Discurso de posse na academia carioca de letras 28 de agosto 2019

    Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.

    Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro

     

     

    Saudações

    – Saúdo o Presidente desta Casa, professor, ensaísta e poeta, Acadêmico Cláudio Murilo Leal,

    – o professor e advogado Dr. Bernardo Cabral, Acadêmico que gentilmente me recebe nesta cerimônia de posse com palavras carinhosas,

    – e, permitam-se fazer uma especial menção ao Presidente de Honra, escritor, jornalista, historiador, crítico e radialista, Acadêmico Ricardo Cravo Albin, que pessoalmente se empenhou em promover a minha candidatura a essa ilustre Academia. Em sua pessoa saúdo os demais membros que foram me propor essa possibilidade de participar desta grande entidade,

    – Cumprimento, também, as autoridades que vieram me prestigiar com sua presença: o Exmo. Sr. Vice-Governador Cláudio Castro, delegados da Secretaria de Cultura, representantes da PUC-Rio, da Associação Cultural da Arquidiocese, ADCE, Associação cultural da Arquidiocese do Rio de Janeiro, representantes da OESSJ, sacerdotes e demais representantes de entidades convidadas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,

    – Cumprimento de maneira especial a todos os acadêmicos desta nobre Academia Carioca a qual agora tenho a honra de me unir e pertencer.

    Prezados Senhores e Senhoras,

    Desejo, primeiramente, agradecer a honra que me é concedida de ser admitido ao seleto grupo de intelectuais da Academia Carioca de Letras. Pertencer a esta Academia, que congrega pessoas preocupadas com a cultura do país, representa uma deferência para com a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, que, em minha pessoa, é homenageada por esse egrégio Conselho. Assim, vejo a minha eleição-aclamação como uma grande honra para a Igreja.

    Fazer parte desta Academia é para mim uma oportunidade de continuar o diálogo da Igreja com a cultura, pois, juntamente com o diálogo ecumênico e inter-religioso, é importante trabalharmos juntos na conquista de grandes ideais de justiça e paz.

    Com alegria, portanto, assumo a cadeira de número 10 desta Academia, patronímica de Joaquim Noberto, em sucessão à acadêmica Stella Leonardos, já mencionados dos discursos anteriores, a quem homenageio e com reverência agradeço pelo bem prestado à cultura linguística e literária de nosso país.

    É importante recordar, neste momento, alguns aspectos da obra de Joaquim Norberto, uma vez que ele serve de inspiração aos seus sucessores na cadeira 10 desta Academia. De tudo o que já é amplamente conhecido a respeito desse poeta, romancista, teatrólogo, pesquisador e biógrafo, gostaria de destacar a sua visão de historiador. Ele se destacou na pesquisa sobre a história da nossa literatura e também como historiador do movimento ocorrido em Minas Gerais, no século XVIII, sobre o qual desenvolveu diversos trabalhos, dentre eles a sua principal obra, História da Conjuração Mineira, reconhecida pela originalidade da pesquisa e do estudo.

    O perfil de historiador de Joaquim Norberto afina-se com sua dedicação, por meio século, ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual chegou a ser presidente. Trata-se de um dado que me toca particularmente, uma vez que também tenho a honra de ser membro daquela insigne entidade.

    A inspiração mais imediata para o próximo ocupante da cadeira 10 vem justamente da minha predecessora, a poetisateatróloga e tradutora brasileira Stella Leonardos, que foi Presidente da Academia Carioca de Letras.  Ligada à terceira geração do Modernismo, é autora de uma vasta produção literária, laureada com muitos prêmios, nove deles conferidos pela Academia Brasileira de Letras. Sua figura enobrece a cadeira que vou ocupar, pelo seu papel na nossa literatura e presença feminina, como uma das grandes poetisas brasileiras, que ficará sempre em nossa memória.

    Ao me referir a memória, recordo a amável acolhida que me foi proporcionada quando aqui estive, há exatos quatro anos, para inaugurar a Comenda da Ordem Padre José de Anchieta, homenagem que guardo com especial apreço. Naquela data, tive a oportunidade de traçar para os senhores um breve perfil do Patrono da entidade, José de Anchieta, Santo e Escritor. A partir do contexto histórico da sua época, abordei alguns aspectos da sua vida, de suas atividades de missionário – que acabou se tornando também escritor – e do seu papel na fundação da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

    Destaco da alocução que proferi naquela cerimônia algumas ideias que gostaria de relembrar neste momento. A primeira delas trata da influência de Anchieta, que abrange uma imensa variedade de aspectos da nossa história e da nossa cultura, graças aos diversos campos de atividade que o “Apóstolo do Brasil” desenvolveu, como um personagem marcante nas origens de nossa nação.

    Outro aspecto significativo é que o grande jesuíta não tinha como objetivo ser um escritor; porém, em função do imenso projeto missionário que abraçou, a serviço do qual colocou seu gênio criativo, também produziu uma literatura que reflete os traços de sua espiritualidade e ímpeto evangelizador.

    Além de sacerdote e religioso, Anchieta foi poeta, teatrólogo, linguista, botânico e até mesmo artesão. De corpo frágil e saúde precária, tornou-se um gigante espiritual da missão no Novo Mundo. Tal grandeza é testemunhada pela própria história e pelas obras que deixou como legado de sua passagem por terras brasileiras.

    Com uma personalidade criativa e empreendedora, ele soube perceber a cultura indígena nas suas peculiaridades e riquezas, procurando conhecê-la para anunciar o Evangelho. A evangelização da Colônia abrangia, ainda, os portugueses e demais imigrantes que viviam no Brasil, os quais também se beneficiaram dos ensinamentos de Anchieta, divulgados de forma simples e atraente, muito diferentes dos clássicos sermões da época.

    Isso é o que hoje chamamos de “inculturação” – fecundar com a semente do Evangelho outras culturas e, ao mesmo tempo, delas aproveitar o que pode enriquecer a prática da fé. Era, portanto, uma postura de diálogo e respeito à pluralidade que já começava a caracterizar a nação brasileira no seu berço.

    Anchieta foi também um desbravador do Sudeste do Brasil. Depois de fundar o povoado que viria a se tornar a Cidade de São Paulo, passou pelo Rio de Janeiro, chegando até o Estado do Espírito Santo. Andou muitos quilômetros a pé pelas costas brasileiras em sua missão. No caso do Rio de Janeiro, essa influência se faz ainda mais patente, pelo seu papel nos episódios relativos à fundação da Cidade, tanto pelo engajamento na estratégia da luta armada, assim como cronista daqueles eventos.

    Finalmente, recordo a menção que fiz da elevação de José de Anchieta aos altares, que me parece sinalizar a importância do seu exemplo para nós, nos dias de hoje. Ele foi beatificado pelo Papa São João Paulo II no dia 22 junho de 1980 e proclamado santo no dia 3 de abril de 2014. Sua canonização não foi baseada em um milagre recente, mas se deu por meio de um decreto do Papa Francisco, no qual ele reconhece as virtudes heróicas e a trajetória apostólica, missionária e humanizadora do Padre José de Anchieta.

    A partir desta peculiaridade de sua canonização, desenvolvo algumas ideias sobre a importância do patrocínio de Anchieta para a Academia Carioca de Letras, de modo que gostaria de me deter, neste presente discurso, em alguns aspectos de sua figura que podem inspirar nossa atuação como acadêmicos.

    Parece-me significativo o fato de que o reconhecimento da santidade de Anchieta ocorra no âmbito de uma “trajetória apostólica, missionária e humanizadora”, demonstrando que a sua influência abrange um horizonte amplo e variado, como também foram diversificadas as suas atividades. Guardando as devidas proporções com a situação histórica da época e o ambiente culturalmente restrito do período colonial brasileiro, verificamos que José de Anchieta foi “um personagem marcante nas origens de nossa nação”, como afirmei anteriormente. Ele nos deixou um legado que transcende as fronteiras da sua religião e da sua missão evangelizadora, para contribuir de maneira perene com os fundamentos da nação brasileira.

    Encontro-me, aqui, diante de uma audiência composta por intelectuais, homens e mulheres formadores de opinião dentro da nossa sociedade, lideranças reconhecidas nas suas diversas áreas de atuação. Possuem formações diversificadas e seus próprios credos, ou talvez não o tenham. Esse universo plural da Academia Carioca de Letras é um lugar privilegiado para trabalharmos pelo desenvolvimento da nossa cultura e da nossa língua, pois o Rio de Janeiro, apesar de todos os seus problemas e dificuldades, é o centro cultural do nosso país, a imagem do Brasil que o mundo contempla.

    Diante da riqueza diversificada de personalidades que esta Casa reúne, cada indivíduo pode, ainda assim, encontrar em José de Anchieta um elemento aglutinador, cujo exemplo tem muito a dizer para qualquer pessoa de boa vontade, que seja solidariamente humana, devotada aos seus ideais e coerente com eles na própria vida. Na sua multifacetada atividade, Anchieta fez tudo convergir para o propósito da sua fé e a unidade do nosso país.

    Tomo também para mim as lições do notável jesuíta, sobretudo diante da minha nova condição de membro da Academia Carioca de Letras. Quando fui ordenado bispo, escolhi como lema o seguinte versículo do Evangelho de João: Ut omnes unum sint – “Para que todos sejam um” (Jo 17, 21). Esta é a grande meta do meu pastoreio, e penso que também posso colocá-la a serviço da Academia, através do compromisso de fomentar o diálogo, para que possamos construir a unidade, em todas as questões que se apresentem. Assim como nosso imenso país está unido pelo mesmo idioma que Portugal nos legou, possamos todos nós falar a linguagem da solidariedade, dos propósitos compartilhados e dos objetivos em comum.

    Um pouco de minha história foi contada na apresentação e agradeço. Gostaria de falar também sobre a história da Academia. Tenho certeza de que ela é amplamente conhecida pelos senhores, porém cabe destacar aqui um aspecto que considero importante: a mudança do nome da entidade, de Academia Pedro II para Academia Carioca de Letras.

    Com todo o apreço que merece de nós a memória do nosso Imperador, homem de grande cultura, cujo nome dignificou essa Academia, penso que o título de “Carioca” nos aproxima do nosso povo. Sem abandonar a preocupação com a cultura nacional, como um todo, percebo que aqui floresce a alma que caracteriza os que nasceram nesta Cidade, ou aqui vivem e a amam.

    Por isso, ao ser empossado como membro desta Academia, sinto-me no dever de sugerir que, juntos, como presença cultural e acadêmica nesta Cidade, possamos ajudar o nosso povo a dar passos na conquista de dias melhores, a fim de que tenhamos uma justiça social que garanta às pessoas uma vida com dignidade. O lema que escolhi desde os tempos de ordenação presbiteral e que me acompanhou até este momento – “que todos sejam um” – assim com tem norteado minha vida e ações tenho certeza que me servirá de inspiração para esta nova condição em que me encontro a partir deste momento. Diante de uma sociedade esfacelada e dividida tenho certeza de que os intelectuais desta academia poderão contribuir para a paz social com suas reflexões e suas presenças. Eu me coloco como alguém que continuará a disposição da sociedade para construir a solidariedade e fraternidade.

    Em suma, não nos esquivemos de falar a linguagem do amor que, mesmo nas situações cotidianas, deve ser a fonte e a meta da nossa vida.

    Obrigado a todos pela acolhida e pela atenção.

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