Michele Raviart, Silvonei José – Cidade do Vaticano
“Peço a vocês que não cedam aos sentimentos de ódio e de vingança, mas que pratiquem corajosamente o diálogo e o perdão” e rezo para que, “nesta fase trágica da vida da sua nação, todos sejam construtores de amor e de paz”. Dessa maneira o Papa João Paulo II dirigiu-se, em 8 de abril de 1994, aos bispos e fiéis do Ruanda, dois dias após da queda do avião em que voavam o presidente do país Juvénai Habyarimana e o do Burundi Cyprien Ntaryamira, ambos da etnia Hutu.
Ódio contra os Tutsis
O episódio fez explodir tensões com o grupo étnico minoritário Tutsi, fomentada durante décadas pelo colonialismo europeu e foi o início do genocídio em Ruanda. Cem dias de massacres com machados contra os Tutsis, acusados do ataque e contra muitos Hutus. Pelo menos 800 mil pessoas foram mortas por grupos paramilitares Hutus com o apoio do exército, no que foi o maior genocídio do século 20 depois da Shoah.
Um país cristão sacrificado ao egoísmo humano
“Creio que é necessário, antes de tudo, tomar consciência de que o que aconteceu se refere a um país que há 25 anos tinha uma população de 65% de católicos e 15% de protestantes, de modo que tudo isso aconteceu em uma nação de esmagadora maioria cristã”, afirma padre Giulio Albanese, diretor das revistas das Pontifícias Obras Missionárias. “Por isso é preciso fazer um bom discernimento: ainda mais pelo fato de que foi claramente negado o amor, o afeto pelo sacrossanto valor da vida. Tanta humanidade ferida foi realmente sacrificada no altar do egoísmo humano”.
Cem dias de luto nacional
Neste último domingo, dia 7 de abril, 25 anos depois, Ruanda recordou a tragédia, que ainda marca de forma indelével a coexistência no país. O Presidente Paul Kagame, cuja entrada em Kigali em 4 de julho de 1994 como chefe dos rebeldes da FPR marcou o fim oficial do massacre, anunciou cem dias de luto nacional e numerosas iniciativas de reflexão e sensibilização, particularmente significativas num país em que 7 dos 12 milhões de habitantes não tinham ainda nascido no momento do genocídio: “Talvez nunca como hoje seja importante ajudar o povo ruandês a compreender que tem realmente um destino comum e que é preciso ir além das rivalidades. Creio que o futuro, deste ponto de vista, esteja realmente nas mãos das novas gerações”, reitera padre Albanese.
O longo caminho em direção da reconciliação
“O perdão das ofensas e a reconciliação autêntica, que poderiam parecer impossíveis aos olhos humanos depois de tanto sofrimento, são, no entanto, um dom que é possível receber de Cristo, através da vida de fé e de oração, mesmo se o caminho é longo e requer paciência, respeito mútuo e diálogo”, disse o Papa Francisco aos bispos ruandeses em visita ad limina há cinco anos, e muitos passos para a reconciliação foram dados nestes anos. Seis, por exemplo, são as chamadas “aldeias da reconciliação”, onde as vítimas e os carrascos vivem juntos. Foram também dados muitos passos para recuperar a relação de Ruanda com a comunidade internacional, que, naquele período, ficou indiferente e se moveu muito tarde para pôr fim ao massacre. Pela primeira vez, de fato, foi convidado para a comemoração de Kigali o presidente francês Emmanuel Macron, que embora não estando presente, decidiu abrir aos históricos os arquivos franceses sobre o país africano no período de 1990 a 1994.
As consequências
É claro que o que aconteceu em Ruanda não pode se repetir”, afirma o padre Albanese. “É também importante que, do ponto de vista historiográfico, tenhamos a honestidade de compreender que o genocídio não é algo entre 6 de abril de 1994 e julho do mesmo ano: infelizmente os massacres e assassinatos continuaram pelo menos até 1997, se não mais além, na vizinha República Democrática do Congo, onde houve uma indiscritível mobilidade humana de refugiados Hutus. E, infelizmente, também ali ocorreram massacres, houve valas comuns. É importante entender que precisamos ir além das rivalidades, devemos tomar consciência do fato que, em todo caso, precisamos ter uma atitude de grande tolerância, de grande respeito diante de qualquer forma de alteridade”.