Numa semana contextualizada pela volta do terrorismo talibã e pela queda sem resistências de um governo mal equilibrado sobre as hastes de uma democracia ainda insegura, o povo afegão despertou no mundo o sentimento da solidariedade humana. Ver pessoas arriscarem suas vidas agarradas às asas e trens de pouso de um avião superlotado, apenas com o intuito de fuga, é, de fato, uma cena questionadora. Diz-nos, com todas as letras, que a liberdade e o direito de professar nossas crenças ainda é o bem maior do ser humano. Mas a vida não aceita voos cegos.
Tal qual a cegueira de muitos que ainda teimam em não se vacinar contra os malefícios que a cerceiam. Não é uma simples questão política, ou religiosa, ou social, mas estar imune pode significar a própria salvação da espécie. Eis onde entram pontos comuns na pauta da semana: Enquanto o mundo contempla a tresloucada invasão de um aeroporto por uma população desesperada e assustada com o próprio futuro, o Papa Francisco vem a público defender a necessidade de vacinação em massa como ato de amor. “Graças a Deus e ao trabalho de muitos, hoje temos vacinas para nos proteger da Covid 19!”
Neste contexto, as palavras do Papa soam quase que ironicamente como alheias às dores daquela nação, mas trazem em seu bojo algo mais: “Vacinar-se é um ato de amor. Ajudar a fazer que a maioria das pessoas se vacinem é um ato de amor, não só por si mesmo, mas também pelos familiares, amigos, amor por todos os povos”. Então Francisco contextualiza: “O amor também é social e político. É universal, sempre transbordando de pequenos gestos de caridade pessoal, capazes de transformar e melhorar as sociedades”. Percebeu aqui a amplitude dessa mensagem? O bem comum nasce do respeito à liberdade do outro, seja esta uma questão pessoal ou política ou religiosa, mas que atinge a todos quando não aceita de forma democrática e consciente.
O mundo necessita dessa vacina. Estar imune aos malefícios de uma doença torpe, tanto física quanto moral, é questão de vida ou morte. Conclui, então, o Papa: “Peço a Deus que cada um possa contribuir com seus pequenos grãos de areia, seu pequeno gesto de amor. Por menor que seja, o amor é sempre grande. Contribua com estes pequenos gestos, para um futuro melhor!”.
Se forcei ou não uma mensagem com destinatário bem específico – aquele que se nega a dar o braço por uma causa mundial – a sonhada imunidade de rebanho – é porque as circunstâncias dos fatos nos levam a outro aspecto dos acontecimentos que nos assombram: necessitamos mais do que nunca de uma vacina contra o vírus da indiferença e da alienação. Não podemos cruzar nossos braços e ficar alheios à volta do radicalismo e da intolerância daqueles que aspiram apenas poder e glórias pessoais. Grupos fundamentalistas são tão ou mais mortíferos quanto qualquer vírus ou doenças pandêmicas.
Leia, mais uma vez, o alerta papal, e descobrirá nas entrelinhas a atualidade de uma mensagem que vai além de um simples ato de profilaxia. A vacina é benéfica a todos. Estar imune aos malefícios de uma doença física nos garante uma sobrevida, mas estar imune ao radicalismo religioso e político também nos garante a sobrevivência da espécie. A humanidade anseia por sua imunidade sobre todos os males. Ao cristão foi dada a certeza dessa sua inviolabilidade acima da vulnerabilidade física. Pois “eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim mesmo que morra, viverá (Mt 11, 25). Ou, como ouvimos hoje: “O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada” (Jo 6, 63). Contra a insegurança sobre essa verdade é preciso vacinar nossa fé.