Uma boa notícia anunciada

    A Igreja é sacramento da salvação. Assim o papa Francisco nos apresenta o dever da anunciar o Evangelho, no terceiro capítulo de sua exortação ao povo de Deus, sob o sugestivo título A Alegria do Evangelho. Colocando a salvação como “primazia de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização”, fica bem claro que Ele estará sempre à frente de sua obra, mas a Igreja, enviada por Ele, será o instrumento único e essencial para que a obra aconteça. E Igreja somos nós, o povo de Deus. “Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade, quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido”… (114).
    Já não se trata de uma responsabilidade hierárquica ou institucional. “A graça supõe a cultura e o dom de Deus encarnado na cultura de quem o recebe”. O papa nos quer evangelizadores a partir do meio e da cultura em que vivemos. “Às vezes, na Igreja, caímos na vaidosa sacralização da própria cultura, o que pode mostrar mais fanatismo do que autêntico ardor evangelizador”. Não partimos de uma imposição doutrinária, que desrespeite a cultura e tradição do outro, mas que a considera por primeiro, para então partilharmos nossas convicções sem afrontar as convicções contrárias. Simplesmente porque “em todos os batizados atua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar”. Simplesmente porque “o povo de Deus é santo em virtude dessa unção, que o torna infalível ao crer, não pode enganar-se, ainda que não encontre palavras para explicar sua fé” (119).
    Aqui já não nos cabem desculpas. Objetivo em seus argumentos, o papa ainda nos lembra: “A nossa imperfeição não deve ser desculpa, pelo contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer”. Exorta seus pregadores, em especial os padres, a melhor prepararem suas homilias. “Sabemos que os fiéis lhe dão muita importância e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar”. Cita Mc 6,2, falando de Jesus: “Ficavam maravilhados bebendo os seus ensinamentos”. Acrescenta: “Isto requer que a palavra do pregador não ocupe um lugar excessivo, para que o Senhor brilhe mais que o ministro” (138). E adverte: “Um pregador que não se prepara não é espiritual: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu”.
    Lembra-nos que “o maior risco dum pregador é habituar-se à sua própria linguagem e pensar que todos os outros a usam e compreendem espontaneamente” (158). De fato, quantos “profissionais” da Palavra ai estão, preocupados muito mais com seus dons e carismas, sua arte de arrebatar multidões, o sucesso, o respeito e reconhecimento público, mas vazios da verdade libertadora, da unção transformadora. Há muito abandonaram o primeiro anúncio, o verdadeiro querigma. Sobre este, o papa nos lembra: o cristão anuncia sempre Jesus Cristo, seu amor, sua vida, suas promessas… E completa: “Mais do que como peritos em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que se comprazem sem detectar qualquer perigo ou desvio, é bom que nos possam ver como mensageiros alegres de propostas altas, guardiões do bem e da beleza que resplandecem numa vida fiel ao Evangelho” (168).
    Pregar a palavra não é privilégio de poucos, mas dever de todos. Exige apenas coerência e responsabilidade. “A evangelização requer a familiaridade com a Palavra de Deus, e isto exige que as dioceses, paróquias e todos os grupos católicos proponham um estudo sério e perseverante da Bíblia e promovam igualmente a sua leitura orante, pessoal e comunitária” (175). É o mínimo, se desejamos um máximo. “Deus falou” e continuará nos revelando sua vontade, seu projeto, seu Amor, se nós, seus seguidores, levarmos adiante sua fala, em especial, as Palavras Reveladas de seu Filho amado. Essa é a função da Igreja Viva, aquela que crê e deseja a Salvação para todos.