Vencer ou perder

    De vitórias e derrotas o mundo está cheio. Desde que a humanidade se desencantou com a rotina sem novidades dum paraíso terreno, nunca mais sua história deixou de aparar arestas da competitividade, sua marca registrada na condução da própria vida. Compete para nascer, para viver, para amar, para glorificar, para governar, liderar ou simplesmente usufruir das benesses do bem-viver.  Compete até para mais nada fazer, curtindo a derrota do outro ou saboreando as próprias conquistas. Vencer é a meta, que sempre custa a derrota de alguém, de milhares ou milhões, mas que é sempre privilégio de poucos. Eis tudo!
    Tirando essa filosofia barata, mas oportuna, meu contraponto aqui busca também uma vitória. Se alcançar seu ponto de vista ou ao menos levar algum leitor a interessar-se pelo assunto, já me sinto vencedor. Eis que na luta diária da sobrevivência muitos sucumbem a meio caminho, outros avançam um pouco mais, mas todos terminam num ponto comum, sua bandeira de chegada, seu pódio. Eis que surge então a grande e fatídica questão: E depois? Aqui a vitória de muitos é sua maior derrota. Quem nunca ouviu falar do atleta que viu o confisco de suas medalhas depois de comprovado o uso de estimulantes ou anabolizantes ilegais? Ou até daquele clube de sucesso que devolveu a taça e o título por relações comprovadamente vergonhosas com juízes e dirigentes que se venderam por míseras moedas? Ou simplesmente porque se descobriram incapazes de cumprir as promessas que lhes proporcionaram vencer. Venceram um momento; perderam uma eternidade. Qualquer vitória terrena é sempre passageira, transitória.
    Se alguém me exigir uma tese sobre o tema, não hesitarei em minha negativa, pois que dele nos cansamos facilmente. Indicarei, sim, uma leitura da mais capciosa e completa obra sobre o assunto, a Bíblia. Se buscamos a origem, lá está, a disputa quase eterna entre o bem e o mal, o homem e a mulher, a astúcia e a malícia. Se nosso interesse é pelas causas e consequências, a história da relação humana com seu Deus sempre se deixou ilustrar por conquistas e derrotas, bênçãos e maldições. Se, por fim, o que lhe interessa é a meta final, a vitória pura e simples, eis que o sonho de uma Terra Prometida encantou os conquistadores de Canaã e ainda encanta os seguidores do Messias com suas promessas de uma Jerusalém Celeste, uma civilização bem além dos muros e desilusões daquela triste Jerusalém que bem conhecemos.
    Nem por isso vou deixar de sonhar. E agora, meus eleitos, heróis nos quais refletimos nossos sonhos? Vamos ou não em busca de nova Terra, novo mundo para nossos filhos e netos? “Meu servo Moisés morreu. Vamos agora! Passa o Jordão, tu e todo o povo, e entra na terra que dou aos filhos de Israel. Todo o lugar que pisar a planta de vossos pés, eu vo-lo dou, como prometi… (Jos 1,2-3). Deixamos para trás o sonho de nossos antepassados e agora assumimos os nossos. A vitória deles foi deles. A nossa depende de nós. Antes, contudo, é preciso um primeiro passo, um determinado e decisivo esforço de caminhar, ir ao encontro, buscar por necessidade e princípio tudo aquilo que nos fazem sonhar com um mundo melhor, uma Terra de Promissão.
    Mas se os vitoriosos de hoje deixarem de ouvir o clamor de suas torcidas, estaremos todos derrotados. Simplesmente porque nenhuma vitória se conquista sozinho. A vitória de alguns é conquista de muitos. “Nenhum de nós vive para si e ninguém morre para si” (Rom14, 7). A vida que pensa ser sua, enquanto indivíduo, em nada lhe pertence enquanto membro de uma coletividade. Viver e morrer são como o pulsar de corações e pulmões. Vencer ou perder é a condição da alma e da mente que sabem sonhar ou enxergar a realidade. Porque muitas das nossas derrotas têm sabor de vitórias. E saber perder é também uma qualidade dos grandes vitoriosos. Confirma?

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