Vocação e discernimento

              Papa Francisco não poderia encerrar sua carta aos jovens, denominada Cristo vive, sem um enfoque paternal e sereno sobre as questões que mais afligem o espírito juvenil: vocação e discernimento. Uma questão e outra não se separam, estão intrinsicamente associadas nas opções que um jovem faz. “O ponto fundamental é discernir e descobrir que aquilo que Jesus quer de cada jovem é, antes de tudo, a sua amizade” (250). Jesus tinha que entrar nessa história? Partindo do Papa, sim, é lógico. “E, se fosse necessário um exemplo contrário, recordemos o encontro-desencontro do Senhor com o jovem rico… Depois de ter seguido uma boa inspiração, foi-se embora triste” (251).

    Francisco atualiza: “Com efeito, ‘a vida que Jesus nos dá é uma história de amor, uma história de vida que quer misturar-se com a nossa e criar raízes na terra de cada um. Essa vida não é uma salvação suspensa “na nuvem” – no disco virtual – à espera de ser descarregada, nem uma nova “aplicação” para descobrir ou um exercício mental fruto de técnicas de crescimento pessoal” (252). Contestem essa verdade os pressupostos tutores vocacionais da modernidade, para os quais vocação e profissão são indissociáveis. Então o Papa nos lembra: “O Senhor chama-nos a participar na sua obra criadora, prestando a nossa contribuição para o bem comum com base nas capacidades que recebemos” (253). Toda vocação bem resolvida é um sim à missão que recebemos. “Esta vocação missionária tem a ver com o nosso serviço aos outros… Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo” (254).

    “Não se trata apenas de fazer coisas, mas fazê-las com um significado, uma orientação” (257). Fazê-las não para si, mas para o bem comunitário, o outro. “Este ‘ser para os outros’ na vida de cada jovem está relacionado com duas questões fundamentais: a formação duma nova família e o trabalho” (258). O Papa repõe a questão familiar como algo fundamental que a juventude de hoje deve restaurar em seus sonhos e ambições. “Os jovens sentem fortemente a chamada ao amor e sonham encontrar a pessoa certa com quem formar uma família e construir uma vida juntos” (259). Então sentencia: “Não deixeis que vos roubem a possibilidade de amar a sério” (263). E aponta a ferida: “Reina hoje a cultura do provisório, que é uma ilusão. Muitas vezes ouvis dizer que ‘hoje o casamento está “fora de moda”… Ao contrário, eu tenho confiança em vós e, por isso, vos encorajo a optar pelo matrimônio” (264).

    Foca igualmente o mundo do trabalho. “É verdade que não podeis viver sem trabalhar e que, às vezes, tens de aceitar o que encontras, mas nunca renuncies aos teus sonhos, nunca enterres definitivamente uma vocação…” (272). Nem mesmo a vocação religiosa. “Podes ter a certeza de que, se reconheceres uma chamada de Deus e a seguires, será isso que dará plenitude à tua vida” (276).

    Mas tudo isso exige discernimento, lucidez. “Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião” (279). Um perigo para frustrações futuras. “Não se deve começar por questionar onde se poderia ganhar mais dinheiro, onde se poderia obter mais fama e prestígio social, mas também não se deveria começar perguntando quais tarefas nos dariam mais prazer. Pergunte-se: Conheço-me a mim mesmo para além das aparências ou das minhas sensações? Sei o que alegra ou entristece o meu coração?” (285). Tudo isso há de exigir escuta e acompanhamento apropriados. Mas, para concluir… um desejo:

    “Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi ‘atraídos por aquele Rosto tão amado… A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós” (299). Esse é nosso Francisco!

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