A narrativa da Transfiguração de Jesus feita por São Marcos pode ser vista sob dois aspectos diferentes, ou seja, atinentes ao sofrimento e à gloria de Jesus (Mc 9,2-10). Com efeito, na Igreja ocidental se realça, sobretudo, a relação deste episódio com a paixão de Cristo o qual disse a Pedro, Tiago e João que não contassem nada do que tinham visto “senão depois de o Filho do homem ter ressuscitado dos mortos”, portanto apenas depois de sua dolorosa paixão e morte. Assim sendo, o que se passou no Tabor visava firmar a fé dos seus discípulos na sua divindade diante dos tormentos do Calvário. No oriente se fixa a atenção, sobretudo, na glória de Jesus, declarado pelo Pai seu Filho amado, estando todos envoltos numa nuvem que representava bem o Espírito Santo. O papa São João Paulo II concitava então a que aprendamos neste episódio a respirar nos dois pulmões: o pulmão ocidental, que lembra os padecimentos do Gólgota e o pulmão oriental que faz sobressair a glorificação de Jesus, transfigurado, ao lado de Moisés, o libertador e Elias, o profeta, num episódio trinitário que fala claramente da divindade de Cristo. Cumpre, de fato, pensar em Jesus transfigurado de dor no Calvário e repleto de esplendor na sua Ressurreição. Adorar o Redentor e o Triunfador imortal dos séculos. O citado papa São João Paulo II mostrou que a “Transfiguração não é somente uma revelação da glória de Cristo, mas uma preparação para aceitar sua Cruz”. Disto deve resultar uma purificação progressiva do conhecimento e comunhão com o divino Redentor. Pedro estava embevecido com a felicidade que sentia ali no Tabor e exclamou: “Senhor é bom estarmos aqui”. Depois é que ele compreenderá que a ventura completa supõe passar primeiro pelas trilhas do sofrimento – per crucem ad lucem. É deste modo que é possível a comunhão do homem com Deus, ou seja, se estabelecendo a conaturalidade de um amor que supõe o sacrifício para se atingir a glória eterna. Na trajetória terrena não se pode imergir num misticismo obscuro fora da realidade. O discípulo de Jesus tem que tomar a sua cruz de cada dia e não se perder em fantasias impessoais enigmáticas. Será apenas depois de passar pelo Calvário é que Cristo conhecerá o triunfo faustoso da vitória sobre a morte, ressuscitando imortal e impassível. A experiência de Deus por parte do homem inclui a fuga de todo comodismo para se atingir a transcendência absoluta na visão beatífica no Tabor eterno do céu. Eis porque a Quaresma é um tempo de penitência, ocasião para um retorno à intimidade com Deus. Conversão absoluta para degustar depois a alegria da Páscoa. O tripé sagrado é oferecido aos fiéis: a prece, a partilha e o espírito de renúncia. Jesus conduziu Pedro, Tiago e João a uma alta montanha longe do bulício dos homens. O silêncio interior e exterior são imprescindíveis para se estar coração a coração com o Deus três vezes santo. O Evangelho não incita então ao alpinismo, a escalar montanha como o Tabor, mas leva ao recolhimento e a dar mais tempo à oração numa preparação eficiente para a Páscoa. Luta contra dispersão, contra a perda de tempo diante da televisão ou com conversas inúteis através no celular ou nos outros meios de comunicação. Procura, i da liberdade pessoal para estar em contato com as realidades sobrenaturais. Menos pressa e mais reflexão. Cumpre deixar o supérfluo de lado e ajudar melhor o próximo necessitado. Moderação nas refeições devidamente cronometrada. Assim a quaresma se tornará uma ótima oportunidade para se atingir o peso ideal. Deste modo haverá uma transfiguração pessoal no modo de ser e de agir, porque tudo isto exigirá esforço. A Páscoa, então será comemorada com copiosos frutos espirituais, imergindo numa beatitude inefável.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.