Encontros e desencontros

    “O vos omnes que transitis per viam, attendite et videte si est dolor, sicut dolor meus” (Lamentações de Jeremias, I, 12).“Ó vós todos os que passais pelo caminho, dai atenção e vede se há dor semelhante à minha dor”.

     

    Um dos pontos da piedade popular mais ternos da Semana Santa, porque evoca adesão total de Maria Santíssima ao projeto do Pai, é o encontro da Mãe Santíssima com o seu Filho Jesus, no caminho para o Calvário.

    Contemplemos, olhemos para Jesus carregando a cruz pelos nossos pecados. Nesta cena bíblica que refazemos o gesto histórico estamos diante da Mãe querida, esta Mãe das Dores está aqui trazendo todas as nossas dores. Mas por que meus irmãos esse encontro? Essa tragédia da cruz tem início com a história de Adão e Eva. A humanidade criada para amar, rompeu, na pessoa de Adão e Eva, com o Criador, comendo do fruto proibido. Da desobediência de Adão e Eva começou a tragédia da história da humanidade, aí nós observamos na família o desencontro de Caim e Abel. Esse desencontro se espalhou por toda a história da humanidade e até hoje nós presenciamos tantos desencontros, entre marido e mulher, entre pais e filhos”, não deixando de refletir a tantos desencontros que estão, infelizmente, acontecendo em nossa cidade: enchentes, mortes, execuções, irmãos e irmãs nossas enlutados, desabrigados, mortes por desabamentos. Cada um querendo o melhor para si. Essa é a origem da nossa história e deste encontro que ora estamos rememorando.

    Nesse encontro contemplamos a profunda comunhão de amor entre mãe e filho. Na escura solidão dos passos da Paixão, a Mãe das Dores, a bendita entre as mulheres, oferece ao seu Filho um bálsamo de ternura. Aquela troca silenciosa de olhares é eloquente, fala mais do que discursos e palavras. A dor do filho é a dor da mãe. Há algo que ninguém repara, ninguém presta atenção, apenas Jesus: cumpriu-se a profecia de Simeão: “uma espada traspassará a tua alma” (Lc 2,35).  São as tantas mães que ajudam seus filhos a enfrentarem o Calvário: as mães das dores de todas as estações.  Mães de filhos portadores de deficiência, enfermos, acidentados, prisioneiros, drogados…. Tantas delas próximas de nós. Ó vós mães enlutadas dos funerais precoces, por causa de doenças sem cura, por causa da violência urbana, por causa das nossas guerras: a guerra do trânsito e a guerra do narcotráfico. Em tempo de guerra solidão e dor se abraçam. Em tempo de guerra os pais sepultam os filhos.

    No calvário é tudo tão diferente, porque no corredor da morte, algazarras na terra, zombarias da multidão, os estalidos das chicotadas e o choro das carpideiras. Eis o rosto machucado, ensanguentado, corpo torturado. É bem diferente do rostinho do menino do presépio, do menino que corria das ruas de Nazaré para o vosso colo e o colo de José. Eis a Verbo criador desse mundo tão imenso, agora sem ouro e sem incenso.

    Ó Maria, que amamentastes, embalastes e que fizestes o Cristo falar, que fizestes Jesus caminhar!

    Contemplemos a imagem do Senhor dos Passos, Salvador do mundo. Vamos suplicar ao Senhor dos Passos que nos salve da cultura da violência e da morte. Na Via sacra da vida podemos ser Maria, Cireneu, Verônica, José de Arimatéia, o discípulo amado… Às vezes somos o Cristo outras somos Pilatos. E como massa podemos fazer o papel da multidão que faz dos flagelos, das quedas, dos açoites, do sofrimento alheio, da morte … um espetáculo. A paixão e a morte sangrenta de Cristo foram espetáculo para muita gente.

    Quantas pessoas, infelizmente, nos dias atuais são aqueles que continuam crucificando ao Senhor. Por isso, é triste ver os que se dizem cristão fazerem parte da turba que se diverte com a dor, com o sofrimento alheio, fazendo disso um espetáculo. Na sociedade do espetáculo o 5º mandamento – não matar – deixou de existir. A morte virou espetáculo para milhões. Somos cumplices dessa cultura quando alimentamos nossos filhos com jogos violentos e filmes insanos. Quanto mais sangue melhor!

    Ó fronte ensanguentada, de tanto opróbio e de tanta dor. Vamos contemplar as feridas e o sangue da crueldade que fizeram com o Senhor. A glória de Jesus refulge em toda terra, apesar da traição de Judas e de muitos que não querem viver o Evangelho. Não foi apenas São Pedro que o negou. Não foram apenas os apóstolos que o abandonaram. Todas as vezes que abandonamos ou pecamos estamos traindo e matando o Senhor.

    Que encontro doloroso! Que olhares de desolação! Maria vê seu Filho desfalecido e desfigurado e não Lhe pode valer. Jesus vê sua santa Mãe aflita e desolada e não a pode consolar. Não falam os lábios… falam os corações! Minha Mãe, minha pobre Mãe!!! – Meu Filho, meu querido Jesus!!! Ó único objeto de todas as potências de minha alma, demorai por um pouco, ó meu Filho tão sanguinolento sacrifício; concedei um pequeno alívio a esta angustiada mãe. Reparti comigo vossos pungentes tormentos. Deixai que eu coloque um pouco sobre meus ombros esse pesado madeiro, que tanto Vos oprime; dai-me licença, que eu afrouxe os laços dessas tiranas cordas que Vos prendem e maltratam; consenti que eu ponha sobre minha cabeça essa coroa de penetrantes espinhos, que faz jorrar torrentes de sangue sobre a Vossa adorável face!!!

    Cada um de nós arqueja sob o peso da cruz que a Divina Providência lhe impôs. E assim, gemendo e chorando seguimos o nosso caminho ao Calvário. As dores, as cruzes, as provações desta vida temporal constituem nossa existência cotidiana. Procuramos a quem nos conforte, nos anime, nos console. Ah! como Jesus sentiu o peso do lenho e sua ignomínia. No entanto, levou-o com paciência firme e sem queixas. Maria Santíssima fez o mesmo. Nossa Senhora das Dores aceita a vontade de Deus. Dá o seu “fiat” para ser a Corredentora. Une seu sacrifício ao sacrifício de seu Jesus. Sofre com Ele e por nós. Idêntica é nossa tarefa. Avante, pois, com coragem e paciência!!!

    O que, outrossim, nos faz ainda comparecer neste lugar é o arrependimento, é a tristeza. O arrependimento de nossos pecados; a tristeza por vermo-nos culpados diante de Jesus e de Maria Santíssima.

     

    Vivemos tantos encontros com Jesus e desencontros com o Redentor: queremos ser de Jesus, pregar a sua Palavra, viver uma religião muitas vezes mais preocupada com o exterior do que com a conversão profunda, mas não queremos viver a beleza e a liberdade do seu Evangelho.

    De nada adianta viver e celebrar a Semana Santa se não procuramos conformar o que falamos, dizemos e pensemos com uma vida verdadeiramente cristã. O clericalismo de quem, infelizmente, vive somente de aparências negativas, de contratestemunhos e de julgamentos venenosos deve ser superado e viver a conversão. Por isso é necessário repetir, a exaustão o que pede o Papa Francisco, não só ao clero, mas a toda a comunidade eclesial: “sede pastores com o “cheiro das ovelhas”, que se sinta este –, serem pastores no meio do seu rebanho e pescadores de homens”.  Não se pede aos ministros sagrados viver de aparência, mas conformar a sua vida ao que prega. O que se prega e se exige dos fiéis, em nome do Evangelho, deve ser vivido e testemunhado primeiro por aqueles que pregam. A unidade do presbitério ao seu Arcebispo é essência do ministério ordenado. A mesma advertência a um comportamento retilíneo, a uma consciência verdadeira, ao abandono da maldade, da fofoca cortante, da desagregação vale para o clero e para todo o povo de Deus que deve procurar construir pontes e não viver carcomidos com os desencontros que não nos levam ao encontro com o Senhor! Que nosso comportamento e o nosso testemunho jamais seja para causar dor e sofrimento em Cristo e na Mãe Igreja!

    Vamos caminhar com Jesus e com Maria, pelas ruas de nossa cidade, que necessita de tanta paz, na construção da sociedade do amor e da fraternidade, com a vivência da concórdia e da unidade em nome do Senhor, pedindo que Cristo nos traga dias melhores e que as catástrofes sejam superadas.

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