Papa Francisco aos jornalistas: a xenofobia é “uma doença”

A coletiva de imprensa no voo de volta da África a Roma: Francisco recorda a alegria das crianças que encontrou e afirma que o Estado tem o dever de cuidar da família. Ele diz que a xenofobia é “uma doença” e pede para preservar a identidade dos povos das colonizações ideológicas. Fala das críticas que recebe e a uma pergunta sobre as tentações cismáticas responde: “Rezo para que não ocorram, mas não tenho medo”.

Do voo Antananarivo-Roma

O Papa Francisco, duas horas e meia depois da decolagem do voo Air Madagascar de Antananarivo a Roma, encontrou-se com os jornalistas a bordo do voo papal e falou com eles durante cerca de uma hora e meia respondendo às suas perguntas.

Julio Mateus Manjate (Notícias, Moçambique)

Durante a sua visita a Moçambique o senhor se encontrou com o Presidente da República e com os dois presidentes dos dois partidos presentes no Parlamento. Gostaria de saber quais são as suas expectativas para o processo de paz e que mensagem gostaria de deixar a Moçambique. E dois breves comentários sobre dois fenômenos: a xenofobia que existe em África e o impacto das redes sociais na educação dos jovens.

“O primeiro ponto sobre o processo de paz. Hoje, se identifica Moçambique com um longo processo de paz que teve os seus altos e baixos, mas no final conseguiram concluí-lo com um abraço histórico. Espero que isto continue e rezo por isso. Convido todos para que façam um esforço para assegurar que este processo de paz prossiga. Porque tudo se perde com a guerra, tudo se ganha com a paz, disse um Papa antes de mim (Pio XII, ndr). Isto é claro, não devemos esquecê-lo. É um longo processo de paz porque teve uma primeira etapa, depois parou, depois outra… E o esforço dos líderes das partes contrárias para não dizer inimigos é o de ir ao encontro um do outro. É também um esforço perigoso, algumas pessoas arriscavam as suas vidas, mas no final chegou-se à conclusão. Gostaria de agradecer neste processo de paz todas as pessoas, todas as pessoas que deram uma contribuição. Começando pelo primeiro encontro, que começou com um café… Havia gente ali, havia um sacerdote da Comunidade de Sant’Egidio, que será criado cardeal no próximo dia 5 de outubro (Dom Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha ndr). E então, com a ajuda de tantas pessoas, também da Comunidade de Sant’Egidio, chegou-se a este resultado. Nós não devemos ser triunfalistas nestas coisas. O triunfo é a paz. Não temos o direito de ser triunfalistas, porque a paz ainda é frágil no seu país, tal como é frágil no mundo. A paz deve ser tratada da mesma forma como se tratam as coisas recém-nascidas, como as crianças, com muita, muita ternura, com muita delicadeza, com muito perdão, com muita paciência, para fazê-la crescer e ser robusta. É o triunfo do país: a paz é a vitória do país, é preciso entender isso….. E isso vale para todos os países, que se destroem com a guerra. As guerras destroem, fazem perder tudo. Vou me delongar um pouco sobre este tema da paz, porque está no meu no coração. Quando, há alguns meses, houve a celebração do desembarque na Normandia, é verdade que havia chefes de governos a recordar o que foi o início do fim de uma guerra cruel, também de uma ditadura anti-humana e cruel como o nazismo e o fascismo… mas naquela praia morreram 46 mil soldados, é o preço da guerra. Confesso que quando fui a Redipuglia para a comemoração da Primeira Guerra Mundial, eu chorei: “Por favor, nunca mais a guerra! Quando fui a Anzio para celebrar o dia de finados, no meu coração sentia que devemos criar esta consciência: as guerras não resolvem nada, pelo contrário, fazem ganhar as pessoas que não querem (a paz) da humanidade. Desculpem-me por este apêndice, mas tinha que dizer diante de um processo de paz, pelo qual rezo e farei tudo o que é possível para que avance e espero que cresça com força.

Segundo ponto, o problema da juventude. A África é um continente jovem, tem uma vida jovem, se a compararmos com a Europa, e vou repetir o que disse em Estrasburgo: a mãe Europa quase se tornou “avó Europa”. Envelheceu, estamos vivendo um inverno demográfico muito grave na Europa. Li – não me recordo de que país, mas trata-se de uma estatística oficial do governo – que em 2050 naquele país haverá mais aposentados do que pessoas que trabalham, e isso é trágico. Qual é a origem deste envelhecimento da Europa? Eu, é uma opinião pessoal, penso que o bem-estar está na raiz. Agarrar-se ao bem-estar – “Mas, nós estamos bem, eu não tenho filhos porque tenho de comprar uma casa, tenho que fazer turismo, estou bem assim, um filho é um risco, nunca se sabe…”. Bem-estar e tranquilidade, mas é um estar bem que o leva a envelhecer. Em vez disso, a África está cheia de vida. Encontrei na África um gesto que tinha encontrado nas Filipinas e em Cartagena, Colômbia. As pessoas que levantavam as crianças como se dissessem “este é o meu tesouro, esta é a minha vitória, o meu orgulho”. É o tesouro dos pobres, a criança. Mas é também o tesouro de uma pátria, de um país. Eu vi o mesmo gesto na Europa Oriental, em Iasci, especialmente aquela avó que mostrava a criança: este é o meu triunfo… Vocês têm o desafio de educar esses jovens e fazer leis para esses jovens, a educação neste momento é uma prioridade no seu país. É uma prioridade que se cresça tendo leis sobre a educação. O primeiro-ministro de Maurício falou comigo a este respeito. Ele disse que tinha em mente o desafio de fazer crescer o sistema de educação gratuito para todos. A gratuidade do sistema educativo: é importante porque existem centros educativos de alto nível, mas a pagamento. Existem centros educativos em todos os países, mas é preciso multiplicá-los para que a educação chegue a todos. As leis sobre a instrução e a saúde neste momento são a prioridade ali.

Terceiro ponto: a xenofobia. Li nos jornais sobre esta xenofobia, mas não é apenas um problema da África. É uma doença humana, como o sarampo… É uma doença que entra num país, entra num continente, e colocamos muros. Mas os muros deixam sozinhos aqueles que os constroem. Sim, deixam de fora muitas pessoas, mas aqueles que permanecerem dentro dos muros ficarão sozinhos e no final da história derrotados por causa de grandes invasões. A xenofobia é uma doença. Uma doença “justificável”, por exemplo, para manter a pureza da raça, apenas para falar de uma xenofobia do século passado. E muitas vezes as xenofobias cavalgam a onda dos populismos políticos. Disse na semana passada, ou na semana retrasada, que às vezes ouço, em alguns locais, discursos que se assemelham aos de Hitler de 1934. É como se na Europa houvesse um pensamento de retorno.

Mas também vocês na África têm um problema cultural que tem de ser resolvido. Recordo-me de ter falado disso no Quênia, o tribalismo. Ali é necessário um trabalho de educação, de aproximação entre as diferentes tribos para criar uma nação. Comemoramos há pouco o 25º aniversário da tragédia de Ruanda: é um efeito do tribalismo. Lembro-me no Quênia, no estádio, quando pedi a todos que se levantassem e apertassem as mãos e dissessem “não ao tribalismo, não ao tribalismo…”. Devemos dizer não. Trata-se de um fechamento. E há também a xenofobia doméstica, mas em todo caso uma xenofobia. Temos de lutar contra isso: seja a xenofobia de um país em relação a outro, seja a xenofobia interna, que, no caso de alguns lugares na África e com o tribalismo, conduz a uma tragédia como a de Ruanda”.

Marie Fredeline Ratovoarivelo (Rádio Dom Bosco, Madagascar)

O senhor falou sobre o futuro dos jovens durante sua visita apostólica, penso que a fundação de uma família é muito importante para o futuro. Os jovens de Madagascar vivem em situações familiares muito complexas por causa da pobreza. Como pode a Igreja acompanhar os jovens diante do fato que os seus ensinamentos são considerados ultrapassados e diante da revolução sexual de hoje?

“A família certamente tem a responsabilidade da educação dos filhos. Foi emocionante como os jovens de Madagascar se expressaram, vimos isso também em Maurício e também com os jovens de Moçambique do encontro inter-religioso pela paz. Dar valores aos jovens, fazê-los crescer. Em Madagascar, o problema da família está ligado ao problema da pobreza, à falta de trabalho e muitas vezes também à exploração do trabalho. Por exemplo, na pedreira de granito os trabalhadores ganham um dólar e meio por dia… São fundamentais as leis que protegem o trabalho e a família. E também os valores familiares, que existem, mas são muitas vezes destruídos pela pobreza: não os valores, mas a capacidade de transmiti-los e de continuar a educação dos jovens. Vimos em Madagascar a obra de Akamasoa, o trabalho que se faz com os pequenos para que possam crescer em uma família que não é a natural, sim, mas é a única possibilidade. Ontem em Maurício, depois da Missa, encontrei monsenhor Rueda com um policial, alto, grande, segurando uma criança pela mão, tinha mais ou menos dois anos. Ela se perdeu e chorava porque não se conseguia encontrar os pais. Tinham sido dado o anúncio e enquanto isso o policial a acariciava e ali eu vi (entendi) o drama de tantas crianças e jovens que por acaso perdem seus laços familiares apesar de viverem em uma família – neste caso foi apenas um acidente. É também o papel do Estado protegê-las e levá-las adiante. O Estado deve cuidar da família, dos jovens. E é dever do Estado de levá-los adiante. Então, repito, para uma família ter um filho é um tesouro. E vocês têm essa consciência, têm a consciência do tesouro. Mas agora é necessário que toda a sociedade tenha consciência de fazer crescer este tesouro, de fazer crescer o país, de fazer crescer a pátria, de fazer crescer os valores que darão soberania à pátria. Uma coisa sobre as crianças que me impressionou nos três países é que as pessoas me saudavam. Havia também crianças pequenas que também saudavam, estavam muito alegres. Mas sobre a alegria eu gostaria de falar mais tarde”.

Jean Luc Mootoosamy (Radio One, Mauritius)

O primeiro-ministro de Maurício lhe agradeceu por sua preocupação com o sofrimento dos nossos concidadãos que foram obrigados a abandonar o próprio arquipélago do Reino Unido depois da ilícita separação desta parte do nosso território antes da independência. Hoje, na ilha de Diego Garcia, há uma base militar estadunidense.  Santo Padre, os chagossianos em exílio forçado há 50 anos querem regressar a suas terras e as respectivas administrações dos Estados Unidos e do Reino Unido não permitem que isso aconteça não obstante exista uma resolução das Nações Unidas de maio passado. Como o senhor poder apoiar a vontade dos chagossianos e ajudar o povo de Chagos a voltar para casa?

«Eu gostaria de repetir aquilo o que diz a Doutrina da Igreja a respeito. As organizações internacionais, quando nós as reconhecemos e atribuímos a elas a capacidade de julgar em escala mundial – pensemos no tribunal internacional de Haia ou nas Nações Unidas – no momento em que fazem afirmações se somos uma humanidade (um consenso civil), temos o dever de obedecer. É verdade que nem sempre as coisas que parecem justas para toda a humanidade o são para o bolso, mas se deve obedecer às instituições internacionais, para isso foram criadas as Nações Unidas, foram criados os tribunais internacionais. Depois há outro fenômeno que, porém, o digo claramente, não sei se tem pertinência a este caso. Quando chega a libertação de um povo (um povo obtém a independência) e o Estado dominante deve ir embora– na África verificaram-se muitos processos de independência da França, da Grã-Bretanha, da Bélgica, da Itália, todos tiveram que deixar, alguns amadureceram bem – mas em todos há a tentação de ir embora com algo no bolso: sim eu dou a liberdade a este povo, mas algumas migalhas eu levo embora… Dou a liberdade ao país, mas do solo para cima, o subsolo permanece meu. É um exemplo, não sei se é verdade, mas para dizer: sempre há aquela tentação … Eu creio que as organizações internacionais têm que fazer um processo de acompanhamento, reconhecendo às potências dominantes aquilo que fizeram àquele país e reconhecendo a boa vontade de ir embora e ajudando-os a deixar totalmente, com liberdade, em espírito de fraternidade. É um trabalho cultural lento da humanidade e, nisto, as instituições internacionais nos ajudam tanto, sempre, e devemos ir avante fortalecendo as instituições internacionais: as Nações Unidas que retomem bem o seu papel, que a União Europeia seja mais forte, não no sentido do domínio, mas no sentido da justiça, da fraternidade, da unidade para todos. Isto creio seja uma das coisas importantes. E há outra coisa que eu gostaria de aproveitar para dizer depois de sua intervenção. Hoje não existem colonizações geográficas – pelo menos não tantas… mas existem colonizações ideológicas, que querem entrar na cultura dos povos e transformar aquela cultura e homogeneizar a humanidade. É a imagem da globalização como uma esfera, todos os pontos equidistantes do centro.  Ao invés, a verdadeira globalização não é uma esfera, é um poliedro onde cada povo preserva a própria identidade, mas se une a toda a humanidade. Ao invés, a colonização ideológica busca cancelar a identidade dos outros para torná-los iguais e chegam com propostas ideológicas que vão contra a natureza daquele povo, a história daquele povo, contra os valores daquele povo. E devemos respeitar a identidade dos povos, esta é uma premissa a ser defendida sempre. Deve ser respeitada a identidade dos povos e assim expulsamos todas as colonizações.

Antes de dar a palavra para a EFE – que é privilegiada, é “idosa”, tem 80 anos – eu gostaria de dizer algo a mais sobre a viagem que me impressionou muito. Do seu país me impressionou muito a capacidade de unidade inter-religiosa, de diálogo inter-religioso. Não se cancela a diferença das religiões, mas se destaca que todos somos irmãos, que todos devemos falar. Este é um sinal de maturidade do seu país. Falando com o primeiro-ministro ontem, fiquei surpreso de como eles, vocês, tenham elaborado esta realidade e a vivam como necessidade de convivência. Há uma comissão intercultural que se reúne… A primeira coisa que encontrei ontem entrando no episcopado – uma anedota – foi um maço de flores belíssimo. Quem o enviou? O grande Imã. Somos irmãos, a fraternidade humana que está na base e respeita todas as crenças. O respeito religioso é importante, por isso aos missionários digo que não façam proselitismo. O proselitismo que o façam no mundo da política, do esporte – torça pelo meu time, pelo seu… – mas não n0a fé. Mas o que significa para o senhor, Santo Padre, evangelizar? Há uma frase de S. Francisco que me iluminou muito. Francisco de Assis dizia aos seus frades: “Levem o Evangelho, se for necessário, também com as palavras”. Isto é, evangelizar é aquilo que lemos no Livro dos Atos dos Apóstolos: testemunho. E aquele testemunho provoca a pergunta: “Mas você por que vive assim, por que faz isso?”. E ali explico: “É pelo Evangelho”. O anúncio vem antes do testemunho. Antes viva como cristão e se perguntarem, fale. O testemunho é o primeiro passo e o protagonista da evangelização não é o missionário, mas o Espírito Santo que leva os cristãos e os missionários a dar testemunho. Depois virão as perguntas ou não virão, mas conta o testemunho de vida. Este é o primeiro passo. É importante para evitar o proselitismo. Quando virem propostas religiosas que seguem o caminho do proselitismo, não são cristãs. Buscam prosélitos, não adoradores de Deus em verdade. Eu aproveito para destacar esta experiência religiosa de vocês, que é tão bonita. Também o primeiro-ministro me disse que quando alguém pede uma ajuda, damos a mesma ajuda a todos, e ninguém se ofende, porque se sentem irmãos. E isso faz a unidade do país. É muito, muito importante. Também nos encontros não havia somente católicos, havia cristãos de outras confissões, e havia muçulmanos, hinduístas e todos eram irmãos. Isso vi também em Madagascar e ainda no Encontro inter-religioso pela paz dos jovens, com os jovens de diferentes religiões que quiseram expressar como vivem seu desejo pela paz. Paz, fraternidade, convivência inter-religiosa, nada de proselitismo, são coisas que devemos aprender pela paz. Esta é uma coisa que devo dizer. Depois outra coisa que me impressionou – e a vi em três países, mas me refiro a Madagascar, partimos dali – o povo; pelas ruas havia o povo, autoconvocado. Na missa no estádio debaixo de chuva estava o povo, que dançava debaixo da chuva, feliz… E também na vigília noturna, a missa – que dizem que tinha mais de um milhão, eu não sei, é o que dizem as estatísticas oficiais, eu vou um pouco abaixo, digamos 800 mil. Mas o número não interessa, interessa o povo, as pessoas que foram a pé na tarde precedente, ficaram na vigília, dormiram ali – eu pensei no Rio de Janeiro em 2013 (a Jornada Mundial da Juventude, ndr), que dormiam na praia – era o povo que queria estar com o Papa. Eu me senti humilde, pequeníssimo diante da grandeza da soberania popular. E qual é o sinal de que um grupo de pessoas é povo? A alegria. Havia pobres, tinha gente que não tinha comido naquela tarde para estar ali, estavam alegres. Ao invés, quando as pessoas ou os grupos se separam daquele sentido popular da alegria, a perdem. É um dos primeiros sinais, a tristeza dos solitários, a tristeza daqueles que esqueceram as suas raízes culturais. Ter consciência de ser um povo é ter consciência de ter uma identidade, de ter uma consciência, de ter modo de entender a realidade e isso congrega as pessoas. Mas o sinal de que você está no povo e não numa elite, é a alegria, a alegria comum. Isso quis destacar. E por isso as crianças saudavam assim, porque os pais as contagiavam com a alegria».

Cristina Cabrejas (da agência espanhola EFE que celebra os 80 anos de fundação)

Antes de tudo, vamos dar como consolidado que um de seus futuros planos é ir à Espanha, e esperemos que seja possível. A primeira pergunta que quero fazer-lhe: nesses oitenta anos da EFE, perguntamos a diversas pessoas, a líderes mundiais: como acredita que será a informação do futuro?

«Precisaria de uma bola de cristal… Irei à Espanha, se viverei, mas a prioridade das viagens na Europa é para os países pequenos, depois os maiores. Não sei como será a comunicação do futuro. Penso como era, por exemplo, a comunicação quando eu era jovem, ainda sem tv, com o rádio ou o jornal, inclusive com o jornal clandestino que era perseguido pelo governo de turno, era vendido à noite pelos voluntários… e também oral. Se fizermos uma comparação com esta, era uma informação precária e esta de hoje será talvez precária em relação àquela do futuro. Aquilo que permanece como constante da comunicação é a capacidade de transmitir um fato, e de distingui-lo da narrativa, do que é transmitido. Uma das coisas que prejudica a comunicação, do passado, do presente e do futuro, é aquilo que é transmitido. Há um estudo muito belo, que saiu três anos atrás, de Simone Paganeni, uma estudiosa de linguística da Universidade de Aachen,  e fala do movimento da comunicação entre o escritor, o escrito e o leitor. A comunicação sempre corre o risco de passar do fato àquilo que é transmitido e isso arruína a comunicação. É importante que seja o fato e sempre aproximar-se do fato. Vejo isso também na Cúria: há um fato e depois cada um o decora acrescentando sua visão, sem má intenção, esta é a dinâmica. Portanto, a ascese do comunicador é sempre regressar ao fato, referir o fato, e depois dizer a minha interpretação, disseram-me isso, distinguindo o fato daquilo que é referido. Tempos atrás me contaram a história de Chapeuzinho Vermelho, mas com base naquilo que era referido, e terminava com Chapeuzinho Vermelho e a avó que colocavam o lobo na panela e comiam o lobo. A narração mudava as coisas. Qualquer que seja o meio de comunicação, a garantia é a fidelidade: “dizer que” se pode usar? Sim, pode-se usar na comunicação, mas estando sempre alerta para constatar a objetividade do “se diz que…”. É um dos valores que é preciso perseguir na comunicação. Em segundo lugar, a comunicação deve ser humana, e no dizer humana entendo construtiva, isto é, deve fazer crescer o outro. Uma comunicação não pode ser usada como um instrumento de guerra, porque é anti-humano, destrói. Pouco tempo atrás passei um artigo para o padre Rueda que encontrei numa revista, que se intitulava: as gotas de arsênico da língua. A comunicação deve estar a serviço da construção, não da destruição. Quando a comunicação está a serviço da destruição? Quando defende projetos não humanos. Pensemos na propaganda das ditaduras do século passado, eram ditaduras que sabiam comunicar bem, mas fomentavam a guerra, as divisões e a destruição. Não sei o que dizer tecnicamente porque não sou formado na matéria. Quis destacar valores aos quais a comunicação, de qualquer meio, sempre deve buscar manter-se coerente».

Cristina Cabrejas (segunda pergunta)

Passemos à viagem. Um dos temas desta viagem foi a proteção do meio ambiente, das árvores, ameaçadas pelo desflorestamento e pelos incêndios. Neste momento, estão acontecendo na Amazônia. O senhor acredita que os governos dessas áreas estão fazendo todo o possível para proteger este pulmão do mundo?

«Volto à África. Eu já disse em outra viagem, há no inconsciente coletivo um lema: a África deve ser explorada. Nós jamais pensamos: a Europa deve ser explorada. Devemos libertar a humanidade deste inconsciente coletivo. O ponto mais forte da exploração está no meio ambiente, com o desflorestamento, a destruição da biodiversidade. Dois meses atrás, recebi os capelães marítimos e, na audiência, havia sete jovens pescadores que pescavam com uma embarcação que não era mais longa do que este avião. Pescavam com meios mecânicos como se faz agora, um pouco aventureiros. Eles me disseram: em alguns meses, pegamos seis toneladas deste plástico… No Vaticano, proibimos o plástico, estamos neste trabalho. Esta é uma realidade somente dos mares. A intenção de oração deste mês é justamente a proteção dos oceanos, que nos dão também o oxigênio que respiramos. Depois, há os grandes pulmões, na República Centro-Africana, em toda a região Pan-amazônica, e depois outros menores. É preciso defender a ecologia, a biodiversidade, que é a nossa vida, defender o oxigênio, que é a nossa vida. O que me conforta é que são os jovens que levam avante esta luta, que têm uma grande consciência e dizem: o futuro é nosso, com o seu faça o que quiser, mas não com o nosso! Creio que ter se chegado ao acordo de Paris foi um bom passo avante, e depois também os outros… São encontros que ajudam a se conscientizar. Mas no verão do ano passado, quando vi a foto do navio que navegava no Polo Norte como se nada fosse, me senti angustiado, e pouco tempo atrás todos vimos a fotografia do ato fúnebre simbólico por aquela geleira que desapareceu na Groenlândia. … Tudo isso acontece rapidamente, devemos nos conscientizar começando pelas pequenas coisas. Os governantes estão fazendo tudo? Alguns mais, outros menos. É verdade que há uma palavra que devo dizer e que está na base da exploração ambiental. Eu fiquei comovido com o artigo no Messaggero de Franca (Giansoldati, ndr), que não poupou palavras e falou de manobras destrutivas e isso não somente na África, mas também nas nossas cidades, nas nossas civilizações. E a palavra feia, feia é a corrupção: eu preciso fazer isso e para fazê-lo devo desmatar e preciso da permissão do governo ou do governo provincial.  Vou até o responsável – e aqui repito literalmente aquilo que me disse um empresário espanhol – e a pergunta que nós ouvimos quando querem aprovar um projeto é “Quanto para mim?”, descaradamente. Isso acontece na África, na América Latina e também na Europa. Em todos os lugares, quando se assume a responsabilidade sociopolítica como um ganho pessoal, ali exploramos valores, a natureza, as pessoas. A África deve ser explorada… Mas pensemos em tantos operários que são explorados nas nossas sociedades; temos o caporalato na Europa, não inventaram os africanos. A empregada que recebe um terço daquilo que deveria não inventaram os africanos, as mulheres enganadas e exploradas pela prostituição no centro das nossas cidades, não inventaram os africanos. Também aqui há esta exploração, não somente ambiental, mas também humana. E isso é devido à corrupção. E quando a corrupção está dentro do coração, devemos nos preparar, porque chega de tudo.

Jason Drew Horowitz (The New York Times, Stati Uniti)

No voo para Maputo, o senhor reconheceu estar sob ataque de um setor da Igreja nos Estados Unidos, obviamente existem fortes críticas de alguns bispos e cardeais, há TVs católicas e sites americanos muito críticos, e até mesmo alguns de seus aliados mais próximos falaram de um complô contra o senhor. Há algo que esses críticos não entendem sobre seu Pontificado? Há algo que o senhor aprendeu com as críticas? O senhor tem medo de um cisma na Igreja americana? E se sim, há algo que o senhor poderia fazer – um diálogo – para evitá-lo?

“Antes de tudo, as críticas sempre ajudam, sempre. Quando alguém recebe uma crítica, imediatamente deve fazer uma autocrítica e dizer: isso é verdade ou não? Até que ponto? E eu sempre tiro benefícios das críticas. Às vezes eles te deixam com raiva … Mas as vantagens existem. Na viagem para Maputo, um de vocês me deu esse livro em francês sobre como os americanos querem mudar o Papa. Eu sabia sobre a existência desse livro, mas não o havia lido. As críticas não são somente dos americanos, existem um pouco por toda parte, mesmo na Cúria. Pelo menos aqueles que as dizem têm a vantagem da honestidade em dizê-las. Não gosto quando as críticas estão sob mesa: te dão um sorrido mostrando os dentes e depois te apunhalam pelas costas. Isso não é leal, não é humano. A crítica é um elemento da construção e, se a tua crítica não estiver correta, tu estás preparado para receber a resposta, dialogar e chegar ao ponto acertado. Essa é a dinâmica da verdadeira crítica. Em vez disso, a crítica das pílulas de arsênico, da qual falávamos a respeito deste artigo que dei ao padre Rueda, é um pouco de jogar a pedra e esconder a mão…

Isso não serve, não ajuda. Ajuda os pequenos grupinhos fechados, que não querem ouvir a resposta à crítica. Em vez disso, uma crítica leal – eu penso isso, isso e isso – está aberta à resposta, isso constroi, ajuda. Diante do caso do Papa: não gosto deste Papa, o crítico, falo, escrevo um artigo e peço que ele responda, isso é justo. Fazer uma crítica sem querer ouvir a resposta e sem fazer o diálogo é não amar a Igreja, é seguir atrás de uma idéia fixa, mudar o Papa ou criar um cisma. Isso é claro: sempre uma crítica justa é bem recebida, ao menos para mim. Segundo, o problema do cisma: na Igreja houve tantos cismas. Após o Vaticano I, por exemplo, a última votação, aquela da infalibilidade, um bom grupo saiu e fundou os Vetero-Católicos para serem realmente “honestos” em relação à tradição da Igreja. Mais tarde eles encontraram uma evolução diferente e agora ordenam mulheres. Mas naquele momento eram rígidos, iam atrás de uma ortodoxia e pensavam que o Concílio havia errado. Outro grupo saiu calado, calado, mas não quiseram votar …

O Vaticano II, entre suas consequência, teve essas coisas. Talvez a separação pós-conciliar mais conhecida seja o de Lefebvre. Sempre existe a opção cismática na Igreja, sempre. Mas é uma das opções que o Senhor deixa à liberdade humana. Eu não tenho medo de cismas, rezo para que não existam, porque está em jogo a saúde espiritual de tantas pessoas. Que exista o diálogo, que exista a correção se houver algum erro, mas o caminho do cisma não é cristão. Pensemos no início da Igreja, como começou com tantos cismas, um após o outro: arianos, gnósticos, monofisitas … E me vem de contar uma história: foi o povo de Deus que salvou dos cismas. Os cismáticos sempre têm uma coisa em comum: se separam do povo, da fé do povo de Deus.E quando no Concílio de Éfeso houve a discussão sobre a divina maternidade de Maria, o povo – isso é histórico – estava na entrada de catedral quando os bispos entravam para o Concílio. Estavam ali com paus. Eles os mostraram aos bispos e gritavam “Mãe de Deus! Mãe de Deus! ”, como que por dizer: se vocês não fizerem isso, esperamos vocês aqui …

O povo de Deus sempre conserta e ajuda. Um cisma é sempre é uma separação elitista provocada por uma ideologia separada da doutrina. É uma ideologia, talvez justa, mas que entre na doutrina e a separa. Por isso rezo para que não ocorram cismas, mas não tenho medo. Isso é um resultado do Vaticano II, não deste ou daquele outro Papa. Por exemplo, as coisas sociais que digo, são as mesmas que  disse João Paulo II, as mesmas! Eu o copio. Mas eles dizem: o Papa é comunista … Entram as ideologias na doutrina e quando a doutrina escorrega nas ideologias, ali há a possibilidade de um cisma. Há a ideologia da primazia de uma moral asséptica sobre a moral do povo de Deus.Os pastores devem conduzir o rebanho entre a graça e o pecado, porque a moral evangélica é essa. Em vez disso, a moral de uma ideologia assim pelagiana te leva à rigidez, e hoje temos tantas escolas de rigidez dentro da Igreja, que não são cismas, mas caminhos cristãos pseudo-cismáticas, que terminarão mal. Quando vocês vêm cristãos, bispos, sacerdotes rígidos, por trás há problemas, não há a santidade do Evangelho. Por isso devemos ser mansos com as pessoas que são tentadas por esses ataques, estão passando por um problema, devemos acompanhá-las com mansidão ».

Aura Vistas Miguel (Rádio Renascença, Portugal)

Sabemos que não lhe agrada visitar países durante a campanha eleitoral, mas o fez em Moçambique, um mês antes das eleições, sendo que o presidente que o convidou é um dos candidatos. Por que?

“Sim. Não foi um erro, foi uma opção decidida livremente, porque a campanha eleitoral começa nestes dias e ficava em segundo plano em relação ao processo de paz. O importante era ajudar a consolidar esse processo. E isso é mais importante do que uma campanha que ainda não começou. Fazendo um balanço entre as duas coisas, era preciso consolidar o processo de paz. E depois eu encontrei também os dois oponentes políticos, para enfatizar que o importante era isso, e não torcer pelo presidente, mas enfatizar a unidade do país. O que a senhora disse, no entanto, é verdade: devemos nos distanciar um pouco  das campanhas eleitorais”.

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