamento político de Cristo – mesmo sem seu referencial religioso que a muitos incomoda – veríamos que Ele se expressava com uma clarividência absoluta. O cerco que lhe fizeram fariseus e publicanos quando estes se sentiram ameaçados quanto a seu possível reinado, dissolveu-se à medida que compreenderam sua proposta: um reino do outro mundo! Cristo conhecia bem a fundo a miséria social e as injustiças que o autoritarismo político praticava sobre seu povo. Por isso, falou-lhes de um reino diferente, um poder oculto, adormecido no interior do homem e não nas cátedras que pudesse ocupar. Pilatos, seu grande algoz, quis impor seu poder sobre Cristo. Ficou sem as respostas que queria, pois não soube dar valor à voz de sua consciência: “Não vejo mal algum sobre esse homem”. Lavando as mãos, permitiu que o povo matasse Deus.
Esse crime não se repetirá entre nós. O clamor popular agora é outro: que volte Jesus e aprisionem os “Barrabás”. Façamos uma manifestação ordeira, não permitindo o regresso da baderna e violência, atos próprios daqueles que só nos querem desgovernar. Porque a moral de um povo se manifesta também na maturidade de suas reivindicações.