“Marawi está toda arruinada”

Cidade de Marawi, Filipinas, incendiada na primeira noite de ataque. Cidade de Marawi, Filipinas, incendiada na primeira noite de ataque.

Entrevista de Jonathan Luciano, diretor nacional da ACN Filipinas, com o Bispo de Marawi, Edwin dela Peña, sobre a situação na Prelazia de Marawi, no sul das Filipinas, onde o grupo terrorista Maute atacou a cidade, matando cristãos e incendiando edifícios, incluindo a catedral de Nossa Senhora Auxiliadora. Até a finalização desta publicação, sabe-se que 104 pessoas foram mortas e mais de 12.500 famílias foram deslocadas de suas casas. O Pe. Chito Suganob, Vigário Geral da prelazia, foi sequestrado junto com outros funcionários da Catedral. A Conferência Episcopal das Filipinas confirmou a autenticidade do vídeo que circula no Facebook sobre o Pe. Chito Suganob desde o dia 30 de maio.
Qual é a situação atual na Prelazia de Marawi?

Nós ainda estamos no meio dos acontecimentos, eu não sei como descrevê-los, nosso povo já não está mais lá, eles foram deslocados. Quanto aos que foram deixados para trás, eu não sei qual é a situação deles porque há ali uma operação contínua para limpar a cidade dos terroristas e ocorrem também bombardeios aéreos. Não sabemos como eles estão sobrevivendo.
A Catedral foi totalmente destruída?

Sim, me foi dito que a catedral e a casa do bispo foram totalmente destruídas, primeiro pelo fogo e também pelos bombardeios, porque estamos localizados bem no centro dos conflitos. Não tenho certeza de quanto tempo levaremos para nos recuperarmos, mas será muito difícil para todos nós, não só para os cristãos, mas também para os muçulmanos.

Relações entre cristãos e muçulmanos eram pacíficas
Como eram as relações muçulmano-cristãs em Marawi antes de ocorrerem esses incidentes?

Cerca de 95% da população de Marawi é muçulmana. Somos uma pequena minoria, somos uma igreja muito pequena em Marawi e a maior parte da população católica da cidade está na universidade, onde temos estudantes provenientes de outras províncias de Mindanao. Era bonito. Fomos envolvidos pelo diálogo inter-religioso e temos muitos parceiros. E, de fato, o Pe. Chito estava no meio disso porque ele tinha como seu principal foco se conectar, se relacionar com todas as ONGs muçulmanas que se associaram a nós no desenvolvimento comunitário e educando as pessoas para o diálogo inter-religioso. Foi bonito, até surgir este extremismo, esta guerra com a presença desses elementos extremistas do Oriente Médio e a radicalização dos jovens, inconscientemente, sem eles perceberem. Algumas pessoas não estavam informadas sobre a situação atual no Oriente Médio e a radicalização que está chegando hoje no país, especialmente aqui em Mindanao. E então, a situação foi se tornando cada vez mais radicalizada desde então. Mas, em geral, nossas relações com os muçulmanos sempre foram muito positivas e, de fato, aprendemos com eles, que também estão contra esse fluxo de elementos do grupo Estado Islâmico (EI) que entraram em Marawi.
É correto dizer que a população em geral não é simpatizante do EI?

Sim, sim, sim, é assim mesmo. Na verdade, veja o que está acontecendo, pois estamos no período do Ramadã, que é um mês sagrado para eles. Porém eles não estão podendo celebrá-lo da maneira como eles estavam acostumados a fazê-lo. Os muçulmanos sentem um certo tipo de raiva contra esses grupos terroristas que vieram perturbar essa sagrada lembrança do Ramadã. Então, se esses grupos extremistas queriam obter o apoio das pessoas, eles não estão conseguindo.

Destruição por todos os lados
Com base no seu conhecimento de como o EI opera no Oriente Médio, você vê alguma diferença com o que está acontecendo lá com o que está acontecendo agora em Marawi?

É algo parecido. Pode não ser uma outra Síria ou Iraque, mas o aspecto atual da cidade, após os bombardeios e tudo, não parece mais com Marawi. Pelo que vemos no noticiário sobre o que restou da velha cidade, toda Marawi está arruinada, há destruição por todos os lados. Essa é a imagem que temos em mente da Síria e do Iraque.
Quem é o grupo Maute que liderou esses ataques terroristas em Marawi?

Maute significa Maranao (relativo ao povo muçulmano que habita as ilhas do sul das Filipinas), e das minhas próprias conversas com algumas figuras religiosas aqui em Marawi, esse grupo se constituiu em torno de um prefeito anterior da cidade. Porém, agora ele não é mais o prefeito e os traficantes de drogas foram controlados pelo governo. Mas estas pessoas estavam acostumadas a uma vida fácil, com todo o dinheiro que estava entrando devido ao comércio de drogas, elas estavam acostumadas a uma vida de conforto. Agora que o prefeito não está mais no poder, ele não pode mais apoiá-los, ele não tem mais recursos para financiá-los e por isso eles ficaram sem apoio. Esse foi provavelmente um fator que os levou à radicalização porque eles precisavam ganhar recursos de algum lugar. Também recebemos a informação de que estava chegando dinheiro vindo de fora. E que algumas pessoas também faziam parte de algum treinamento, de que alguns elementos estrangeiros os estavam treinando em esconderijos de Lanao Sur. Estas pessoas são as que provavelmente levaram esses jovens para esse tipo de vida.
O governo continua negando que exista presença do EI nas Filipinas. O que você pode dizer sobre isso?

Não tenho tanta certeza sobre isso. O governo pode negar o quanto quer. Você sabe que, eu não sou a pessoa certa para falar sobre isso, estou apenas ecoando o que eu sei, que alguns deles já foram treinados lá fora. Membros do Maute estudaram no Oriente Médio. Eles vêm de famílias muito ricas, então eles têm meios de enviar seus filhos para escolas na Arábia Saudita e na Jordânia. Eu ouvi sobre isso.

Relação com outros grupos terroristas
Existe uma relação entre Maute e o infame grupo terrorista, Abu Sayyaf?

Penso que sim, o fato é que o líder deles, Hapilon, está em Lanao. Na verdade, estavam prestes a cumprir uma ordem de prisão contra ele logo antes de tudo isso acontecer. Esse, aliás, foi o gatilho. Hapilon é um dos líderes do Abu Sayyaf, então eles têm uma aliança tática com os membros do movimento Maute em Lanao Sur. Além disso, há o fato de que ambos também são simpatizantes do EI, então eles têm essa aliança tática e provavelmente estão juntando forças.
Você têm alguma notícia recente sobre o Pe. Chito e dos outros cristãos sequestrados?

Fiquei sabendo que surgiu um vídeo do Pe. Chito desde ontem. Ele está vivo! Estou feliz com isso, mas também fiquei triste com as reações dos internautas do DDS (DDS significa Digong Duterte Supporters – apoiadores do presidente), que o criticou por sua mensagem, sem qualquer consideração por sua situação atual como um refém privado de sua liberdade. Perdemos nosso senso de humanidade! Que triste! Lamento a situação deste país e sinto muito pela situação do Pe. Chito e de seus companheiros.

Não tivemos contatos com os militares até alguns dias atrás, quando consegui estabelecer uma ligação com o chefe de um comandante da divisão de fuzileiros navais que agora estão fazendo as operações de limpeza contra os terroristas em Marawi. Ele prometeu fazer o seu melhor para localizar o Pe. Chito e companheiros. O grupo do Pe. Chito é composto por cerca de 12 a 15 pessoas. Alguns deles eram professores da faculdade Dansalan, nas proximidades, e eles simplesmente estavam reunidos no lugar onde eles estão sendo mantidos. Mas muitos deles estavam na Catedral naquele momento porque estavam se preparando para a festa de Nossa Senhora Auxiliadora no dia seguinte.
Você considera esse incidente como uma escalada dos vários eventos anticristãos que aconteceram em Mindanao?

Sim, eu suponho que seja.

Muçulmanos ajudando cristãos
Você conhece histórias pessoais de solidariedade entre muçulmanos e cristãos nos últimos dias?

Sim. A família do meu motorista e ele mesmo estavam escondidos em um dos moinhos de arroz da cidade de Marawi e quem os acompanhava era o líder muçulmano do bairro, que é nativo de Maranao. Foi ele que organizou o grupo para fugir e deu orientação sobre como eles deveriam responder se o grupo Maute os interceptasse ao longo do caminho. Então eles foram a pé juntos para a ponte, onde os ônibus estavam esperando para tirá-los de Marawi. Eu o considero um herói por liderar esse grupo de cristãos e muçulmanos que tentava fugir do perigo que os aguardava.

Mas havia algumas pessoas no grupo que haviam ficado para trás. Perto da ponte ele foram abordados por um grupo de membros do Maute. Eles perguntaram se eles eram cristãos. Infelizmente, eles responderam que sim porque eles não estavam lá quando a orientação foi dada. Um dos homens desse grupo de cristãos, marido de uma das nossas famílias que moravam no complexo da catedral de Marawi, foi retirado do grupo porque estava vestindo roupa sem manga e tinha uma tatuagem com uma cruz em seu ombro. Então ele foi identificado como um cristão e foi retirado do grupo. Recentemente ouvimos relatos de que alguns homens foram executados e foram jogados de em barranco. Me disseram que esses homens estavam tentando alcançar o grupo de cristãos para se juntar ao comboio. Você também pode ler nos jornais sobre tantas histórias de muçulmanos tentando proteger os cristãos.
Como esse incidente poderá afetar as relações cristãos-muçulmanas em Marawi?

Não podemos evitar que algumas pessoas voltem aos preconceitos naturais contra os muçulmanos. E isso é muito frustrante. O diálogo inter-religioso é um processo muito frágil e esses incidentes podem destruir os alicerces que construímos. Algumas pessoas alimentam esses sentimentos antimuçulmanos. Nós não gostamos que isso aconteça, é triste, nós demos um bom andamento na melhoria do relacionamento entre muçulmanos e cristãos em Marawi. Na verdade, comparando nosso relacionamento com outros lugares, posso dizer com segurança que o nosso é um dos melhores. As relações muçulmano-cristãs entre os Maranaos são as melhores em comparação com outras, considerando que fizemos muito em 41 anos, tempo de fundação da prelazia. Também temos escolas e elas já estavam lá antes mesmo de a prelazia ter sido estabelecida. E nossas escolas sempre foram queridas por cristãos e muçulmanos. Muitos de seus pais estudaram lá e seus profissionais da cidade foram preparados por nossas escolas. Eles sempre enviavam seus filhos para as nossas escolas porque desenvolveram esse tipo de lealdade para com elas.

“Só queremos viver em paz”
Qual é a sua mensagem para a ACN em todo o mundo?

É muito lamentável que nossa pequena prelazia, que é a igreja local menor e mais pobre das Filipinas, tenha que passar por esta crise tão difícil. Nossa Catedral foi destruída, a paróquia, a casa do bispo foram destruídas e temos que começar do zero tentando reconstruir, restabelecer a presença cristã nessa área predominantemente muçulmana do centro de Mindanao. Temos de continuar com a nossa missão de oferecer a mão da reconciliação e da amizade com nossos irmãos e irmãs muçulmanos, porque este foi o legado do Papa Paulo VI quando restabeleceu a prelazia de Marawi, no auge da crise no início dos anos 70, citando o Bispo Tutu: “Nós, cristãos, devemos ser os primeiros a oferecer a mão da reconciliação e da fraternidade aos nossos irmãos e irmãs muçulmanos. Esse é o caminho para estabelecer a paz que foi quebrada por causa da guerra.” Eu acho que o mesmo vale para a atual situação hoje. Não podemos nos afastar do que começamos, do que a prelazia começou no meio dos anos 70. Precisamos continuar o trabalho do diálogo, continuar trabalhando com os muçulmanos, restabelecendo e reconstruindo os relacionamentos quebrados, os sonhos perdidos e as esperanças de tantas pessoas para viverem em paz. Nós só queremos viver em paz e gostaríamos de lhes pedir que nos ajudassem a reconstruir essa paz”.
Quais são as suas necessidades urgentes no momento?

Não estamos muito preocupados com as nossas necessidades no momento. Nosso foco agora é tentar fazer o máximo que pudermos para responder à crise humanitária que surgiu em Marawi. Temos muitos deslocados de Marawi e eles precisam de todo o apoio que pudermos obter. Muitas das nossas dioceses e até a Caritas Filipinas em Manila e a Arquidiocese de Manila, através do Cardeal D. Chito Tagle, e todas as outras dioceses das Filipinas nos perguntaram como elas podem ajudar e para onde elas podem enviar as suas doações. Então, nós nos unimos com a Diocese vizinha de Iligan para colocar lá os centros de comando que receberão as doações e para organizar os voluntários na distribuição. Também estamos trabalhando com os muçulmanos que estão conosco em diálogo, é uma grande oportunidade para mostrar nossa solidariedade e tentar responder às necessidades de nossos irmãos e irmãs, especialmente nos centros para os deslocados. Então, isso é o que estamos fazendo e se há algo que vocês puderem fazer para nos ajudar, para chamar a atenção do mundo para o que está acontecendo em Marawi agora mesmo, ou nas operações de ajuda à população, nós ficaremos imensamente gratos.

 

Fonte: ACN

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