Um tríplice amor

    Um fariseu indagou a Jesus: “Mestre, qual é o maior mandamento da lei”? (Mt 22,16). A resposta que lhe foi dada inclui um tríplice amor: Amarás totalmente a Deus, amarás o teu próximo como a ti mesmo. Nem sempre se presta atenção no que significa amar a si mesmo e isto torna mais difícil a dileção devida ao próximo. Amar a si mesmo é ter uma imagem justa de si. Com efeito, reconhecer as qualidades com as quais Deus mimoseou cada um leva o indivíduo a atinar com o seu real papel na sociedade de acordo com seu perfil caracterológico. Mesmo porque qualidades mal trabalhadas geram fatalmente defeitos. Além disto, nada mais útil para os outros do que a pessoa certa no lugar certo. Isto inclusive fará com que, através de suas boas ações, o indivíduo possa manifestar seu total amor a Deus. Reconhecer os talentos que se possui e aceitar os seus próprios limites é uma maneira de se amar a si mesmo. Apreender a própria finitude e desenvolver os dons que se tem é caminho certo para se evitar a depressão e outros males psíquicos, como a baixa estima. Isto complica sempre o amor ao próximo e até ao próprio Deus. Não se trata, portanto, de se fechar dentro de si incrementando o egoísmo ou o orgulho, mas se colocando em condições de fazer desabrochar tudo de bom que há no íntimo de si, para com isto amar o próximo e o Criador de tudo. Não se constrói o amor aos outros e a Deus em cima de defeitos, mas, sim, por meio das potencialidades bem administradas, cultivadas, na prática das virtudes. Então é possível doar o que se possui de melhor num verdadeiro projeto de vida. Para tanto cumpre sempre evitar dúvidas e medos mórbidos procurando a retidão das atitudes. A simplicidade de espírito é uma conquista por vezes árdua. O autocontrole abre o caminho para o amor ao próximo que consiste em se deixar tocar pela sua presença para poder lhe ser útil em tudo. A cada instante Deus coloca alguém que entra na vida de cada um e que deve ser amado e respeitado e muitas vezes perdoado. Trata-se do mistério do encontro que exige que se rompam todas as barreiras. Eis porque são necessárias as disposições do coração que apartam a preocupação excessiva ao bem próprio, sem consideração aos interesses alheios, evitando, deste modo, motivos calculadores condenáveis. Dois ingredientes são necessários para bem amar o próximo, ou seja, honestidade e sinceridade. Isto leva a dar aos ouros o melhor de si mesmo. São Paulo tem uma frase lapidar: “O amor não faz mal ao próximo, o amor é cumprimento da lei” (Rm 13,9-10). Além disto, como bem salientou o Mestre divino, o maior mandamento da lei é este: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento”. É que somente a Deus se deve adorar. Daí a abominação de tudo que vai contra o respeito a Ele a começar pela indiferença que negligencia ou recusa a caridade divina. Adite-se a ingratidão que omite o reconhecimento dos benefícios recebidos. Muitos deixam de prestar o verdadeiro culto ao Criador por indolência ou preguiça espiritual. A afeição a Deus se opõe à soberba, que leva a se julgar até superior ao Ser Supremo. Há, por vezes, na vida de cada um ídolos que são abomináveis a Deus o qual tantas vezes  fica subalterno aos caprichos humanos. Isto vem a ser o apego às ilusões terrenas, aos prazeres, às fantasias sexuais, àquilo que é passageiro e transitório. Daí resultam as frustrações, porque o ser racional é a imagem de Deus que é amor e que deve ser amado sobre todas as coisas. A vocação do cristão reside na qualidade de um amor inédito que o torna perfeito como o Pai celeste. Quem é sábio e coerente está persuadido de que a força verdadeira não é a da bomba atômica, do domínio, do dinheiro, mas sim o poder do afeto para com Deus. O cristão deve ser o profeta e a testemunha desta dileção infinita ao Rei Celeste. A Virgem Maria, mais do que ninguém, compreendeu esta verdade e pôde dizer ao anjo que ela era a serva do Senhor. Ela se colocou em condições de sempre repetir a Deus “Seja feita a vossa vontade”. Estar assim unido a Deus é a floração máxima da afeição que se deve a Ele. Cumpre então ter não um coração de pedra, mas um coração de carne, vibrante que, “aqui e agora”, estabelece o Todo-Poderoso Senhor acima de tudo. O grande projeto divino é que o ser humano saiba sempre realizar uma trajetória de amor. Trata-se de habitar em Deus através do coração. Eis porque todos os santos chegaram à plenitude do amor a Deus e o amor é um elã que faz tender a esta união. A dileção verdadeira a Deus é como um fogo que se expande no amor ao próximo e a si mesmo. Daí o célebre dito de Santo Agostinho: “Ama et fac quod vis– Ama e faze o que quiseres”, pois, então, tudo redunda para a glória de Deus, o bem do próximo e de si mesmo.

    * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.