VOZES NA ESCURIDÃO

    Você já se perdeu numa noite escura, sem referência alguma a orientar seus passos? Não é uma experiência agradável. Num primeiro momento vem o medo, para logo em seguida buscar-se uma luz ou mesmo vozes, sons que possam balizar novos passos. Sem luzes, buscamos vozes. É tudo o que hoje vejo no meio do povo. A escuridão do momento deixa a população incerta, insegura, apavorada. Deseja-se uma nova luz, uma voz ao menos.

                Exatamente essa foi a sensação que tive ao adentrar uma igreja e assistir uma missa presencial após quatro meses de escuridão, solidão. Por coincidência, num início de agosto a celebrar as vocações (vozes atentas a um chamado), em especial a primeira delas na hierarquia dos que temem a Deus, a vocação sacerdotal. Naquela assembleia reduzida, mas bem representativa, senti-me um entre bilhões a buscar vozes na escuridão. Descobri ser do padre o timbre suave e encantador duma esperança que ainda cambaleia em meio ao povo aturdido e desamparado pelas dores e provações dum mundo em pandemia. Descobri ser a Igreja essa mãe generosa que nos oferece luzes e estende sua voz a chamar seus filhos. “É por aqui, venham”!

                Então o padre falou. Mostrou-se preocupado com o clamor de seu povo. Amplificou sua voz usando os recursos da tecnologia moderna, mas sem perder o timbre ferido e também enlutado pela perda do amigo, dos vários amigos que a doença está levando. “Encheu-se de compaixão por eles” … Ouviu o grito do seu povo, viu a fome que corroía estomago e coração, que os conduzia “a um lugar deserto e em hora adiantada”. Parece tarde, mas para alimentar um povo faminto não existe hora. O padre sabe, por dever de profissão e de seu pastoreio, que a fome do mundo tem duas faces, dois lados que merecem igual atenção por força do seu ministério. A Igreja reconhece que é crítica e desesperadora a fome do mundo, não somente no aspecto do pão de cada dia, mas com igual ou maior intensidade quando se deseja “o pão-vivo que vem do céu”. A multidão desorientada naquele “deserto” provou da consistência do milagre multiplicador e experimentaram o sabor de cinco pães e dois peixes que renovaram as forças físicas e espirituais de mais de cinco mil pessoas. “Dai-nos sempre desse pão”, disseram seus discípulos. Aos apóstolos, somente a eles, seria confiada essa tarefa eclesial: “Fazei isso em minha memória”.

                Essa é a função sacerdotal no mundo. Mesmo em meio à carestia do pão. Mesmo em tempos de escuridão! As vozes que hoje ecoam e dão novo alento ao desespero do homem faminto (não só do pão, mas igualmente das mais gritantes necessidades de uma vida em sintonia com os planos de Deus) são daqueles que apregoam a verdade cristã. Jesus disse: ‘Trazei-os aqui’, numa clara referência dos atributos sacerdotais no meio do povo. Aproximem esse povo do Cristo. “Dai-lhes vós mesmo de comer!”. Do pouco disponível ainda há de sobrar doze, dozes cestos… As doze tribos de Israel, os doze apóstolos, o colégio dos escolhidos! Eis clara a função sacerdotal, a missão da Igreja no mundo, mesmo que esse mundo ofereça tão pouco, apresente a Deus o mínimo necessário para que ele possa agir e realizar o milagre que tanto buscamos.

                No dia do padre a voz da Igreja ganha o timbre da compaixão de Jesus. O mesmo que também chorou no deserto a perda do amigo e parente, seu precursor, João Batista. O mesmo que hoje chora a perda de muitos, não pela morte física apenas – essa é secundária no plano espiritual – mas pela derrocada final da vida espiritual que o mundo parece ignorar. Todos somos responsáveis por esse crime contra a humanidade. A voz gritante e solitária de muitos sacerdotes indica novos caminhos, mas por outro lado a voz troante da Incredulidade deseja abafá-la dentre nós. Ouçamos a voz da Igreja!

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