Direito fundamental à vida

     

    A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, promoveu, no plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na manhã do dia 19 de agosto, segunda-feira, um fórum sobre a entrega legal para a adoção e o direito fundamento à vida presidido pelo Des. Claudio de Mello Tavares, Presidente do Tribunal.

    Realmente uma bela notícia para a vida quando são consideradas as dignidades da mulher grávida, da criança e a importância da família. Com a presença de autoridades do poder judiciário, executivo e legislativo e com representantes das igrejas e comunidades religiosas teve uma bela presença de público. Na ocasião pude pronunciar algumas palavras, entre as quais resumo abaixo.

    Diante do honroso convite para participar deste evento, é com satisfação que me dirijo a todos os presentes, dentre os quais encontram-se ilustres representantes dos três poderes da República, tanto no âmbito federal como estadual, bem como renomados juristas, com amplo conhecimento e experiência para tratarem das questões legais relativas à adoção de crianças.

    Desejo, portanto, dedicar-me à temática do direito fundamental à vida. Trata-se, inclusive, de um princípio que a Igreja Católica sempre defendeu, tanto por estar relacionado ao maior dom de Deus ao ser humano, como também por constituir a norma básica para relações sociais justas e equânimes.

    Logo no primeiro capítulo do livro do Gênesis, o livro inicial da Bíblia, no qual é narrada a criação do mundo, encontramos a afirmação de que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26-27). Conferiu-lhes, assim, uma condição superior à de todos os demais seres criados. Daí a proibição contida no 5º mandamento do Decálogo, entregue por Deus a Moisés – “Não matarás”. (Ex 20,13).

    No Sermão da Montanha, Jesus Cristo não apenas confirma este mandamento, como o estende a qualquer ato que possa causar dano físico ou moral a outra pessoa: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás. Aquele que matar terá de responder ao tribunal’. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal” (Mt 5,21-22). 

    O cristianismo, desde o seu surgimento, assumiu o Decálogo como norma de vida, complementado pelas bem-aventuranças citadas por Jesus, e infundiu na sociedade ocidental, nascida sob as luzes do Evangelho, os grandes princípios que hoje são reconhecidos como “direitos humanos”.

    A este respeito, a Igreja Católica tem desenvolvido estudos e elaborado documentos que têm por objetivo não apenas orientar os seus fiéis, mas também alertar as sociedades e culturas para a verdade irrenunciável do direito fundamental à vida. No mundo contemporâneo, cada vez mais secularizado, a permanência desse sinal de alerta tem se tornado um desafio, no sentido de manter as consciências abertas aos gemidos dos inocentes que ainda não têm voz e dos idosos que muitos desejam calar prematuramente. Por isso, a Igreja defende o direito de cada ser humano à vida, desde a sua concepção até a sua morte natural.

    A Instrução Donum Vitae sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação, é um documento elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé e aprovado pelo Papa São João Paulo II para publicação em 1987. No capítulo 5º, encontramos o seguinte parágrafo:

    “A vida humana é sagrada porque desde o seu início comporta «a ação criadora de Deus» e permanece para sempre em uma relação especial com o Criador, seu único fim. Somente Deus é o Senhor da vida, desde o seu início até o seu fim: ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente.”

    No contexto do presente evento, que trata da entrega legal para adoção, discute-se uma perspectiva importantíssima para solucionar o problema das mães que geram filhos dos quais não podem ou não querem cuidar, possibilitando que levem até o final a gestação, e se possa salvar a vida das crianças. De fato, se queremos garantir o direito fundamental à vida dos nascituros, são necessárias políticas públicas que protejam as gestantes e lhes permitam a opção de não ficarem com o filho, sem recorrer à alternativa dramática do aborto.

    Na Encíclica Humanae Vitae, de 1968, o Papa São Paulo VI exorta para uma efetiva atuação dos poderes públicos neste sentido:

    “Nós queremos dizer aos governantes, que são os principais responsáveis pelo bem comum e que dispõem de tantas possibilidades para salvaguardar os costumes morais: não permitais que se degrade a moralidade das vossas populações; não admitais que se introduzam legalmente, naquela célula fundamental que é a família, práticas contrárias à lei natural e divina. Existe uma outra via, pela qual os Poderes públicos podem e devem contribuir para a solução do problema demográfico: é a via de uma política familiar providente, de uma sábia educação das populações, que respeite a lei moral e a liberdade dos cidadãos.” (HV 23).

    O outro lado da questão relativa à entrega legal para adoção refere-se às famílias que desejam filhos. Algumas, na busca desordenada de satisfazerem esse anseio, recorrem a meios que podem ser eticamente reprováveis. Afirma a Instrução Humanae Vitae, na sua Introdução:

    “Graças ao progresso das ciências biológicas e médicas, o homem pode dispor de recursos terapêuticos sempre mais eficazes, mas pode adquirir também novos poderes sobre a vida humana em seu próprio início e nos seus primeiros estágios, com consequências imprevisíveis. Hoje, diversas técnicas permitem uma intervenção não apenas para assistir, mas também para dominar os processos da procriação. Tais técnicas podem consentir ao homem «tomar nas mãos o próprio destino», mas expõem-no também «à tentação de ultrapassar os limites de um domínio razoável sobre a natureza». Por mais que possam constituir um progresso a serviço do homem, elas comportam também graves riscos. Desta forma, um urgente apelo é expresso por parte de muitos, a fim de que, nas intervenções sobre a procriação, sejam salvaguardados os valores e os direitos da pessoa humana.” 

    Desta forma, a criança entregue legalmente para adoção é cercada pelo amor da própria mãe, cujo gesto denota respeito pela vida do filho. Ao invés de recorrer ao aborto, ou de abandoná-lo à própria sorte ou, ainda, de fazer do filho objeto de comércio, a mãe escolhe permitir a ele um futuro, que seja melhor do que ela poderia lhe oferecer. Essa criança poderá, então, receber o acolhimento de uma família que a aguarda com amorosa expectativa, pois a paternidade e a maternidade adotivas são fruto da escolha consciente e generosa das pessoas que querem assumi-la.

    A possibilidade de adoção é incentivada pela Igreja, justamente por manifestar o amor livre e gratuitamente oferecido ao outro, sinal visível do amor de Jesus Cristo pela humanidade. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “o Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos que, depois de terem esgotado os recursos legítimos da medicina, sofrerem de infertilidade unir-se-ão à Cruz do Senhor, fonte de toda fecundidade espiritual. Podem mostrar sua generosidade adotando crianças desamparadas ou prestando relevantes serviços em favor do próximo.” (n. 2379).

    Diante de tantas questões importantes que estão sendo tratadas neste evento, desejo finalizar parabenizando a EMERJ pela iniciativa. Manifesto também o apoio da Igreja Católica no Rio de Janeiro ao trabalho das Varas da Infância, da Juventude e do Idoso no nosso Estado, e formulo votos de que prossiga cada vez mais intenso, a fim de que possamos proteger as vidas de nossas crianças, preservando-as das situações de abandono e de risco social. Certamente tais medidas irão repercutir favoravelmente na reconstrução de uma sociedade mais justa, humana e solidária, da qual o Rio de Janeiro urgentemente necessita, e que devemos legar às futuras gerações.

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