Memórias de Julho

    Dias atrás fiquei privado de um símbolo que me acompanhava desde a visita “ad limina” que fiz ao Papa João Paulo II em janeiro de 2003, quando ainda bispo de São José do Rio Preto. Foi a última vez que o encontrei pessoalmente, estava já bem adoentado e em 2005 ele partiria para a eternidade.
    Em sua mensagem aos Bispos do Regional Sul 1, na época, ele recordou: “a época em que vivemos é ao mesmo tempo dramática e fascinante. Se por um lado parece que os homens vão ao encalço da prosperidade material, mergulhando cada vez mais no consumismo materialista, por outro lado manifestam a angustiante procura de sentido de vida interior, o desejo de aprender novas formas e meios de concentração e de oração”. No dia desse pronunciamento ele entregou a cada bispo uma cruz peitoral. Receber uma cruz com um cordão de um santo não é presente de todos os dias! Nos últimos anos tenho-a usado sempre. Uma cruz prateada simples, com o brasão do Papa santo no seu verso. Era uma recordação de um grande amigo e do chamado à santidade. É claro que o sentido continua. O sentido não está no objeto que se perdeu. A imprensa deu grande destaque a esse símbolo que me foi subtraído no último domingo, porém, eu faço um pedido: que por onde estiver que ajude muitos jovens no encontro com Jesus Cristo, que deu sua vida na Cruz e que, como passou pelas mãos do Papa Santo, São João Paulo II, leve as pessoas a serem santas! É a minha oração e confiança. Essa será para mim mais uma memória deste rico mês de julho. É o nosso compromisso com uma cidade mais justa e fraterna. Que chegue aos corações de muitos e toque a vida das pessoas.
    O mês de julho é pleno de memórias importantes: Congresso Eucarístico Internacional no Rio de Janeiro, visita do Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, fundação no Brasil do Movimento Familiar Cristão no Rio de Janeiro, e a grande primeira visita do Papa São João Paulo II, permanecendo na cidade maravilhosa os primeiros dias do mês. Ele voltaria outras duas vezes, para o Encontro Mundial das Famílias e outra fazendo escala em sua viagem à Argentina. Sempre é tempo de “fazer memória”, em especial neste momento em que o Papa Francisco visita de novo a América Latina (Equador, Bolívia e Paraguai). Vale a pena partilhar um pouco da sua primeira visita, que tanto marcou as nossas terras.
    O pontificado de João Paulo II começou em 16 de outubro de 1978, e desde o início o Santo Papa quis ser peregrino, itinerante e missionário. Em seus 27 abençoados e fecundos anos de pontificado, realizou 104 viagens apostólicas aos cinco continentes. Povos de tantas raças, culturas, idiomas e religiões puderam abraçar e ser abraçados por esse incansável mensageiro da paz.
    São João Paulo II sabia que o Brasil era o maior país católico do mundo. Uma graça especial, mas também uma vocação e compromisso. O desejo do Papa era conscientizar sobre a necessidade de promover uma cultura da solidariedade internacional, que constitui uma dimensão essencial do bem comum da comunidade mundial. O Brasil, tão católico, não poderia ficar de braços cruzados.
    Antes mesmo de chegar ao Brasil, João Paulo II enviara uma mensagem saudando a Igreja local e seus Pastores, os governantes e responsáveis pelo bem comum, as famílias, os jovens, as crianças e os que sofrem. Dizia iniciar essas jornadas pobres de qualquer aparato humano e trazendo uma única riqueza: um grande afeto pelo povo brasileiro, o desejo profundo de proclamar o Evangelho e a vontade de contribuir na consolidação da fé cristã da nossa gente.
    João Paulo II foi o primeiro papa que visitou nosso país, com apenas dois anos de pontificado. Ele levou uma multidão de 4,5 milhões de católicos e não católicos às ruas e mexeu com o Brasil. O papa chegou em 30 de junho a Brasília, onde realizou o gesto célebre de ajoelhar-se e beijar o chão, saudando a Terra que acabava de pisar. Até 11 de julho, quando embarcou de volta ao Vaticano, passou por Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Aparecida (SP), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Manaus (AM), Recife (PE), Salvador (BA), Belém do Pará (PA), Teresina (PI) e Fortaleza (CE).
    A vinda ao Brasil em 1980 foi a sétima chamada “peregrinação internacional” de seu papado. Pela tradição da Igreja, antes de João Paulo II somente um papa dos tempos modernos, seu antecessor Paulo VI, havia viajado bastante e, mesmo assim, não tanto quanto ele.
    João Paulo II chegou ao Brasil como profeta de Cristo para anunciar o Evangelho da Vida e denunciar tudo aquilo que ferisse a dignidade humana em nosso país. Com o coração em Deus e os pés na Terra de Santa Cruz convidou todos os brasileiros a trilhar as sendas da justiça e misericórdia para superar os maiores flagelos do Brasil.
    O Rio de Janeiro recorda com entusiasmo essa visita naquele mês de julho de 1980. A Igreja do Rio de Janeiro toda já cantou no passado a música que eletrizou não só a nossa Igreja Particular, mas todo o Brasil: “A bênção, João de Deus! A bênção, João de Deus, nosso povo te abraça. Tu vens em missão de paz. Sê bem-vindo, E abençoa este povo que te ama”. A bênção, João de Deus! E no II Encontro Mundial do Papa com as Famílias (outubro de 1997) aqui no Rio, se acrescentou: “João Paulo, aqui estamos, a família reunida. Em torno de ti, ó Pai, reafirmando a esperança do amor que une a todos”!
    Todos nós, há trinta e cinco anos, cantamos esta música com muita emoção e com grande alegria para receber o primeiro Papa a pisar nas terras brasileiras. São estes sete lustros que queremos rememorar, lembrando aqueles dias abençoados em que São João Paulo II esteve em nosso meio, em um encontro com personalidades do mundo da cultura, no seu discurso por ocasião da celebração dos vinte e cinco anos de fundação do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM); no seu encontro com o clero da Arquidiocese do Rio de Janeiro; da sua visita apostólica aos moradores da Favela do Vidigal; de sua bênção para a cidade do Cristo Redentor, no Corcovado, e da sua homilia na santa Missa de Ordenação Sacerdotal.
    Nossa Arquidiocese relembra, em todos os seus rincões, da figura maiúscula desse Papa santo. João Paulo II fez seus discursos com clareza e sem rodeios. Em pleno regime militar, defendeu justiça social, liberdade sindical, reforma agrária, direitos humanos e educação sexual. Enfatizou a situação social da população – e o aborto.
    Gostaria aqui de lembrar dos nossos sacerdotes, que gastam as suas vidas nas periferias existenciais mais difíceis de nossa Arquidiocese, e a de todos os outros que juntos formamos este bonito Presbitério: nós não devemos ter medo de anunciar, testemunhar, viver e convidar a todos a abrirem os corações para o Redentor e a clamar ao Pai de Misericórdia paz e justiça social para a nossa amada cidade! São João Paulo II, abençoai a cidade e a Arquidiocese do Rio de Janeiro, e nos ensinai a paz que tanto Vossa Santidade testemunhou.
    Em 1997, após o II Encontro Mundial com as famílias aqui no Rio de Janeiro, João de Deus se referiu a dois belos símbolos de nossa cidade: “Ao deixar esta terra abençoada do Brasil, eleva-se na minha alma um hino de ação de graças ao Altíssimo, que me permitiu viver aqui horas intensas e inesquecíveis, com o olhar fixo no Cristo Redentor, que domina a Baía de Guanabara, e na certeza do amparo maternal de Nossa Senhora da Penha a proteger esta cidade querida desde o seu Santuário, situado não longe daqui”.
    Outra memória que deverá ficar neste mês deverá ser o início da grande missão arquidiocesana no ano da Esperança com a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida. Com esse trabalho, movidos pela ação do Espírito Santo, desejamos que seja sempre mais essa Terra abençoada, e que este mês de julho, de tantas memórias, seja o belo momento de, renascer a confiança de que, com a graça de Deus, podemos trabalhar por um mundo mais justo e humano, conduzidos pelo Espírito Santo. Diante de um momento difícil, complexo e violento surge no horizonte a certeza de que o Senhor Ressuscitado, vida do mundo, é a luz que ilumina as trevas e conduz o povo para a verdadeira vida! Avante, com coragem, “ide sem medo para evangelizar”! Somos testemunhas da esperança!
    São João Paulo II, rogai por nós!