Deus está e sempre esteve presente em todas as culturas e raças. Todas as civilizações, independentemente de época ou quadrante terrestre, têm em suas histórias um conceito, uma ideia ou mesmo respeito e submissão ao mistério divino. O mais notável é a semelhança de suas lendas e crenças com a Verdade Revelada que cristãos, judeus e muçulmanos (as três maiores correntes monoteístas) dizem encontrar na Bíblia – o Antigo Testamento é comum às três, no todo ou em parte.
Mas no continente tupiniquim qual seria o conceito de Deus? Isolados que estavam, distantes e incomunicáveis, como a presença divina poderia se manifestar dentre os povos indígenas? Ou será que, ao atravessarem o estreito de Bering – uma das teorias que explica a civilização aborígene em continente americano – eram acompanhados por algum tipo de profeta ou alguém com um mínimo de ciência religiosa? . Sabemos por documentação arqueológica que nossos índios aqui chegaram bem antes do surgimento do Povo de Deus e sua odisséia pelas terras de Canaã. Estudos apontam a presença indígena em nossas terras de pindorama há pelo menos doze ou quatorze mil anos atrás. Então, quem lhes falou sobre Deus?
Suas fábulas e lendas nos falam com beleza e sabedoria de uma mesma fé libertadora e temente a Deus, tal qual a que hoje professamos. O Deus tupiniquim, a exemplo do Deus-Criador, merecia respeito e veneração. O conceito da trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – também estava presente em suas demonstrações de fé. Tupã, o Deus-trovão, atuava como um Pai a exigir respeito e obediência. Tupi, personagem principal das tribos indígenas, que doutrinava e disciplinava, foi o elo de unidade desses povos, lhes dando o fator primordial, sua identidade linguística e racial. Era o irmão, o companheiro em suas lutas e lidas pela sobrevivência. Jaci, a deusa-lua, tinha o poder de alegrar seus corações nas noites festivas, iluminadas com sua presença celestial. Não é essa a ação do Espírito? Tupã, Tupi e Jaci compunham a tríade na qual a fé indígena depositava suas alegrias e esperanças.
Mas nada há de mais espetacular do que a fábula da Criação segundo a tradição desses povos. Quem nos narra é frei Leonardo Boff em um dos seus livros sobre a transcendência humana. Os índios Carajás foram criados para a imortalidade. Viviam à beira de um lago maravilhoso – tal qual nosso conceito de paraíso – mas o Criador também lhes fez uma restrição: nunca se aproximar ou atravessar um buraco luminoso que existia no centro do lago. A tentação foi maior e um carajá aventureiro mergulhou de corpo e alma naquele buraco fascinante. Do outro lado, encontrou uma praia exuberante, com muitos animais, árvores, brisa, dia e noite, sol e lua, estrelas e vaga-lumes às miríades. Encantado com aquele novo mundo, aventuraram-se mata adentro, sabedores de que aquela aventura lhes custaria a imortalidade. As belezas de um mundo efêmero era-lhes mais atraente do que a monotonia de um lago perene.Tendo que lutar pela conquista desse mundo, perderam a imortalidade.
Essa é a versão indígena de um paraíso perdido. Tal qual a nossa versão, se considerarmos o princípio da imortalidade da alma e o ato da infidelidade humana. Violamos uma recomendação divina, que denominamos como norma proibitiva, mas que em ambas as situações não passaram de simples conselho do Criador. Ou seja: não queiramos ultrapassar os limites de nossa vã filosofia, nossa ciência limitada, nossa visão ofuscada pelas ambições desmedidas. Tanto o Deus de Abraão, quanto o Deus de Iracema nos deixa livres para distinguir o certo ou errado, até onde podemos chegar e onde parar. Oxalá saibamos compreender tudo isso em nossa história tupiniquim, neste novo ano de renovadas esperanças!