A descristianização e a objeção de consciência

    Os estudiosos sérios não costumam negar, independente de suas crenças ou convicções, os benefícios que a Igreja trouxe, enquanto guardiã da Lei Natural e da Revelação Divina, à humanidade, a partir da pregação apostólica e da formação das primeiras comunidades espalhadas pelo mundo conhecido nos primeiros séculos da nossa era.
    Os valores do Evangelho foram penetrando no coração das pessoas que aderiam à fé católica e delas transbordava para a vida social mais próxima (família, amigos, vizinhos etc.) ou mais remota (as instituições sociais e políticas) como o fermento na massa, de que fala o Senhor Jesus (cf. Mt 13,33).
    Certo é que se a graça de Deus acompanhava (e acompanha) a Igreja, não é menos certo que o mundo de então – assim como o de hoje – fazia grande afronta aos valores cristãos. Registra, por exemplo, Dom Estêvão Bettencourt, OSB, teólogo de renome e monge beneditino do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro (RJ), que “os destinatários greco-romanos aos quais se dirigia a pregação cristã, achavam-se em nível moral extremamente baixo: os vícios eram não somente praticados, mas até venerados nas figuras das divindades do paganismo. A sodomia, o adultério, o lenocínio, o infanticídio, a crueldade constituíam, por vezes, o espetáculo público tanto dos nobres como das massas”. (Problemas de fé e moral. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2007, p. 87).
    Nesse ambiente, as coisas mais absurdas ou condenáveis eram consideradas por alguns filósofos como racionais. Daí, o famoso filósofo Sêneca († 65) ter escrito com certa ênfase: “Quando matamos os cães furiosos… e submergimos as crianças fracas ou monstruosas, não o fazemos movidos pela cólera, mas pela razão”. (Sobre a ira, I, 1.5)
    Os cristãos se opuseram a isso. Essa oposição entre o mundo pagão e o mundo cristão aí estão de modo muito nítido e, por isso, os estudiosos não podem, sem cometer injustiças, negar o papel da Igreja na agregação de valores à humanidade errante. O tempo, porém, passou e estamos em uma sociedade que, sem medo, podemos chamar de pós-cristã ou neopagã, dado os costumes ou leis aprovadas em mais de um país, especialmente no que ofende a vida, a família.
    Nessa cultura neopagã ou “pós-cristã”, não basta apenas tornar legal pelas leis humanas – já que a lei divina natural ou positiva é intocável – o assassinato de inocentes e indefesos no ventre materno, retirar os símbolos religiosos de locais públicos, desfigurar o conceito de família como sendo o núcleo formado pelo pai, a mãe e os filhos por meio de redefinições ardilosas, a laicização do país assumindo uma postura arreligiosa e, portanto, confessional, a ideologia de gênero (não se nasce mais homem e mulher, mas apenas um ser neutro que escolhe ser homem, mulher ou nem um nem outro), a intolerância religiosa, étnica, cultural, ideológica e social, e tantas outras questões.
    Não! Só isso – quanta coisa! – não basta. É necessário também forçar todos os homens ou mulheres de nossos dias a adotarem, na prática, esse novo modo de ser e de agir, ainda que para isso se desrespeite o que eles têm de mais íntimo e indevassável: a sua consciência.
    Como se faz isso? – respondem porta-vozes de grupos defensores do aborto com duas constatações muito interessantes, que vale a pena ser observadas. O primeiro ponto é atacar a Igreja, a começar pelos Bispos. “O argumento dos Bispos afirma que o aborto é um assassinato, que abortar é matar; e que a vida começa na concepção. Mas esta perspectiva católica é o lugar adequado para se começar o trabalho [abortista], porque a posição católica é a mais desenvolvida. Assim, caso se consiga refutar a posição católica, ter-se-á refutado todas as demais. Nenhum dos outros grupos religiosos realmente tem declarações tão bem definidas sobre a personalidade, sobre quando tem início, sobre fetos etc. Assim, caso se derrube a posição católica, se ganha”. (Pe. David Francisquini. Catecismo contra o aborto. São Paulo: Artpress, 2009, p. 61).
    O segundo ponto, de acordo com uma das grandes propugnadoras do grupo pró-aborto, é o seguinte: enquanto os movimentos se limitarem a legalizar o aborto nenhuma conquista será definitiva. A vitória só será total e irreversível quando, além de se mudar a legislação, forem derrubadas as objeções de consciência de fundo moral.
    O Estado do Rio de Janeiro transformou-se no primeiro no Brasil a aprovar uma lei, derrubando um veto governamental, a instituir esse grande passo, esclarecendo assim a liberdade da pessoa, não a constrangendo a praticar atos contra sua consciência. E isso também profissionalmente. Os deputados deram um passo muito importante.
    “Entende-se por objeção de consciência qualquer tipo de resistência à autoridade pública por motivos íntimos, ou seja, quando o cidadão julga, de modo bem fundamentado, que as determinações da autoridade são injustas e, por isso, não merecem a obediência, mas, sim, oposição”. (Vanderlei de Lima. Obedecer antes a Deus que aos homens. Amparo: Ed. do Autor, 2013, p. 7). Com esse direito humano básico, o católico enfrenta as adversidades; sem ele (e os opositores da Igreja querem derrubá-lo), é obrigado a praticar tudo o que contraria a sua consciência – em uma das maiores ditaduras da história – ou a fugir do emprego, colocando em risco o seu futuro e o de sua família.
    Daí, a importância de que a objeção de consciência seja mais bem conhecida, recomendada no cotidiano de cada um nos diversos momentos em que a voz interior lhe falar: Isso não lhe é lícito! É contrário à lei de Deus!