Há males que vêm para o bem. Uma tragédia sempre nos dá a consciência de nossa fragilidade. O drama vivido pelo time de futebol dos12 meninos da Tailândia, perdidos e soterrados numa caverna que aparentemente lhes serviria de abrigo momentâneo, nos dá essa dimensão de fraqueza e insegurança da humanidade diante da própria natureza. Ao mesmo tempo, desperta em massa o sentimento de solidariedade e fraternidade entre aqueles que tomam conhecimento do fato ou se sentem impotentes diante da situação. Uma corrente positiva, uma enorme torcida pelo resgate e salvamento daquelas crianças soterradas pela fatalidade é a prova mais cabal do amor que temos pela vida. A solidariedade humana ainda é sua melhor virtude.
O sofrimento, seja na própria carne ou na de alguém que sequer conhecemos, mas cuja vida nos parece preciosa tanto quanto a nossa é a maior das provas de que a fraternidade ainda campeia entre nós, apesar dos pesares. Afasta momentaneamente a soberba, a indiferença, o individualismo, para tão somente unirmos forças em prol da vida de alguém semelhante. Não importa o quão distante esse alguém esteja, se faz parte ou não do nosso time, se almeja ou não a vitória numa copa, se tem entre eles algum futuro adversário a barrar nosso frustrado sonho do hexa, mas que no momento grita por socorro, clama por seu lugar ao sol, longe das trevas de uma gruta traiçoeira. Então nos esquecemos das próprias derrotas para devolver-lhes o direito primário da sobrevivência.
Curiosamente, a liturgia dessa semana traz em suas leituras uma reflexão bem apropriada. Paulo, também prisioneiro numa das muitas cavernas da prepotência humana, sentia-se fraco e pensava que sua vida encontraria ali seu ponto final. Perdia suas forças, mas não sua fé. Tudo lhe era adverso, mas, como aqueles meninos da Tailândia, não pensava em si, mas naqueles que amava e que deixara lá fora, livres, mas preocupados com sua prisão. Como os meninos, escreveu-lhes cartas, bilhetes de amor, de coragem, de ânimo. Não se exasperem, não se preocupem; orem apenas, perseverem na fé, dizia em termos. (Um dos meninos escreveu à sua professora: quando sair daqui, não me dê nenhuma prova difícil – bastava-lhe aquela do momento). Então Paulo produziu uma de suas mais belas mensagens, escrevendo aos Coríntios: “Irmãos, para que a extraordinária grandeza das revelações não me ensoberbecesse, foi espetado na minha carne um espinho, que é como um anjo de satanás a esbofetear-me, a fim de que eu não me exalte demais” (2Cor 12-7). Uma derrota momentânea não nos tira a graça de vitórias futuras.
Aos poucos, os meninos da caverna estão sendo libertos. Aos poucos, as ações e embates do homem contra forças adversas, vão se superando, vencendo batalhas, mas não a guerra final de sua fragilidade contra sua maior força, a fé que possui. Mas isso não lhe deve causar maior orgulho do que a consciência de seus limites. Achar-se o maior, desdenhar as forças oponentes, os adversários físicos, naturais ou mesmo espirituais é ignorar que muitas vezes nossos anjos também nos permitem fracassos momentâneos, para nos podar a própria soberba, o orgulho de nos acharmos donos de tudo, da verdade, da competência, de encarar desafios sem ponderar os perigos, de sentir-se vitoriosos antes do apito final, de se achar dono da cocada, da bola… Um espinho na carne nos alerta, então. A água no tornozelo dá o sinal. A caverna escura e fria afasta a soberba, o orgulho, a vaidade. Antes, precisamos mostrar competência, continuar acreditando não na capacidade pessoal, mas coletiva, que clama aos céus pela graça da misericórdia acima de tudo. “Eis por que eu me comprazo nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades e nas angústias sofridas por amor a Cristo”, diria Paulo. Eis por que acredito na fé daqueles meninos, longe de todos, mas bem pertos do coração amoroso de Deus. Que isso nos sirva em nossas eventuais derrotas. Um dia seremos hexa.