No episódio da Transfiguração de Jesus um detalhe ressaltado por São Lucas merece atenção especial (Lc 9,28-36). Diz o evangelista que Cristo, “enquanto estava em oração, seu rosto tomou aspecto diferente, seu vestuário assumiu um candor refulgente”. Os discípulos então viram Jesus transfigurado na prece e pela prece. Momentos de pura graça foram para Pedro, Tiago e João contemplar a glória do Mestre divino. Estavam antes oprimidos pelo sono, mas despertaram completamente e se sentiram imersos numa luz transfigurante. Muitas vezes os que se aproximam de Jesus estão inicialmente sonolentos, sono da fé, porque pouco habituados às maravilhas divinas; sono da esperança, ofuscada pelas ilusões terrenas; sono do amor, desvirtuado pelas mensagens mundanas veiculadas pelos meios de comunicação social. Entretanto, surgem providencialmente instantes surpreendentes que levam a um despertar luminoso das três virtudes teologais. Isto faz o cristão exclamar com São Pedro: como é bom viver intensamente o contato íntimo com as realidades espirituais que iluminam com o resplendor do Todo-poderoso. Trata-se do júbilo de perceber a presença do Deus três vezes santo nesta terra para um dia contemplar sua face na eternidade. A transfiguração no Tabor foi fugaz, mas anunciava o triunfo definitivo do Redentor da humanidade. Eis porque pôde afirmar São Paulo: “Ressuscitados com Cristo procuramos as coisas do alto lá onde se encontra Cristo, assentado à direita de Deus” (Col 3,1). O Pai transfigura aqueles que olham e cantam seu esplendor, como está na Carta aos Coríntios: “Quanto a nós todos que com o rosto descoberto, refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transformados nessa mesma imagem, cada vez mais fúlgida como obra do Senhor, o qual é espírito” (2 Cor 3,18). Cristo transfigurado na montanha, então glorificado. Cristo martirizado no Calvário, salvador, manifestando em tudo seu imenso e indescritível amor, mais forte do que a morte. É preciso, contudo, acatar a ordem do Pai: “Este é meu Filho amado, escutai-O”. Ouvir as palavras de Jesus para ser transfigurado, haurindo todas graças da caminhada quaresmal, vencidas todas as moléstias do corpo e da alma, todas as fraquezas, todos os defeitos. É o convite divino para uma renovação espiritual, desinstalando os que precisam de uma renovação interior, deixando a rotina e se colocando numa peregrinação renovadora até o dia da Páscoa que se aproxima. Combate ao imobilismo e à estagnação. Pedro queria ficar lá no monte com João e Tiago, mas Jesus os trouxe para a realidade que para Ele seria o drama sanguento de sua Paixão e Morte. Lá no Tabor Moisés estava a lembrar a importância do Decálogo e Elias a recordar o valor das lições dos Profetas. Serão felizes e transfigurados aqueles que são fiéis ao Pai. Ao vencer, como vimos no domingo passado as tentações do diabo, Jesus dera uma demonstração desta fidelidade, a qual O levaria ao Calvário. Ele tomaria sobre si o absoluto do mal para livrar seus seguidores das garras de satanás e para que o amor tivesse sempre a última palavra. Jesus subiu a montanha para rezar, para se concentrar no Pai e receber dele a força de ser fiel ao Espírito que os unia e que estava sobre Ele. Muitas vezes Ele se retirou sozinho para rezar. No acontecimento de hoje Ele levou consigo três Apóstolos que eram então representantes do corpo eclesial do qual Ele é a cabeça. Seus seguidores conheceriam o júbilo do Tabor, mas também o sacrifício do Gólgota. Ele deixara bem claro: “Se alguém quer vir após mim, que renuncie a si mesmo, tome a sua cruz de cada dia e siga-me” (Lc9, 23). Este caminho passa pela morte, mas não é mortífero. Ao contrário é a fonte da vida eterna, conduzindo à luz da felicidade sem fim. Cumpre, porém, escutar Jesus que é a aliança do povo e a luz das nações, pois somente Ele tem a Palavra da salvação eterna. Depois que se ouviu a voz do Pai Jesus estava novamente sozinho. O mistério do grão que lançado na terra morre para dar a vida haveria de continuar nele, na Igreja e em cada um de nós, seus discípulos A missão redentora que Ele consumiria no Calvário seria também a tarefa de seus seguidores. Se às vezes faltam luz, transfiguração na vida do cristão, é porque o seu alimento não é a vontade do Pai, seu pão não é a Palavra de Cristo, seu olhar está fixado não nele, mas em falsos profetas. Saibamos então contemplar sempre e unicamente a Jesus e Ele nos transfigurará nele.